Clima e ambiente no centro de tudo, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] No momento em que este texto é escrito, na manhã de quarta-feira, em Copenhague, as negociações na reunião da Convenção do Clima continuam muito difíceis – tanto que se decidiu prorrogar até a noite de quinta-feira, provavelmente madrugada de sexta-feira, o texto que será submetido aos chefes de Estado, muitos deles aqui presentes, entre eles o presidente Lula. Embora diplomatas sempre digam que as negociações continuam avançando, na prática há obstáculos enormes no caminho de um consenso (e aqui tudo precisa de consenso para ser aprovado) sobre metas de redução de emissão de gases do efeito estufa para mais de 190 países; sobre recursos financeiros dos países desenvolvidos aos demais para essa diminuição; sobre a prorrogação do Protocolo de Kyoto, com metas obrigatórias de redução para os países desenvolvidos (e, por tabela, com regras para nova etapa do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que permite a uma empresa de país desenvolvido financiar em outros países projetos que reduzam as emissões e descontar essa redução das suas próprias emissões – o que forma o chamado mercado de carbono).
Também estão complicadas as negociações sobre um fundo para combater o desmatamento (Redd): os financiamentos serão no nível nacional (governos doadores para governos receptores)? Ou poderão ser diretamente no nível subnacional (para governos estaduais), como desejam EUA e Colômbia? Ou poderá haver repasse dos governos nacionais para outros níveis? Em que condições?
Não é segredo – e o próprio secretário-geral da convenção, Yvo de Boer, já o admitiu em público – que se chegue aqui apenas a uma declaração conjunta que, depois de enumerar avanços e compromissos concretos já atingidos, crie um novo mandato que permita estender as negociações para 2010 (o atual mandato, aprovado em Bali, em 2007, encerra-se aqui). Mas, como se mencionou neste espaço na semana passada (11/8), as alternativas são difíceis. No primeiro semestre, por causa da Copa do Mundo na África; no segundo, porque teria de ser na próxima reunião da convenção, em dezembro, no México – o que poderia criar uma visão de fracasso para esta COP 15. Já há diplomatas, inclusive brasileiros, cogitando de uma prorrogação dessa reunião para maio de 2010.
Enquanto isso, fica claro nesta reunião que o tema das mudanças climáticas e toda a chamada questão ambiental estão ganhando um novo status. E esse “upgrade” se explica por vários motivos: 1) A gravidade dos chamados eventos climáticos extremos que já estão acontecendo no mundo e no Brasil e a perspectiva de agravamento se não se reduzirem fortemente as emissões, enfatizada aqui pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que menciona a concordância de mais de 90 mil cientistas no mundo com seus diagnósticos; 2) o extraordinário potencial brasileiro, que fascina o mundo, com possibilidade de matriz energética renovável e limpa, a maior biodiversidade do planeta e a presença de florestas em seu território continental, recursos hídricos invejáveis – tudo com que o mundo sonha. O fato de o governo federal haver adotado metas de redução de emissões, ainda que apenas voluntárias, e não como compromisso no âmbito da convenção, também contribui para a imagem do País na opinião pública mundial. Mas não se pode deixar passar em branco que a presença em Copenhague de três possíveis candidatos à sucessão presidencial – a ministra Dilma Rousseff, comandando a delegação brasileira e se expondo diariamente ao bombardeio dos jornalistas; o governador José Serra, promovendo eventos com figuras como o governador da Califórnia, falando da política de seu governo de redução de emissões em seu Estado e assinando acordo de financiamento com BID e Banco Mundial; e a ex-ministra e senadora Marina Silva, desembaraçada das contingências ministeriais e assumindo um discurso mais duro – contribui muito para o “upgrade” no plano interno das questões climática e ambiental. Elas serão um dos temas centrais da próxima campanha presidencial.
E ainda há mais. É muito forte a presença de governadores, parlamentares e empresários em Copenhague, estes últimos tanto na qualidade de dirigentes de suas instituições como em caráter em pessoal – nas áreas da agropecuária, da construção, da indústria, do comércio, da energia, de setores especializados no mercado de carbono. E todos os dias há discussões paralelas. Como, por exemplo, sobre emissões da agropecuária brasileira, que já chegaram a mais de 1 bilhão de toneladas anuais equivalentes de dióxido de carbono em 2003 e baixaram para 869 milhões em 2008. Também nessas discussões se mencionou que 1 quilo de carne industrializada pode gerar até 300 quilos de carbono emitido. Mas os empresários parecem estar atentos, alguns deles mencionando a possibilidade de reduzir o rebanho até pela metade, com técnicas de confinamento que permitam baixar o tempo para o abate e aumentar o rendimento. Ou mudando a alimentação para reduzir as emissões de metano pelo gado. Também se discute ser imprescindível adotar sistemas de rastreabilidade para a carne exportável – fortemente recusados em algumas áreas – como condição para recuperar mercados, como o europeu, perdido também pela falta dessa rastreabilidade.
Enfim, não é temerário afirmar que o Brasil não será o mesmo após esta reunião, qualquer que seja o desfecho das negociações. Mudanças climáticas e meio ambiente tenderão a deslocar-se para o centro do palco, principalmente na campanha eleitoral pela Presidência da República de 2010. Que terá ainda, contribuindo na mesma direção, as prováveis novas negociações na convenção e as eleições para o Congresso dos EUA, do qual dependem a aprovação da política do clima proposta pelo presidente Barack Obama e a aprovação de qualquer financiamento para reduzir emissões em outros países.
Já não é sem tempo.
Washington Novaes é jornalista . E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br
Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 21/12/2009
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