Fugindo do combustível fóssil, artigo de Michael Spence
"Responsabilizar só os países avançados pelas emissões de carbono não funcionará"
[Valor Econômico] É crucial a transferência de tecnologia para que os países em desenvolvimento cresçam e restrinjam suas emissões
Há muitos problemas com os combustíveis fósseis. Eles são caros e fonte de volatilidade política e de oferta. À medida que o consumo cresce globalmente, os custos associados a eles aumentarão acentuadamente. Pior, envolvem custos expressivos e insustentáveis em termos de emissões de carbono. Na verdade, a contribuição deles para os crescentes níveis de CO2 na atmosfera está começando a ofuscar os demais problemas.
Mas o uso dos combustíveis fósseis e, consequentemente, as emissões mais elevadas de CO2, parece andar de mãos dadas com crescimento. Esse é o problema central que o mundo enfrenta, enquanto procura criar uma estrutura para combater a mudança climática. Comparado aos países avançados, o mundo em desenvolvimento tem agora baixos níveis de renda per capita e baixos níveis per capita de emissões de carbono. Impor duras restrições ao crescimento das suas emissões poderá obstruir o crescimento dos seus PIBs e restringirá sua capacidade de sair da pobreza.
O mundo em desenvolvimento também tem uma grave objeção de equidade a pagar pela redução da mudança climática. Os países avançados são coletivamente responsáveis por grande parte do estoque atual de carbono na atmosfera, bem como por uma expressiva (embora declinante) parcela das emissões anuais do mundo. Consequentemente, argumentam os representantes do mundo em desenvolvimento, os países avançados deveriam assumir a responsabilidade pelo problema.
Mas uma simples transferência da responsabilidade aos países avançados, por meio da isenção dos países em desenvolvimento do processo de mitigação não funcionará. Para ter êxito, uma estratégia de combate à mudança climática não precisa apenas ser justa, precisa ser também eficaz. Se permitirem que os países em desenvolvimento cresçam sem uma mitigação correspondente nas suas emissões de carbono, as emissões médias de CO2 per capita ao redor do mundo praticamente dobrarão nos próximos 50 anos, para praticamente quatro vezes o nível seguro, independente do que fizerem os países desenvolvidos.
Os países avançados não podem por si mesmos garantir que os níveis globais seguros de CO2 sejam alcançados. E apenas esperar que os países em desenvolvimento, em crescimento acelerado, alcancem os países avançados é uma solução ainda pior.
Dessa forma, o maior desafio do mundo é planejar uma estratégia que estimule o crescimento no mundo que está hoje em desenvolvimento, mas dentro de uma rota que se aproxime dos níveis globais seguros de emissão de carbono em 50 anos.
A forma de alcançar esse objetivo é dissociar a questão de quem paga pela maioria dos esforços para mitigar a mudança climática da questão de onde, geograficamente, esses esforços ocorrem. Em outras palavras, se os países avançados absorverem os custos de mitigação no curto prazo, enquanto os esforços de mitigação reduzem o crescimento das emissões nos países em desenvolvimento, o conflito entre o crescimento dos países em desenvolvimento e o êxito em limitar as emissões globais pode ser conciliado ou, pelo menos, substancialmente reduzido.
Essas considerações sugerem que não deve ser imposto nenhum tipo de meta de redução de emissões aos países em desenvolvimento até que eles se aproximem de níveis de PIB per capita comparáveis aos dos países desenvolvidos. Embora essas metas devam ser impostas pelos próprios países avançados, é preciso deixar que eles cumpram as suas obrigações, pelo menos em parte, pagando para reduzir as emissões nos países em desenvolvimento (onde esses esforços possam render maiores benefícios).
Um corolário crucial dessa estratégia é a transferência de tecnologia em larga escala aos países em desenvolvimento, para que cresçam e, ao mesmo tempo, restrinjam suas emissões. Quanto mais perto esses países estiverem de ser incluídos no sistema de restrições, maior será o incentivo para que eles mesmos façam investimentos adicionais para mitigar as emissões.
O mundo já aceitou o princípio básico de que os países ricos é que devem arcar mais com o custo da mitigação da mudança climática. O Protocolo de Kyoto estipulou um conjunto de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” que implicam papéis assimétricos a países avançados e em desenvolvimento, mas que estipula uma evolução gradual das obrigações dos países em desenvolvimento à medida que crescem.
Os ingredientes para uma barganha dessa magnitude são razoavelmente claros. Os países avançados serão requisitados a reduzir suas emissões de CO2 a uma taxa substancial, ao passo que as emissões nos países em desenvolvimento poderão aumentar para dar lugar a crescimento econômico veloz e se equiparar aos avançados. A meta não é evitar as emissões relacionadas com crescimento dos países em desenvolvimento, mas diminuir sua escalada.
A melhor forma de implantar essa estratégia é usar o “mercado de crédito de carbono” nos países avançados, onde cada país recebe certa quantidade de créditos de carbono para determinar os seus níveis permissíveis de emissão. Se um país exceder seu nível de emissões, ele deverá comprar créditos adicionais de outros países, com níveis de emissão inferiores aos permitidos. Mas um país avançado pode também empreender esforços de mitigação no mundo em desenvolvimento e, assim, ganhar créditos adicionais equivalentes ao valor pleno dos seus esforços de mitigação (permitindo, assim, mais emissões no seu país).
Esse sistema desencadearia buscas empresariais por oportunidades de mitigação de baixo custo nos países em desenvolvimento, pois os países ricos iam querer pagar menos, reduzindo as emissões no exterior. Consequentemente, a mitigação seria mais eficiente e os gastos dos países avançados gerariam maiores reduções globais de emissões.
Quanto aos países em desenvolvimento, apesar de eles não terem créditos ou metas explícitos até serem promovidos à condição de países avançados, eles devem saber que em algum ponto (digamos, quando suas emissões de carbono atingirem o nível mediano dos países avançados) eles serão incluídos no sistema global de restrições. Isso lhes proporcionaria um incentivo, mesmo antes daquele ponto, para tomarem decisões relativas a políticas de preços e de eficiência em energia, que reduziriam o crescimento das suas emissões sem retardar o crescimento econômico e, assim, prolongariam o período em que seus níveis de emissão permanecessem irrestritos.
Não se deve permitir que conflitos entre países avançados e em desenvolvimento em torno da responsabilidade pela mitigação das emissões de carbono prejudiquem as perspectivas para um acordo global. Uma solução justa é tão complexa quanto o próprio desafio da mudança climática, mas ela certamente é possível.
Michael Spence é professor emérito da universidade Stanford e Nobel de Economia de 2001.
Artigo originalmente publicado no Valor Econômico.
EcoDebate, 28/11/2009
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