Lula, Marina e a Amazônia, por Mario Menezes
[O Liberal] A Amazônia perdeu com o governo Lula, mas ganhou com a gestão da ministra Marina Silva. Isso pode parecer paradoxal, mas foi o que aconteceu no primeiro mandato do governo petista. A senadora chegou ao Ministério com a credibilidade de quem na vida pessoal e de congressista esteve a serviço da causa amazônica, pondo-se ao lado e junto daqueles que a duras penas e com o sacrifício de vidas caras para os movimentos sociais da região tornaram sua realidade um fato social. Com essa credencial, Marina levou para dentro do governo Lula mais do que esperanças e expectativas em torno dos avanços da luta pelo encaminhamento das questões socioambientais amazônicas, que há décadas vinha sendo postergado, governo após governo. Com ela adentrou o Poder boa parte da mobilização dos movimentos sociais da região, plasmada no acúmulo de conquistas que a ministra bem encarnava, e que nela viam, não sem razão, a representante mais legítima e arauto mais qualificado de seus sonhos e anseios. ontrariando a lógica dos que acreditavam no porvir, entretanto, a estrutura governamental-partidária de Lula se apropriou do capital socioambiental impregnado na figura da ministra, instrumentalizou a “capitulação” dos movimentos sociais e os avanços esperados não aconteceram.
Descartado pelo Planalto o programa “O Lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil” – elaborado a muitas mãos durante a campanha eleitoral de 2002 – Marina desdobrou-se em viabilizar alternativas voltadas para a sustentabilidade, logrando êxito em casos de grande significado. O mais importante deles, todavia, o PAS-Plano Amazônia Sustentável, natimorto de 2003 que ela se propôs ressuscitar no final do primeiro mandato, não teve o aval do Presidente.
Sem poder no governo, o Ministério do Meio Ambiente avançou menos do que se esperava, mas foi além do que as políticas governamentais para região permitiriam, graças à persistência da ministra.
É dela, por exemplo, a marca de 34% da área de unidades de conservação criadas até hoje no país; a ela reconhece-se o mérito de institucionalizar o Projeto de Gestão de Florestas Públicas, assim como o relativo êxito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e o desbaratamento da quadrilha que atuava no setor madeireiro do Mato Grosso.
À sua gestão também se deve a redução considerável do desmatamento na região nestes últimos dois anos, ainda que os índices atuais continuem elevados, incertezas existam sobre a manutenção da tendência verificada e o corte de florestas nos últimos quatro anos tenha sido o maior de todos os tempos, superando em um milhão de hectares o segundo na história da ocupação amazônica.
Apesar de profícua em muitos aspectos, a gestão da ministra não pôde ser sistêmica, restringindo os impactos da ação ministerial ao âmbito sub-regional, quando a expectativa era de que sua atuação balizasse uma nova era para o meio ambiente no Brasil. Em grande parte de suas iniciativas, ela fez o que outros ministros, de outros governos, também teriam feito – e em muitos casos fizeram -, diante de situações-limite como a que ocorreu na região da Terra-do-Meio, com o assassinato da Irmã Doroty Stang, ou na área de influência da BR-163, tomada por sojicultores do Sul.
Submetida a uma sucessão de desgastes, que começou com a liberação da importação de pneus usados e termina com a disposição do governo em impor mudanças na legislação ambiental para “destravar investimentos em infra-estrutura”, a ministra permaneceu à frente do MMA e parece convicta de que as coisas poderiam ter sido piores sem ela. E, muito certamente, teriam sido mesmo.
Por outro lado, Marina devotou fidelidade a Lula e obediência ao PT – muitas vezes em silêncio eloqüente, como no caso das hidrelétricas do Alto Madeira -, numa disciplina escudeira e militante que terminou engendrando, ainda que involuntariamente, o “acolchoamento” das paredes e teto do gabinete presidencial, às pressões sociais exercidas sobre o Planalto, nas iniciativas governamentais que contrariaram os interesses socioambientais da região.
A lição que o primeiro mandato de Lula parece deixar para os movimentos sociais da Amazônia é que não bastam carisma, manifestação de boa vontade, nem discurso bem articulado, para assegurar uma política nacional de inclusão regional no desenvolvimento do país, na qual seus atributos e interesses legítimos se façam sujeito e objeto dessa determinação. Já o segundo mandato começa com inconfundível “jaderização” do poder na região e no Pará, em particular, prenunciando dias ainda mais difíceis para o avanço das demandas socioambientais reprimidas.
Caberá à sociedade organizada fazer o que só a ela mesma cabe fazer, não delegando a outrem sua responsabilidade, por mais comprometidos que sejam seus interlocutores com a causa amazônica. Se isso vale como regra, vale ainda mais para a Amazônia, invariavelmente mal entendida e por isso mesmo mal atendida pelos que já ocuparam o Palácio do Planalto e por quem lá permanecerá até 2.010.
Mario Menezes é colaborador do Amigos da Terra – E-mail: mario.menezes@amazonia.org.br
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado no jornal O Liberal, PA – 23/01/2007
enviado por Imena