COP 15: Acordo à beira do colapso

Proposta vaga sobre o mecanismo de reflorestamento e brigas por causa do percentual de redução de emissões e do financiamento mundial comprometem a conferência das Nações Unidas

Quase às vésperas do fim da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, um rascunho sobre as ações de longo prazo divulgado ontem deixou um clima ainda mais tenso no ar do Bella Center, pavilhão onde ocorre o evento. No início da noite, o local abriu com cerimônia pomposa, com a presença de chefes de estado(1) e ministros. Um dos rascunhos, o que cita o projeto de reduções de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD), que tinha duas páginas, ganhou outras seis, repleto de adendos e propostas. Reportagem de Cristiana Andrade, no Correio Braziliense.

“Há uma proposta de tornar o REDD subnacional, ou seja, podendo ser aplicado em cada região de cada país, o que o torna mais difícil de acompanhar cada projeto. O que estávamos esperando era o REDD nacional, cujo texto estava mais enxuto, mais objetivo. O que posso dizer é que as propostas ainda não estão tão claras”, comentou Branca Americano, diretora da Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O REDD integra as ações de longo prazo (LCA), um dos dois trilhos de negociações em Copenhague. Ele é um instrumento importante para o Brasil por proteger florestas. O que ainda não está claro nas negociações são os mecanismos para quantificar a proteção florestal, como calcular seu valor, se o REDD estaria inserido em ações locais de proteção etc.

A outra discussão em Copenhague é o Protocolo de Kyoto. No debate atual, a ideia era buscar metas mais ambiciosas, por parte dos países ricos, de redução dos gases de efeito estufa. O problema é que os números colocados nas mesas de negociação não têm agradado as nações em crescimento. Os Estados Unidos, que não ratificaram Kyoto, prometeram redução de 17% até 2020 em relação a 2005, percentual considerado tímido pelos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os norte-americanos insistem que os emergentes, como Brasil e China, contribuam financeiramente com um fundo mundial para ajudar os mais pobres a desenvolver tecnologias limpas.

“Sentença de morte”
Ontem, o bloco africano alertou que a conferência pode terminar como uma “sentença de morte de Kyoto”. “Tudo leva a crer que os países ricos estão desenvolvendo uma política clinática muito mais branda. As consequências para a África do desaparecimento do Protocolo de Kyoto são principalmente a fome, os deslocamentos de populações, as inundações, as secas, os conflitos sociais, as doenças e o aumento da pobreza de um modo geral”, afirmou a União Africana em comunicado distribuído à imprensa.

Depois de publicar um texto em conjunto com o Brasil, no mês passado, sobre as mudanças climáticas, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciou que fará o mesmo com a África. “Vamos entregar um texto comum sobre todos os temas de Copenhague. Estamos de acordo sobre os números de redução, a meta de que o aumento da temperatura não seja superior a dois graus”, disse, após um almoço com o primeiro-ministro etíope Meles Zenawi. “

Outra questão que está emperrada na conferência é o fundo de financiamento para mitigação e adaptações. Ontem, o ministro brasileiro do Meio Ambiente, Carlos Minc, disse em Copenhague que o Brasil vai abrir mão de negociar recursos para adaptação durante a conferência. Segundo ele, o dinheiro para esse fim deve ser para custear nações muito pobres, insulares e que estão em risco iminente de desaparecer, como algumas ilhas do Pacífico.

“Em toda negociação, temos que fazer concessões, mas não abrimos mão de receber recursos para a mitigação. O Nordeste brasileiro deve perder 1/3 de sua economia até 2100, caso o aumento da temperatura chegue a 2ºC”, comentou. Sobre a diferenciação que estaria fazendo, em subdividir as nações em desenvolvimento, o ministro se justificou, dizendo que há categorias distintas entre eles. “A China e a Índia são grandes emissores, bem maiores que países como os do Caribe, que já estão bem ameaçados. Isso eu reconheço e defendo. Agora, politicamente, acho que há uma intenção de provocar aqui na conferência uma fissura, uma cisão entre o bloco dos emergentes e o bloco dos mais pobres, por quem está sendo pressionado a colocar mais dinheiro. Temos de trabalhar contra isso. Temos que ter uma visão compartilhada do mundo”, comentou.

O ministro garantiu que o Brasil tem feito sua parte no combate ao aquecimento global. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o governo federal está investindo R$ 200 milhões na Amazônia e R$ 60 milhões em monitoramento. “Vamos, em breve, contratar mais 1 mil cargos de fiscais para a Amazônia. E para manter as reduções de desmatamento, vamos implantar uma série de ações como o manejo floresta, a regularização fundiária atrelada ao não desmatamento (se a pessoa tem a posse da terra e o documento, se desmatar, perde o papel), fomentar a piscicultura e estabelecer um preço mínimo para produtos florestais”, ressaltou Minc.

Questionado sobre a devastação do cerrado, que é o dobro do que ocorre na Amazônia, o ministro assumiu que é difícil brecar o desmatamento deste bioma, que cobre mais de 20% do território nacional e está presente, principalmente, nos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia e Tocantins, e no Distrito Federal. “O grande problema é a questão da transformação dessas árvores em carvão, como anjico, angelim, aroeira, madeiras tradicionais. Mas vamos anunciar o Fundo Cerrado também, em março, para termos mais recursos para investir em tencologia e recuperação de área degradada”, garantiu.

1- Lula aguardado
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, muito esperado em Copenhague, e chegou nesta madrugada à Dinamarca. Ele toma café com a delegação brasileira, se encontra ao meio-dia com governadores brasileiros que estão no evento e, à tarde, tem reunião bilateral com Suriname, Maldivas e Autoridade Nacional Palestina.

Emergentes mais ambiciosos

Uma análise feita pela organização não governamental WWF sobre as metas que estão previamente apresentadas na Conferência das Partes da Convenção das Mudanças Climáticas (COP-15) mostra que os países em desenvolvimento têm propostas mais arrojadas de redução de emissões de gases em comparação aos países ricos. Num cenário ambicioso, a redução da curva de emissões dos países emergentes como Brasil, Índia, China, África do Sul e Indonésia, até 2002, seria de 5,5 gigatoneladas de gás carbônico e equivalentes, enquanto nas nações desenvolvidas, incluindo os Estados Unidos, representariam 3,2 gigatoneladas. O estudo da WWF tem como base o ano de 1990, quando foi criado o Protocolo de Kyoto. Ainda assim, no cenário conservador, os emergentes têm propostas melhores que os ricos — 2,1 gigatoneladas de gás carbônico e equivalentes, contra 1,5 a 1,8 gigatoneladas dos desenvolvidos.

O estudo ganhou mais peso ao ser divulgado no momento em que o novo rascunho das negociações não contemplou com qualquer compromisso cifrado as questões das emissões de gases estufa e a ajuda financeira para os países em vias de desenvolvimento. “O que estamos vendo na COP-15 é muito pouca ambição dos países ricos em apresentar metas mais ambiciosas para suas reduções. Esse desequilíbrio não vai fechar a conta do clima em 2020, muito menos a meta global de reduzir em 80% as emissões em 2050. Por isso, gostaria de pedir que os ministros brasileiros coloquem esses números na mesa. Vão haver mais de 110 chefes de estado aqui até o fim da semana e algo tem que ser feito”, pediu o coordenador do programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF, Carlos Rittl.

Sobre a vinda do presidente Barack Obama na segunda semana do evento, quando são tomadas as chamadas decisões de alto nível, por ministros e chefes de estado, Rittl é otimista. “Pode ser que ele traga um compromisso mais forte, uma meta de redução não apenas para 2020, 2025 e 2030. Como os EUA não têm como ratificar o Protocolo de Kyoto agora (pois a primeira fase de compromissos acaba em 2012 e o acordo está em vigor), seria uma forma de ele demonstrar algo mais robusto, com um um compromisso comparável”, acrescentou. (CA)

EcoDebate, 17/12/2009

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