Belo Monte pode ser muito danosa. Entrevista especial com Hermes Fonseca de Medeiros
O biólogo Hermes Fonseca de Medeiros é veemente quando opina que o projeto de Belo Monte não deve ser realizado, assim como nenhum barramento ao longo do rio Xingu. No entanto, ele pondera: “Se o projeto for feito de qualquer forma, existem estudos que embasariam medidas mitigatórias que poderiam resultar em menos impactos negativos”. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone, o professor analisa os resultados do Painel de Especialistas, fala sobre as características da bacia do rio Xingu e explica as consequências que o ecossistema desse lugar poderia ser alterado. “Por incrível que pareça, com todo o impacto que temos nos rios, com poluição, com barragens, com superexploração, ainda assim, a principal causa de extinção de espécies em ecossistemas aquáticos é a introdução de novas espécies. E esse projeto de Belo Monte trata não de introduzir uma ou outra espécie, mas de remover uma barreira geográfica e permitir que todas se encontrem”, alertou.
Hermes Fonseca de Medeiros é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campina, onde também fez o mestrado e o doutorado em Ecologia. Recebeu o título de pós-doutor pelo Museu Paraense Emílio Goeldi. Atualmente, é professor na Universidade Federal do Pará.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O Painel de Especialistas tem dado algum resultado?
Hermes de Medeiros – Acho que fez muita diferença porque sempre houve muitas críticas a esse projeto, mesmo antes de conhecer os detalhes, e pelo volume de informação, o EIA tem vinte mil páginas, fica difícil de organizar as informações. O Painel de Especialistas foi muito útil porque hoje existe a possibilidade de qualquer pessoa ter uma fonte de informações isentas de influências das empresas que tem interesse no projeto e com um nível técnico de qualidade.
IHU On-Line – Como se caracteriza a bacia hidrográfica do rio Xingu?
Hermes de Medeiros – A bacia do Xingu é uma bacia amazônica, e por si só já é muito rica de diversidade, não só em biodiversidade, mas em uma diversidade cultural também. Ela apresenta particularidades e, por isso, torna-se, particularmente, relevante. A diversidade de peixes é muito alta, existe uma estimativa de 800 espécies, mas pode ser mais do que isso. A bacia concentra várias nações indígenas de linhagens distintas. Por sua localização, ela tem um interesse especial, pois tem regiões muito bem preservadas estando no arco do desmatamento, na Amazônia ocidental, por onde a Amazônia vem sendo destruída. Então, se conseguíssemos alcançar o bem-estar social nesta região, sem destruir os ecossistemas, poderíamos estar iniciando este processo, nunca conseguimos fazer isso. A bacia tem importância para a história, para este momento histórico em que estamos tentando fazer a preservação com bem-estar social, e tem uma riqueza de biodiversidade e cultural que é realmente fabulosa.
IHU On-Line – Como ela será alterada pelo projeto da hidrelétrica de Belo Monte?
Hermes de Medeiros – É difícil prever os impactos porque, inclusive, um dos aspectos que estamos requerendo, e que sentimos falta, é justamente os estudos preventivos. Hoje, existem técnicas para se modelar matematicamente fenômenos de ocupação de ambientes, incluindo os efeitos da economia, o perfil social e os efeitos sobre o desmatamento. Esses métodos hoje estão disponíveis aos cientistas brasileiros, mas praticamente não foram usados. A modelagem do desmatamento, só para exemplificar, foi feita apenas para o período passado, até 2006, mas poderiam ser feitos modelos para o futuro, levando em conta a migração e tudo mais. A possibilidade de perdas, em termos de destruição da floresta, de ecossistemas únicos na região da Volta Grande são enormes. Existe, inclusive, a possibilidade de quebra da bacia hidrográfica, que é representada pela Volta Grande do rio Xingu, porque esse lugar divide a bacia do rio Xingu em duas, porque os peixes não conseguem subir. Então, com o sistema de eclusas para que os barcos possam subir, a tendência é que espécies que vivem apenas na parte do baixo Xingu subam, misturando duas faunas. Há possibilidade de impactos biológicos gigantescos em função disso.
IHU On-Line – Que espécies serão mais atingidas?
Hermes de Medeiros – É muito difícil prever. Tem algumas espécies que se conhecem, mas não estamos preocupados apenas com uma ou duas espécies, mas com centenas. A Volta Grande do rio Xingu inclui ecossistemas únicos, é uma região de corredeiras, com cânions, rochas expostas e que não se encontram em outras regiões da bacia do rio Xingu. Existem espécies que habitam só essa região. Com a transposição, o rio para de passar por essa região e, com isso, a perda de espécies aí será muito grande. Além disso, há o efeito do desmatamento resultante da imigração. Mas, a principal causa de extinção de espécies é a introdução de outras espécies provenientes de outras regiões. Por incrível que pareça, com todo o impacto que temos nos rios, com poluição, com barragens, com superexploração, ainda assim, a principal causa de extinção de espécies em ecossistemas aquáticos é a introdução de novas espécies. E esse projeto de Belo Monte trata não de introduzir uma ou outra espécie, mas de remover uma barreira geográfica e permitir que todas se encontrem. Só para ilustrar, espécies de alta capacidade de deslocamento, como as duas espécies de boto amazônico, não ocorrem na região alta do rio Xingu, porque não conseguem transpor essa barreira. E o que dizer dos peixes e dos invertebrados, então?
IHU On-Line – E como o Estudo de Impacto Ambiental contempla as riquezas dessa bacia?
Hermes de Medeiros – É necessário reconhecer que o estudo contratou pesquisadores respeitáveis que fizeram estudos de boa qualidade dentro das limitações de tempo, ou seja, que ele tem que ser feito dentro desse governo ainda, por isso, creio que não foi dado tempo para que os estudos fossem feitos da forma adequada. Fala-se que esse projeto tem 30 anos, mas, na verdade, a modificação dele é muito grande. Só tivemos acesso a esses estudos em maio. Os pesquisadores tiveram praticamente um ano para fazer o estudo, por isso há lacunas tão grandes. Um exemplo: essa é uma região rica também em cavernas, e algumas delas seriam inundadas pelo empreendimento. Foram coletadas 48 espécies nesses espaços, mas existem mais. No entanto, os pesquisadores só conseguiram identificar cinco espécies. Isso está acontecendo num ecossistema de caverna que é relativamente pequeno e simples de ser pesquisado. E o que dizer da Volta Grande que são cem quilômetros de rio em corredeiras e outras características mais complexas. Os peixes dessa região de corredeiras praticamente não foram mostrados. E não se sabe, por exemplo, o que vai acontecer com as florestas aluviais, pois elas iriam parar de ser inundadas tanto nessa região de vazão reduzida quanto na região do reservatório. A tendência é que se percam muitas florestas e ecossistemas inteiros.
IHU On-Line – O senhor questiona o fato de preverem apenas uma hidrelétrica no rio Xingu. Que indícios mostram que a CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) pode vir a aprovar outros projetos para esse rio?
Hermes de Medeiros – Essa é uma das grandes preocupações que temos, porque a hidrelétrica de Belo Monte, com tem sido bastante divulgado, tem problemas técnicos, a produção de energia é muito irregular, e isso gera uma ociosidade enorme para o sistema. Implanta-se uma hidrelétrica muito grande com capacidade de produzir mais de 11 mil megawatts, mas ela só reproduziria isso por poucos meses, talvez por dois ou três meses no ano, e, no resto do tempo, ela ficaria praticamente ociosa, com alguns meses sem produzir nada. Então, a pressão econômica para que fossem construídas outras hidrelétricas é muito grande, porque, com mais uma hidrelétrica, a alguns quilômetros acima, haveria uma regularização da produção e um aumento da energia instalada. Então, a partir do momento que existir a primeira hidrelétrica, a pressão para produzir a próxima é grande. E pode se pensar também que, no momento em que a cidade tiver o ciclo de empregos resultantes da hidrelétrica, haverá muitos imigrantes. Quando as obras da hidrelétrica acabarem, quando quase todos os empregos tiverem fechados, porque as vagas são praticamente apenas para a construção, a população de Altamira será outra e essa nova população estaria muito favorável a construção de outras hidrelétricas.
IHU On-Line – Em sua opinião, é preciso um novo estudo ambiental, mais completo, e, então, o projeto de Belo Monte pode sair, ou este projeto não tem sentido?
Hermes de Medeiros – Eu acredito que temos, caso se decida continuar com este projeto, como indicar os estudos que precisariam ser feitos para que possamos reduzir os impactos que possam vir a ser negativos. Se o projeto for feito de qualquer forma, existem estudos que embasariam medidas mitigatórias que poderiam resultar em menos impactos negativos. Mas, pelo que temos até hoje, a conclusão é que Belo Monte não deve ser construída, e que nenhum barramento deve ser feito no rio Xingu. Nós temos possibilidades de desenvolver a economia da região e avançar no bem estar social com medidas que são amplamente conhecidas, como, por exemplo, o asfaltamento da transamazônica que nunca foi feito. Poderia se melhorar muito a qualidade de vida e contribuir mais para o país sem a construção da hidrelétrica.
Um aspecto importante que precisa ficar claro para a população é que a forma como foi concebida a construção dessa hidrelétrica resulta na própria necessidade de que não se siga os trâmites legais. Hoje, somos vistos como um entrave, como se não devesse haver discussão, como se a construção dessa obra fosse uma decisão do governo, e os estudos não tivessem sentido. O projeto, caso venha a sair do papel, pode ser muito danoso. Mesmo para quem seja favorável ao projeto, uma postura razoável seria que houvesse pelo menos uns dois anos de discussão. A escala de tempo em que se planeja o crescimento de energia no país é na escala de anos, esse projeto mesmo demoraria cerca de sete anos para produzir energia. No entanto, tivemos um mês para discutir. As únicas explicações para isso seriam: ou que não existe segurança de que o projeto seja bom – e existe medo que consigamos mostrar isso para a sociedade –, ou há razões políticas com relação a prazos de eleições. Independente das pressões técnicas, o rolo compressor político só pode causar prejuízos ao país e para a natureza.
Para ler mais:
- ‘O projeto de Belo Monte deve ser abandonado”. Entrevista especial com Francisco Hernandez
- “Belo Monte foi proposto por megalômanos e trambiqueiros há mais de 20 anos”. Entrevista especial com Oswaldo Sevá
- Belo Monte: a população não se cala. Entrevista especial com Sônia Magalhães
- Belo Monte. A audiência do bispo e comitiva com Lula. Entrevista especial com Célio Bermann
(Ecodebate, 30/10/2009) publicada pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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O Brasil não pode abrir mão de desmatamento na Amazonia em todas as áreas onde houver possibilidade racional de aproveitamento hidrelétrico.Precisamos começar a preparar os futuros reservatorios já pois no futuro isso pode se tornar impossível.Com esse planejamento seria possível geral energia proveniente de madeiras não nobres e facilitar imensamente o aproveitamento das madeiras de lei.bem como remanejamento lento da fauna e conhecimento mais minucioso da flora.Não é possível que vamos repetir Tucuruí,usina de Samuel,obras no Jamati.é preciso que aprendamos com os erros…Engenheiro cicil Claudio Manoel de Lara Azevedo,conhecedor dos dramas enfrentados pela Eletronorte na operação de suas hidrelétricas…
A melhor forma de ocupar a Amazonia e defendê-la é construindo usinas Kaplan.Isso geraria a melhor forma de interligação na área que são as propiciadas pela eclusas.A vocação amazonica é fluvial e não rodoviária,nem ferroviária.O futuro da agricultura brasileira está no oeste da Amazonia com a retirada dos produtos pelo porto intermediário na Bolivia e Peru.O Japão sabe disso e a rodovia transandina é a prova cabal desse planejamento.Com a saida via Pacífico vamos aos povos mais necessitados das nossas proteínas e produtos agro-pastoris…O óbvio é a palavra mais bonita e mais difícil de ser entendida na língua portugues.Que falta nos faz Nelson Rodrigues…
Só a psicultura que geraríamos na Amazonia com a construção de lagos interligados seria suficiente para quebrar o Peru pois ninguem deixaria de lado um pirarucu, ou tucunaré,muito menos um filhote amazonico para comer peixes menos nobres do mar,produzidos em ambientes agressivos e terivelmente poluídos,como é o caso dos oceanos hoje.Esse quadro só tende a piorar…Esses peixes todos continuam a existir com o barramento e em muitos casos ´so aumentam naturalmente como é o caso das traironas que avançam sobre as aguas rasas alagadas.Pena que o Ministério da pesca de Lula não comtemple de fato a psicultura fluvial,a psicultura dos zagaiadores…
Enquanto não ocuparmos totalmente a Amazonia com usinas de pequeno,médio e grande porte,interligadas por vias fluviais não deveríamos nos meter no petróleo do pré-sal com tanta afoiteza.Primeiro façamos o lógico,depois partamos para sonhos mais complexos e custosos.Todos fizeram assim,não invertamos a ordem natural das coisas…