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Artigo

Transposição do rio São Francisco: Por que canais e não rios, artigo de Paulo Afonso da Mata Machado

[EcoDebate] O Projeto de Integração de Bacias tem um erro grave de concepção: ao invés de criar rios artificiais, que ajudariam a amenizar as condições ambientais em seu percurso no semi-árido, optou por criar canais de concreto armado, indicando uma falta de visão de futuro.

O Projeto visa a reter o homem na terra. Particularmente com relação às margens dos canais, onde o Incra fará distribuição de terras, espera-se um grande aumento populacional. É possível que novas cidades cresçam as margens dos eixos norte e leste.

Para onde escoarão o esgoto e a drenagem pluvial das comunidades que surgirão à margem desses eixos? Certamente que será para os canais, provocando inundações. Não adiantará nem mesmo fazer campanha pela revitalização dos eixos, visto que não adianta plantar mata ciliar à margem de canais de concreto armado.

Ainda está em tempo de se rever tal política. Como a construção de canais em solo é muito mais barata que a construção em concreto armado, tenho a certeza de que será possível um acordo com as empreiteiras, baixando o custo da obra. Mas, se isso não for possível, qualquer coisa é preferível ao encaixotamento de mais de 700 km de rios (ainda que artificiais).

Como subsídio a esta argumentação, segue endereço de texto de Apolo Heringer Lisboa, coordenador do Projeto Manuelzão:
http://www.manuelzao.ufmg.br/folder_informa/folder_ultima/drenurbs-e-o-projeto-manuelzao.

EcoDebate, 21/11/2009

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14 thoughts on “Transposição do rio São Francisco: Por que canais e não rios, artigo de Paulo Afonso da Mata Machado

  • Marcelo G. Corrêa

    O artigo me surpreendeu pela simplicidade da abordagem do tema. As questões estão colocadas e as dúvidas são pertinentes mas não expressa a complexidade do tema. Como é possível dizer que o conceito do projeto está errado sem indicar que há condições de permeabilidade do solo e hidráulica favoráveis para a condução de água no semi árido?
    Já que a implantação do projeto é inexorável, ou seja, vamos acreditar que o seu objetivo seja disponibilizar um certo volume de água para uma imensa região do semi árido, pressupõem-se que este volume de água retirado do rio vai chegar no ponto mais distante, com a menor perda possível ao longo do percurso. Sendo assim, do ponto de vista de condução hidráulica um canal em concreto parece uma solução adequada pois vai permitir maior velocidade de transporte e consequentemente menor vazão retirada do rio São Francisco. A condução em canal de concreto também permite evitar perdas por infiltração no terreno, o que poderia fazer aumentar muito a captação inicial. Neste sentido é preciso perguntar antes de afirmar que há um erro conceitual no projeto: qual a permeabilidade das terras por onde estes canais estão passando? A solução de engenharia está adequada para evitar estas possíveis perdas? Se esta verificação de permeabilidade não for feita não é possível dizer que é possível implantar “rios artificiais”. A não ser que se permita aumentar significativamente as vazões de captação no rio.
    Além disto a colocação feita de que os esgotos das aglomerações humanas ao longo do mesmo serão lançadas dentro dos canais de irrigação deve ser feita a luz do conhecimento do projeto, o que nem eu mesmo conheço, mas se assim o for, a falta de seriedade, de engenharia mínima, de análise de impacto do projeto e concepção do mesmo beira o absurdo. Soluções para enriquecer ecologicamente os ambientais ao longo dos canais são possíveis, acredito eu, o que da mesma forma as soluções para recolhimento e tratamento de efluentes sanitários são de amplo conhecimento e de fácil aplicação. Estas questões remetem a concepção do projeto, que para variar os técnicos de planejamento do governo podem não ter previsto, o que é um absurdo e nos faz questionar o projeto como um todo. Há que se ter cuidado ao fazer determinadas colocações sem o entendimento de todas as variáveis. Não se pode esquecer, nem muito menos é admissível repetir, os erros dos projetos de irrigação da então URSS no mar de Aral e seus danos irreparáveis ao meio ambiente.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Meu caro Marcelo:
    Muito obrigado pelas suas considerações. O objetivo do artigo foi exatamente o de levantar a polêmica sobre esse importante assunto. Afinal, depois que os canais estiverem feitos em concreto, não haverá como reverter a situação, ao passo que, se forem feitos em terra, a recíproca pode ser verdadeira.
    O seu primeiro questionamento sobre a permeabilidade do solo do semi-árido nos traz de volta um assunto muito citado nos debates sobre a transposição. A quase totalidade de todo o semi-árido se assenta sobre maciço cristalino, cuja porosidade é inferior a 1%.
    A perda de água a ser transposta será muito pequena e, principalmente, por evaporação nos açudes a serem criados. Acontece que esses açudes terão área superficial muito pequena, visto que terão um suprimento constante de água. Ao longo dos canais, a perda não é significativa, porque a água da superfície, aquecida pelo sol, se misturará com a água do fundo, tornando a temperatura mais homogênea e inferior à que estaria se a água não estivesse em movimento.
    Mudando-se o projeto de canais em concreto armado para canais em terra, haverá uma perda de água por infiltração ao longo dos canais, muito menor que as perdas por evaporação, devido à baixíssima porosidade do solo onde serão construídos os eixos norte e leste.
    Por outro lado, essa infiltração, ainda que pequena, terá um efeito muito benéfico ao longo dos anos, pois elevará o nível do lençol freático nas proximidades do canal. O IBGE tem constatado a existência de poços no semi-árido que funcionam com vazão de 2 m3/h durante 4 horas diárias. Entretanto, eles só funcionam durante o período chuvoso. Se os canais forem de terra, esses poços poderão trabalhar durante todo o ano e com vazões até um pouco maiores. Esclareça-se que vazões dessa ordem não vão afetar a vazão de transposição, cujo menor valor será de 26,4 m3/s (95.040 m3/h). Se os canais forem em concreto, não haverá nenhuma alteração no nível do lençol freático e perder-se-á uma importante característica do projeto que é o de fornecer água para a população difusa do semi-árido.
    A segunda questão levantada é sobre as condições hidráulicas de escoamento no semi-árido.
    Outra questão que você levantou é sobre o esgoto das aglomerações que vão se formar. Como você mesmo disse, a primeira providência será tratar o esgoto. Não se concebe mais o lançamento de esgoto “in natura” diretamente em um rio, córrego, lagoa ou mesmo no oceano. Tratado o esgoto, se este não for utilizado como água de reúso, deverá ser lançado em um corpo de água.
    A criação de um novo curso de água, como se fará nos canais de transposição, nunca é feita sozinha. Ela traz consigo a criação de uma nova bacia hidrográfica. Todas as aglomerações que se formarem na bacia do eixo norte e na bacia do eixo leste farão o lançamento de seus efluentes líquidos nos respectivos cursos de água.
    Gostaria, também, de fazer algumas considerações com relação ao projeto da antiga URSS, que salinizou o mar de Aral, também muito citado nos debates sobre a transposição.
    Nem todos os empreendimentos são bem sucedidos. Podemos, no entanto, contar nos dedos os casos de transposição entre bacias que implicaram um menor benefício e um maior custo (aí incluídos os custos financeiros, ambientais e humanos) e, felizmente, nenhum deles aconteceu no Brasil.
    As transposições realizadas em nosso país foram todas cobertas de êxito. Apenas para citar algumas, temos o abastecimento de várias capitais brasileiras como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza. No entanto, o maior êxito de transposição de água entre bacias já realizada no Brasil aconteceu quando foi feita a barragem de Furnas. Devido à baixa altitude do divisor de águas entre as bacias dos rios São Francisco nas proximidades da cidade de Capitólio (MG), a construção do lago de Furnas uniria as duas bacias, inundando Capitólio. Com o intuito de se impedir que isso ocorresse, o Rio Piumhi foi transferido, com total êxito, da bacia do Rio Grande para a bacia do Rio São Francisco.
    Cabe notar que a transposição do Rio Piumhi não representou apenas um ganho de vazão para o Rio São Francisco. Além disso, houve a introdução de várias espécies de peixe na bacia do Velho Chico, que teve sua fauna aumentada também pelo cruzamento entre espécies nativas e espécies exóticas.
    A transposição de águas do Rio São Francisco para o Nordeste Setentrional vai fortalecer a fauna aquática das bacias receptoras, que, atualmente, não possuem mais que 250 espécies de peixe. Entretanto, é necessário que os peixes transferidos tenham condição de sobrevivência. Num canal de terra, as bactérias do solo servem de alimento para as algas que, por sua vez, servem de alimento para os peixes. No canal de concreto armado, não há qualquer inter-relação entre a água e o solo e nem mesmo entre a água do canal e a mata ciliar. Além disso, as próprias condições de reprodução ficam excessivamente limitadas.
    Essas são algumas das razões que os canais de terra são preferíveis aos canais de concreto armado.

  • Bruno Rabelo Versiani

    Paulo,
    Achei bom seu texto. Realmente faz parte de uma concepção mais moderna o abandono do canal de concreto, em todos os níveis, até em cidades urbanizadas. Além do mais tem a questão do custo.
    Abraço, Bruno.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Bruno, é sempre bom receber apoio, principalmente de um doutor em Hidrologia como você.
    A propósito, recebi ontem texto da Belinha e do Apolo sobre esse tema, que transcrevo a seguir:
    Canalizar córregos e rios é solução ou mais um problema?
    (Isabel Regina de souza Pereira e Apolo Heringer Lisboa)

    Há mais de meio século as cidades da Europa canalizaram e retificaram seus rios e córregos com o objetivo de se protegerem contra as enchentes que ocorriam regularmene.
    Há bem menos tempo São Paulo e Belo Horizonte também fizeram a mesma coisa, sem perceber que estavam contribuindo para piorar o problema das enchentes e privando as cidades da beleza dos rios.
    Hoje, na Europa, a maior parte dos rios e córregos já estão sendo revitalizados, ou seja, as canalizações já estão sendo desfeitas e devolvidas as curvas originais dos rios. Para diminuir as enchentes e trazer o peixe de volta.
    O que levou as cidades europeias a tomarem a decisão de devolver a forma original a seus rios e córregos foi ter sofrido na pele o mesmo problema de enchentes que hoje são Paulo e Belo Horizonte enfrentam.
    É sinal de inteligência aprender com os erros e evitar a reincidência. Por que gastar fortunas em obras de canalização, se já ficou comprovado pela história que isso não resolve o problema de enchentes e acaba com as áreas de lazer?
    A maioria de nossas cidades teve um crescimento desordenado e uma ocupação crescente do leito maior do rio, o que tem levado muitas prefeituras a tentarem resolver o problema com a canalização e retificação do mesmo.
    A canalização aumenta a velocidade da água e, consequentemente, o seu poder de destruição a jusante, propicia a ocupação e a utilização de áreas sujeitas a inundação, além de exterminar peixes, pássaros e a vegetação dos rios e das baixadas.
    Precisamos mudar nossas referências. A história está aí. Não temos que cometer os mesmos erros de São Paulo e de outras cidades, não precisamos desaparecer debaixo d’água para concluir que canalização só faz piorar o problema das enchentes. Antes das canalizações, as canalizações atingiam apenas as áreas próximas dos rios. Depois delas, as canalizações começaram a atingir bairro inteiros, destruindo casas e matando pessoas, como temos visto nos noticiários.
    O Projeto Manuelzão estabeleceu a Meta 2010 com o objetivo de navegar, pescar e nadar no rio das Velhas em sua passagem pela Região Metropolitana de Belo Horizonte até o ano de 2010.
    As canalizações poderão ser o maior obstáculo para a concretização dessa meta, ainda mais em rios cheios de esgoto “in natura”.
    Seja nosso parceiro, não canalize, não aceite canalização em sua cidade. Não podemos aprisionar a natureza num canal. Ela reage violentamente.
    O esforço de todos, ações inteligentes e políticas ambientais responsáveis são fundamentais para a harmonia entre o homem e a natureza.
    Não queremos que as coisas fiquem como estão. Propomos não canalizar rios, mas tirar os esgotos dos rios. Propomos diminuir o cimento nos quintais, o cimento e o asfalto dos estacionamentos, de ruas pequenas dos bairros e de condomínios. Asfalto só para as avenidas e estradas, pois há outros pisos melhores para a infiltração da água. Às vezes, a enchente de uma cidade vem dos erros cometidos em municípios rio acima, como o desmatamento, os movimentos com terra e areia e a ocupação urbana, que vão diminuindo o leito dos rios. É uma bomba hidráulica que a canalização não resolveu em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em Belo Horizonte.
    Há bons exemplos de povos que aprenderam com a natureza a respeitar os rios e a lidar com a água. A água da chuva deve infiltrar no solo onde ela cai e o solo deve estar preparado para isso. Deslocamento anômalo de água carrega solo e contribui para as enchentes. As baixas de expansão dos rios e as lagoas marginais que a natureza produziu durante sua história, os seres humanos destruíram ou ocuparam indevidamente. Esses espaços precisam ser recuperados ou substituídos por outros, em áreas rio acima. A natureza não perdoa as agressões que sofre. A ignorância das leis naturais é nosso maior pecado ambiental. A solução é aprender com os mecanismos de controle que a própria natureza desenvolveu. Vamos, assim, economizar vidas e dinheiro.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Não saiu a mensagem do Bruno (professor aposentado da UFMG):
    Paulo,
    Achei bom seu texto. Realmente faz parte de uma concepção mais moderna o abandono do canal de concreto, em todos os níveis, até em cidades urbanizadas. Além do mais tem a questão do custo.
    Abraço, Bruno.

  • Paulo Bezerril Jr.

    Tenho, com relação ao revestimento em concreto dos canais do Projeto do Rio São Francisco e a canalização de córregos na zona urbana, como opinião:
    Numa primeira vista, as canalizações de córregos na zona urbana, prática disseminada no Brasil sem um planejamento urbanístico orientativo e com o intuito pouco consistente do equacionamento sanitário e ambiental, não tem correlação direta com os canais condutores de água do Projeto do Rio São Francisco.
    A condução da água do rio S. Francisco foi estudada utilizando-se a melhor adequação técnica imposta pelos obstáculos naturais do traçado dos eixos (norte e leste), isto é através de tubulações, aquedutos, túneis, canais a céu aberto e leitos naturais de rios da região.
    Como, em grande parte, os canais serão construídos em terrenos permeáveis, receberão como primeiro revestimento uma manta plástica para evitar a infiltração, responsável pela indesejável perda de água. Para proteção dessa manta assim como para facilitar o escoamento e estabilidade dos taludes dos canais foi previsto um recobrimento de concreto.

    É o que posso adiantar sem me aprofundar nas questões técnicas inerentes a cada caso.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Prezado Paulo Bezerril:
    O Projeto São Francisco tem o grande mérito de permitir a passagem permanente de água pelo semi-árido nordestino, o que não acontece na maior parte da região, onde o solo é, essencialmente, de natureza cristalina, com baixa porosidade.
    Como há cerca de 713 km de canais, essa é uma grande oportunidade de se fazer a distribuição de água pela população atual e pela que virá habitar as proximidades dos canais. Afinal, a grande proposta do projeto é a fixação do homem na região.
    Como se fazer a distribuição de água sem a necessidade de instalação de bombas nos canais?
    Primeiramente, deverá ser feita uma mata ciliar com largura mínima de 25 metros em cada uma das margens dos canais, para reter a água de chuva durante os poucos meses de precipitação e para impedir que se perfurem poços próximo ao canal, os quais seriam abastecidos diretamente pela água retirada do São Francisco.
    Por outro lado, os poços a serem perfurados fora da mata ciliar retirarão água do lençol freático, abastecido com água percolada dos canais. Como a permeabilidade do solo cristalino é muito baixa, os poços poderão retirar vazões de, no máximo, 5 m3/h, valor irrisório em relação ás prováveis perdas por evaporação ao longo dos canais e nos açudes que receberão a água dos canais. Retiradas maiores de água não se sustentarão, pois provocarão grande rebaixamento no nível dinâmico dos poços.
    A disponibilidade de água será fundamental, pois será desapropriada uma faixa de 2,5 km em cada uma das margens dos canais, faixa essa que será entregue ao Incra para reforma agrária. Os beneficiários dos lotes necessitarão de água e, se não conseguirem retirá-la de poços, vão bombeá-la diretamente do canal, gerando desperdício.
    Além dessa vantagem, a utilização de canais escavados no solo trará outro grande benefício. Como se sabe, devido à intermitência de seus rios, a fauna aquática do Nordeste Setentrional é muito pobre. A água bombeada do rio São Francisco levará ovos que eclodirão e se transformarão em peixes ao longo dos canais. Nos canais escavados na terra, as bactérias presentes no solo servirão de alimento para algas, que, por sua vez, alimentarão os peixes. Nos canais revestidos de concreto armado, não haverá interação com o solo, tornando mais difícil a sobrevivência dos peixes.
    Os canais escavados no solo deverão ter profundidade um pouco maior para compensar a velocidade, que será mais baixa que nos canais revestidos de concreto armado. Velocidades mais baixas são fundamentais para a ocorrência da piracema. Nos canais revestidos de concreto armado, devido à elevada velocidade da água, a reprodução dos peixes ficará muito difícil.
    O senhor diz que os canais do Projeto São Francisco não têm muito a ver com os canais feitos em área urbana, cujos malefícios são por demais conhecidos. Isso é válido para os dias de hoje. No entanto, surgirão agrovilas nos terrenos em que será feita a reforma agrária e muitas dessas agrovilas se transformarão em cidades. Até 2025, haverá uma mudança radical na geografia da região e os canais passarão por dentro das novas cidades. Se estiverem revestidos de concreto armado, estará sendo repetido o erro de aprisionamento do curso de água dentro das cidades, como ocorreu em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, etc. Já pensou na ironia de uma enchente ocorrida com água do canal de transposição?
    Além disso, o canal escavado no solo tem custo muito inferior ao canal revestido de concreto armado. Por que não se fazer essa substituição nos trechos ainda não executados?

  • Carlos Bernardo Mascarenhas Alves

    A fauna de peixes da bacia do rio São Francisco é composta potencialmente de 250 a 300 espécies. Cerca de 200 dessas são conhecidas e formalmente descritas na literatura técnica. Por experiência própria, através dos estudos realizados pelo Projeto Manuelzão (UFMG), em menos de 7 anos de estudos na sub-bacia do rio das Velhas, localizada no Alto São Francisco e com altos níveis de poluição, foram registradas 115 espécies, 8 delas novas para a ciência. Se extrapolarmos esses dados para o restante da bacia, facilmente se explica o potencial de 300 espécies de peixes para o São Francisco como um todo.
    As bacias receptoras possuem uma fauna significativamente pobre, com apenas 53 espécies nativas. Agrava-se a situação o fato de que há um alto grau de endemismo, ou seja, espécies cuja ocorrência se limita a uma dessas bacias ou região (23 espécies ou 43%). Então estamos falando da possibilidade de introdução de centenas de espécies em bacias onde ocorrem somente algumas dezenas.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Conheci o Carlos em um debate promovido pela ONG Biogol e achei interessante sua preocupação em evitar que espécies de peixe de uma bacia migrem para outra bacia.
    Como não sou biólogo, vou reproduzir os comentários feitos por Gustavo dos Santos a respeito de minha indagação sobre os efeitos na fauna aquática do São Francisco que poderiam ser causadas por uma possível transposição de águas do Tocantins para o São Francisco:

    Prezado Paulo Afonso,
    sua preocupação é correta e perfeitamente válida.
    É provável que aconteça isso que vc está alertando.
    Porém, infelizmente acho que a única forma é passar pelo São Francisco, pois se não passar pela calha do São Francisco teria que abrir um canal direto entre o tocantins e os rios do Nordeste sentrentional, o que seria muito provavelmente inviável economicamente em decorrência do relevo e da distância. Custaria muitos bilhões de reais a mais, certamente mais de 15 bilhões de reais.
    Entranto, devo ressaltar que mesmo havendo a possibilidade de mistura de peixes de diferentes bacias, acho que isso não é algo tão nocivo ao ambiente do São Francisco e os benefícios sócios-econÔmicos e ambientais do projeto superarão em muito esse “custo”.
    Primeiro porque já há uma relativa entrada de peixes amazônicos no São Francisco, como o tucunaré que de fato já virou endêmico no são Francisco. Entretanto, os peixes do São Francisco estão muito melhor adaptados à alimentação de seu bioma do que os peixes amazônicos que estão adapatados com uma vegetação e fauna e intervenção humana muito diferente.
    Mas o grande argumento em questão é que essa água poderá transformar de fato o Nordeste em uma espécie de califórnia tropical na produção de frutas, hortaliças, sucos e vinhos e aquicultura. além disso, viabilizará a industrialização no interior do Nordeste (que é restrita hoje em grande parte pela falta de água).
    Como os sertanejos são a grande fonte de mão de obra barata para as motoserras da amazônia, a geração de milhões de empregos no sertão reduzirá enormemente a devastão do bioma virgem ainda existe da amazônia.
    portanto, ao menos na minha opinião, essa possibilidade de peixes entrarem na bacia dos outros não seria razão suficiente para inviabilizar o mérito do projeto.
    obrigado,
    abraços,
    Gustavo

  • Colocamos seu texto em nossa página na internet. Mas cremos que já não cabe mais recursos ou sujestões para mudanças no organograma de execução da obra. 15% dos canais já estão prontos. A imposição das autoridades em relação as questões do projeto é de “goela abaixo”, mesmo. De nossa parte, continuaremos conduzido nossas ações conforme vínhamos fazendo até então, seja participando de encontros técnicos, seja escrevendo artigos, mas sempre voltados a fezer ponderações à forma de como o projeto está sendo executado, levando em conta agora uma preocupação a mais: levantar as consequências que ele trará ao ambiente natural de nossa região.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Meu caro João,
    Desde que se iniciaram os debates sobre a transposição do Rio São Francisco, estranhei que ninguém se preocupou em aprimorar o projeto. Todos os debates se restringiam a ser contra ou ser a favor.
    No caso presente, entendo que muito ainda pode ser feito. Afinal, o Ministério da Saúde está fazendo uma enorme campanha contra a dengue e os canais de concreto armado poderão ser um foco de criação do Aedes aegypty, visto que, enquanto não se iniciar o bombeamento de água do S. Francisco, a água de chuva vai se empoçar nos canais.
    Você disse que apenas 15% dos canais estão prontos. Restam 85%. Ainda há tempo de se fazer a mudança.

Fechado para comentários.