As duas faces do aquecimento global na América Latina
Um relatório que a Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe] apresenta nesta quarta-feira na cúpula do clima revela que se a temperatura subir dois graus em um século e meio, as chuvas melhorariam o rendimento agrícola em algumas áreas da América Latina, e as secas prejudicariam o resto.
A reportagem é de Cledis Candelaresi, publicada no jornal Página/12, 16-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se a temperatura mundial subir até dois graus acima da temperatura de um século e meio atrás, a agricultura argentina poderia se beneficiar, da mesma forma que certas regiões do Chile e do Uruguai, mas, em contrapartida, aumentará consideravelmente nessas mesmas latitudes o risco de contrair câncer de pele.
A advertência surge em um documento sobre o impacto das mudanças climáticas que será apresentado hoje pela Cepal no repleto Bella Center, cenário de um histórico encontro mundial que busca modificar os modos de produzir e as condutas de consumo.
Nesta terça-feira, chegou o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, o presidente colombiano, Alvaro Uribe, chega nesta quarta-feira e, segundo se espera, Barack Obama estaria por aqui na sexta-feira, último dia para algum anúncio que ainda não tem formato preciso.
As negociações seguiram nesta terça-feira em ritmo intenso, depois de uma prolongada pausa que o protesto das nações subdesenvolvidas impôs no dia anterior, porque havia se bloqueado de fato uma das vias de negociação. Entre as figuras estelares, que alvoroçou os milhares de jornalistas credenciados, esteve o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, que, como preâmbulo de seu discurso a favor da descontaminação, lembrou que já esteve antes na Dinamarca. Naquele ocasião, promovendo um de seus filmes. Fora do enorme prédio, a neve.
O relatório da Cepal, “A economia das mudanças climáticas na América Latina”, começa reconhecendo como um fato constatável o que avaliza grande parte da comunidade científica internacional, apesar das dúvidas de alguns: o aquecimento do planeta é um fato certo e atribuível às ações antropogênicas, isto é, ao agir do homem. Não fazer nada implica em atentar contra o crescimento econômico.
O texto também enumera as consequências negativas do aquecimento em todo o território da América Latina e do Caribe, entre elas uma alteração das precipitações que difere por regiões: pode subir entre 25% e 10% ou baixar entre 20% e 40%, com todo o impacto que isso implica. Para algumas áreas, conjunturalmente positivo. Para a maioria, definitivamente adverso.
“Se não se considerarem os riscos de pragas e problemas derivados do derretimento das geleiras”, na medida em que o aquecimento não transpasse os dois graus com relação à era pré-industrial, poderia melhorar a produtividade agrícola em algumas regiões da Argentina, do Chile e do Uruguai, afirma o texto. Mas entre os efeitos adversos que especificamente as alterações de temperatura em todo o subcontinente apresentam para a saúde, menciona-se o estresse pelo calor e a proliferação e ampliação da fronteira de doenças como a malária, a dengue e o cólera, com o alarmante acréscimo para a Argentina e o Chile de uma maior propensão a se contrair câncer de pele por causa da maior radiação ultravioleta.
O texto da Cepal fundamenta com rigor matemático outras ideias que descrevem esse fenômeno para a América Latina:
* Na contramão do que acontece no resto do mundo, a principal causa de contaminação (51%) é a mudança de uso do solo, basicamente devido ao avanço sobre as florestas para o uso agrícola. Logo depois está a própria atividade agrícola e de criação de gado (24%).
* Por causa de seu modo de crescimento, a demanda de energia continuará crescendo, e por isso – advertem os autores do trabalho – os governos regionais devem ter o cuidado de não se comprometer a consumir menos combustíveis fósseis.
* Essa demanda de energia é independente dos preços, segundo foi constatado estudando a história das últimas décadas: mesmo que estes aumentem, a demanda não deixa de crescer. Mas se a renda per capita sobe, automaticamente vende-se mais combustível, gás e luz.
* Os países com o PIB per capita mais alta são os que mais diminuíram suas emissões, paradoxalmente.
O relatório oferece um extrato de ideias que promete alimentar o debate sobre as consequências do efeito estuda e os modos de produção no mundo. Aí está o coração das discussões que livram os representantes dos diversos países. Desde terça-feira, diante dos ouvidos de menos observadores: 30% dos assistentes credenciados sob essa categoria ficou de fora para evitar o congestionamento das instalações.
Finalmente, na última hora da segunda-feira, conseguiu-se retomar as negociações que haviam sido paralizadas porque os países ricos minimizaram a alternativa de buscar uma prorrogação ao Protocolo de Kyoto, priorizando a de um convênio totalmente novo, que também imponha obrigações aos subdesenvolvidos grandes. Como um recurso desesperado, fragmentou-se o universo negociador em oito equipes de trabalho que pouco avançaram até esta terça-feira.
(Ecodebate, 18/12/2009) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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