Produção sustentável de etanol para ‘inglês ver’, artigo de Amélia Caputo e Andrea Zellhuber
A elaboração do Zoneamento Agroecológico da Cana – ZAE, aprovado pelo Decreto Nº 6.961, de 17 de Setembro de 2009, foi principalmente motivado para ampliar a produção de etanol de cana-de-açucar e sobretudo para conquistar o mercado internacional. É nítido que o zoneamento é “uma resposta aos críticos internacionais da produção de etanol no Brasil e um “trunfo” que será usado pelo país na cúpula sobre mudanças climáticas em Copenhague, na Dinamarca”, como avalia uma matéria do jornal Valor Econômico do dia 17 de setembro de 2009 intitulada “Plano de zoneamento da cana quer ‘esverdear’ o etanol, em Valor Econômico”.
O projeto responde aos principais questionamentos feitos por ambientalistas e organizações estrangeiras, como Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). O governo usa o “ZAE Cana” para rebater críticas que o etanol brasileiro causa desmatamento da floresta amazônica e coloca em cheque a segurança alimentar, como se pode perceber na declaração do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, na revista Valor Econômico. “O argumento da situação externa foi decisivo. Lá fora tem essa discussão sobre alimentos e devastação”.
Essa preocupação se expressa principalmente na exclusão dos biomas da Amazônia, o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai das áreas disponíveis para a expansão da produção de cana-de-açúcar e se reflete nas seguintes diretrizes do zoneamento para expansão:
1. Exclusão de áreas com vegetação original e a indicação de áreas atualmente sob uso antrópico.
2. Diminuição da competição com áreas de produção de alimentos.
Porém, não fica claro como a metodologia do zoneamento pode contribuir concretamente para cumprimento destas diretrizes.
Já em relação à primeira diretriz citada fica claro, que os critérios para definir áreas aptas para o plantio de cana foram bastante simples.
“As áreas indicadas para a expansão pelo Zoneamento Agroecológico da Cana de Açúcar compreendem aquelas atualmente em produção agrícola intensiva, produção agrícola semi-intensiva, lavouras especiais (perenes, anuais) e pastagens.”
Com esta definição o zoneamento reforça o receio de que, ao ocupar áreas de agricultura e pecuária, a cana-de-açúcar empurre essas atividades para outras regiões, uma vez que a agropecuária carece de definições que venham restringir sua expansão.
O zoneamento apenas restringe o desmatamento para plantio de cana-de-açúcar, más nada impede que o órgão ambiental libere uma licença para desmatamento da vegetação nativa em áreas onde o agronegócio inicialmente vise o cultivo de outras culturas ou pastagens. Posteriormente por ser eventualmente menos lucrativo que a produção de etanol, estas outras culturas novamente dão lugar ao cultivo da cana.
Este efeito indireto da expansão do plantio de cana é completamente ignorado no zoneamento. Com isso fica claro que não adianta um zoneamento de uma única cultura isoladamente sem garantir um ordenamento do uso do solo confiável, que considere todos os tipos de uso.
Sobretudo preocupa a ênfase da expansão do cultivo da cana-de-açucar dentro do domínio do bioma Cerrado. “A estimativa do governo é que os atuais canaviais somem 7 milhões de hectares. A expansão da produção de etanol vai demandar pelos menos mais 6 milhões de hectares, a grande maioria em áreas de Cerrado”, conforme matéria da Agência Brasil. O sub-título do zoneamento fala em “preservar a vida”, mas, neste caso, só se ela for da Amazônia ou Pantanal, ou na Bacia do Alto Paraguai.
Excluir estes biomas através do zoneamento, por si só, não faz com que a cana seja sustentável e ecologicamente limpa. Atualmente já se percebe que a expansão da cana impulsionou um aumento enorme do desmatamento do Cerrado. Mesmo se conseguindo delimitar o cultivo da cana para áreas atualmente em uso agrícola ou para pecuária, o efeito cascata vai exigir novos desmatamentos para manter ou expandir a produção de soja, milho, algodão e gado.
Isso é alarmante diante do grau de degradação do Bioma Cerrado. Segundo dados do próprio MMA já foram desmatados equivalentes a 41% do bioma. Em seis anos, só a Bahia já perdeu 10% da vegetação do Cerrado como conseqüência do aumento da produção agrícola. Os municípios que mais devastaram áreas de cerrado no Brasil, no período entre 2002 e 2008 estão na Bahia, são eles: Formosa do Rio Preto, São Desidério, Jaborandi e Correntina. No zoneamento, grandes áreas destes municípios são classificados como aptos para a expansão do plantio de cana, hoje grandes produtores de soja, milho e algodão.
Outro exemplo de área classificada como apta para a expansão da cana na Bahia é a região dos municípios de Itapetinga, Itambé, Caatiba, pólo de destaque na pecuária. Se as vastas pastagens da região forem transformadas em canaviais, certamente causará desmatamento das poucas áreas remanescentes de Mata Atlântica para pastagens a fim de manter a produção pecuária na região.
A situação se complica ainda mais, quando o Decreto Nº 6.961 que aprova o ZAE, determina que: “As revisões posteriores do zoneamento de que trata o art. 1o, inclusive com a atualização da base de dados, ficam a cargo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento“, ou seja, o Ministério do Meio Ambiente fica totalmente alheio as decisões futuras.
Em relação à diminuição da competição com áreas de produção de alimentos o zoneamento deixa dúvida de como isso será garantido já que o próprio zoneamento define todas as áreas atualmente em produção agrícola ou pecuária como potenciais áreas para plantio de cana.
Na justificativa do Projeto de Lei, atualmente aguardando a votação no plenário da Câmara, alega como forma de “minimizar os riscos à produção de alimentos e à segurança alimentar, a instalação de projetos em áreas consideradas estratégicas para a produção de alimentos fica sujeita à aprovação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”. Porém, no próprio zoneamento não dá respostas de quais seriam concretamente as áreas prioritárias para produção de alimento e quais os critérios para tal definição.
Quanto aos impactos sociais, o Projeto de Lei prevê substituir até 2017 o corte manual pela colheita mecânica, acabando com as queimadas, mas não se ocupou com os 497.670 de trabalhadores que atualmente estão empregados no cultivo da cana, conforme os dados trazidos pelo “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar”. Como na média cada colheitadeira substitui 80 trabalhadores , qual será o destino desta mão de obra excedente? Considerando o objetivo proposto no Projeto de Lei 6.077/2009 e no Decreto Nº 6.961 de tornar a produção de cana-de-açucar “sustentável” implicaria na previsão de medidas alternativas para absorção deste contingente grande de trabalhadores, a serem substituídos pela mecanização, submetidos até então, ao trabalho escravo e à superexploração no corte da cana.
Além do mais, o Projeto de Lei 6.077/2009 para fomento da expansão de cana favorece ainda mais a concentração da terra que aumentou nos últimos anos como prova o último censo agropecuário do IBGE. Enquanto se aprova o decreto de fomento da expansão da cana medidas que poderiam contribuir decisivamente para a sustentabilidade da produção agropecuária no Brasil, como a PEC trabalho escravo e atualização dos índices de produtividade, estão paralisadas.
O zoneamento da cana privilegia isoladamente um setor econômico, no momento mundialmente em evidencia, sem considerar o conjunto de fatores necessários para garantir a produção agro-pecuária sustentável.
Anexos: Mapa do Zoneamento para cana-de-açúcar na Bahia. 5351 Kb
* Artigo originalmente publicado pela CPT/BA e divulgado no Terra Vida On-line | nº 06
EcoDebate, 05/11/2009
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