Enchentes: o conhecimento das causas deve orientar as soluções, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos
16/12/2008 – Chuvas na região da capital e Grande SP causaram 18 pontos de alagamento e interromperam tráfego de trens em uma linha da CPTM. Na Av. Aricanduva (foto), o rio transbordou e alagou a via e as casas. Foto Marcelo Thomaz/FotoRepórter/AE
[EcoDebate] Para se combater exitosamente um problema, conhecer e eliminar suas causas. No caso das enchentes metropolitanas os sucessivos governos – estado e municípios – têm desconsiderado totalmente esse preceito metodológico básico e concentrado suas ações e atenções na busca de uma solução hidráulica simplista que, como panacéia tecnológica, lhes aliviasse do pesado ônus político de responder pelas calamidades públicas associadas ao problema.
Desde décadas têm sido assim priorizados, quase com exclusividade, os dispendiosos serviços de ampliação e manutenção das calhas dos principais rios metropolitanos e, mais recentemente, a instalação dos deletérios piscinões, verdadeiros atentados urbanísticos, sanitários e ambientais. A realidade tem sido madrasta dessa lógica limitada e mostrado claramente que as obras hidráulicas estruturais por si só, ainda que indispensáveis, são insuficientes frente a um propósito de se reduzir drasticamente a quantidade e a intensidade das enchentes na região.
As causas principais de nossas enchentes estão associadas a alguns fatores perfeitamente identificáveis. Primeiramente há que se considerar as características geológicas e hidrológicas naturais da região da Bacia do Alto Tietê, hoje ocupada pela metrópole paulistana. Nessas condições naturais os rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e outros apresentavam-se originalmente totalmente meandrantes e sinuosos, com baixíssima declividade, revelando que a região, antes do homem branco por aqui chegar, já naturalmente demonstrava uma grande dificuldade em escoar suas águas superficiais.
Não reconhecendo e não levando em conta essas características naturais a metrópole desenvolveu-se sob a cultura da impermeabilização e da canalização e retificação de seus cursos d’água, reduzindo enormemente a capacidade original da região em infiltrar e reter as águas de chuva. Como decorrência, volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, são escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão.
Agravando esse quadro vêm sendo progressivamente ocupados os terrenos mais periféricos, de relevo mais acidentado e com solos extremamente mais vulneráveis à erosão. Opta-se, nessas condições topográficas, por produzir artificialmente, através de operações de terraplenagem, pontuais ou generalizadas, áreas planas e suaves para assentar as novas edificações, implicando em exposições cada vez maiores e mais prolongadas dos solos aos processos erosivos. Como resultado direto são produzidos anualmente por erosão na RMSP cerca 3.500.000 metros cúbicos de sedimentos silto-arenosos, cujo destino inexorável é o assoreamento fantástico de toda a rede metropolitana de drenagem, reduzindo, juntamente com o entulho de construção civil e o lixo urbano lançados irregularmente, ainda mais sua já sobrecarregada capacidade de vazão.
Uma observação preocupante, e que revela a pouca abrangência da atual estratégia de combate às enchentes, a metrópole continua a crescer cometendo os mesmos trágicos e elementares erros que estão na origem de todos esses problemas.
Se levar corretamente em conta esse diagnóstico, condição indispensável para o êxito no combate às enchentes, a administração pública deverá necessariamente complementar seu programa com um audacioso grupo de ações que incidam diretamente sobre as causas maiores das enchentes. Planejar e colocar regras claras e rígidas para o crescimento urbano.
Aumentar a capacidade de retenção de águas de chuva por infiltração e reservação com expedientes técnicos de desimpermeabilização da área urbanizada – pavimentos, calçadas, valetas, pátios e tubulações drenantes, poços e trincheiras de infiltração, intenso plantio de médios e pequenos bosques florestados – e instalação de reservatórios empresariais e domiciliares. Concomitantemente, reduzir drasticamente os intensos processos erosivos que incidem sobre todas as frentes de expansão urbana da metrópole, hoje palco de um verdadeiro desastre geológico, assim como o lançamento irregular do entulho de construção civil e do lixo urbano.
Algumas ações pontuais da PMSP, como a conservação das várzeas do Tietê a montante da Barragem da Penha e a implantação de parques lineares são auspiciosas, mas ainda extremamente limitadas frente à dimensão da Bacia do Alto Tietê, 6 mil Km², com mais de 30 municípios integrantes. O que exige, por decorrência, que o combate às enchentes, diferentemente do que vem sendo feito hoje, tenha articulação e comando de caráter metropolitano.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro{at}uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
* Colaboração de Álvaro Rodrigues dos Santos para o EcoDebate, 17/12/2009
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