Caçador agora é caça no Tinguá. PF reprime exploração de reserva biológica
A Reserva Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu, a 70km do Centro do Rio, deveria ser uma floresta intocada.
Declarada há 19 anos unidade de conservação pelo governo federal, ali só deveriam pisar pesquisadores autorizados e estudantes de escolas públicas em visitas guiadas. O que está longe de ser a realidade. A Polícia Federal do Rio acaba de identificar uma rede formada por cerca de cem pessoas atuando na reserva de forma extremamente predatória, na caça, no tráfico de animais silvestres, na extração de palmito, no corte de madeira e em grilagem de terras. Até mesmo areia tem sido retirada ilegalmente da reserva. Antônio Werneck, do O Globo, 15/08/2008.
O mapeamento da PF revela ainda que o grupo investigado está dividido em três quadrilhas bem estruturadas, com ramificações em pelo menos seis municípios do Rio. A mais importante delas segue uma cadeia que tem numa ponta o caçador artesanal e na outra, pessoas acima de qualquer suspeita, que pagam caro para degustar carnes exóticas de animais abatidos. O trabalho da PF, a cargo de policiais federais da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico (Delemaph), sediada na Praça Mauá, começou há cerca de um ano.
— Estamos atuando de forma sistemática no combate aos crimes ambientais na Reserva Biológica do Tinguá, enfrentando quadrilhas bem estruturadas. Nosso maior problema é driblar questões culturais. Infelizmente, muitos caçadores herdaram dos pais e dos avós a vontade de caçar. E é nisso que precisamos pôr um fim — afirmou o delegado Alexandre Saraiva.
A presença da PF no Tinguá tem sido tão intensa que o superintendente do Rio, Valdinho Caetano, decidiu ocupar fisicamente a floresta. Até julho está prevista a inauguração de um núcleo dentro da reserva, uma extensão da Delemaph, para servir de braço no combate aos crimes ambientais. Uma equipe formada por agentes e delegados dará plantão 24 horas por dia. Em um ano de ações dentro da reserva, a PF instaurou mais de 140 inquéritos, prendeu aproximadamente 35 pessoas e apreendeu mais de 80 armas. Este ano, as ações dos policiais federais na reserva passaram a ser freqüentes: — Declaramos guerra aos caçadores e outros criminosos que atuam na floresta. Passamos a pôr cartazes na reserva com um recado direto: caçador na reserva é caça — diz Saraiva.
Mestre em ecologia pela UFRJ, o professor Leandro Travassos, de 29 anos, com a experiência de quem passou mais de um ano estudando a aves e mamíferos na Reserva Biológica do Tinguá, acredita que a baixa população de mamíferos na região é resultado da caça predatória. Na defesa de sua tese, Leandro abordou exatamente a influência da caça sobre populações de aves e mamíferos na reserva biológica.
— Como não existe uma pesquisa anterior sobre o impacto da caça nas populações de animais, concluí no meu trabalho ser muito provável que a caça tenha sido responsável pelo desaparecimento de animais grandes na reserva, como onças e antas. A baixa taxa na presença de algumas espécies de animais pode ser devido à caça — afirma Leandro.
Ambientalista foi morto
O chefe do posto do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Luiz Henrique dos Santos Teixeira, lembra que é preciso equilibrar repressão com ações educacionais. Na sua opinião, há muita coisa boa acontecendono Tinguá, mas ele reconhece ser difícil para o Ibama combater sozinho os caçadores: — O Ibama tem hoje na reserva biológica 13 funcionários.
Nossa necessidade seria de 40, mais que o dobro.
É lógico que a presença da PF na reserva é importante e só vem reforçar o trabalho de parceria que ela tem com a gente.
Uma das motivações para a ocupação física da Polícia Federal na reserva surgiu em dezembro passado: durante uma operação na mata, os policiais enfrentaram uma intensa troca de tiros com caçadores. Três foram presos em companhia de um palmiteiro e de um comerciante que comprava palmito extraído ilegalmente.
Há três anos, na mesma reser va, o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Júnior, conhecido como Seu Júlio, foi executado a tiros depois de iniciar uma campanha contra caçadores e fazer denúncias da extração ilegal de palmito.
Na semana passada , uma outra operação da Polícia Federal, que começou ainda de madrugada, terminou no início da noite com a prisão dos caçadores Paulo Roberto Pires Clementino, Severino Campos e seu filho, Diego Correa Campos.
Os três foram surpreendidos num acampamento no meio da mata. Com eles os policiais federais encontraram uma paca, um tatu, uma cotia e um porco-do-mato abatidos.
Os três estavam num acampamento no meio da mata e foram necessárias oito horas de caminhada até os federais chegarem ao local. Toda a ação da PF, inclusive o momento da prisão, foi filmada.
— O que mais me chamou a atenção foi a estrutura do acampamento dos caçadores.
Eles poderiam passar dias e dias ali. Havia água canalizada, fogão a lenha e beliches improvisados — conta Saraiva.