Democracia, transparência e o tomate transgênico do Dr. Watson, por Milton Krieger
Sofisma barato e maniqueísmo perverso, estes têm sido os artifícios daqueles que defendem a liberação imediata e sem maiores cuidados dos transgênicos
[Jornal da Ciência] As questões envolvendo plantas transgênicas têm sido discutidas praticamente a revelia da sociedade, sendo que um OGM aceitável deve ser: Ambientalmente seguro, Biologicamente seguro, Socialmente justa, Economicamente vantajoso, Eticamente aceitável, Devidamente rotulado.
Nenhuma das duas liberações comerciais de plantas transgênicas no Brasil atende a todos os requisitos citados, assim como os processos para liberações que se encontram tramitando na CTNBio.
Como se pode ver, aquilo que seria um OGM aceitável envolve vários aspectos, que fogem daquilo que seria atribuições de uma comissão de biossegurança, que deveria apenas analisar os dois primeiros aspectos.
Porém devido ao lobby pró-transgênico na formulação daquilo que no Brasil é chamada de lei de Biossegurança e a uma mudança de 180 graus na posição do governo Lula em relação ao tema, deu-se todo o poder para CTNBio para deliberar sobre a liberação comercial de OGMs.
E mais, dá à Comissão o direito de deliberar em última instância sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental. (art. 54 da lei 11.105 de 24/03/05).
Agora porém, começa a aparecer uma leve luz ainda no meio do túnel, pois haverá pela primeira vez a oportunidade de pessoas de fora da CTNBio opinarem sobre à liberação comercial de plantas, isto através de uma audiência publica que deverá ocorrer em 20 de março.
Esta audiência não é um favor da Comissão, e sim, uma obrigação prevista na lei de “biossegurança”, e foi conseguida na justiça, uma vez que o presidente da comissão foi contra a realização da mesma, alegando que a sociedade civil nada tem a acrescentar nesta discussão.
Analisaremos a seguir as duas liberações comerciais de plantas transgênicas no Brasil para demonstrar como a sociedade civil, pode sim, opinar nesta questão, apesar da posição arrogante do presidente e da maioria dos membros da comissão que foram contra a realização da audiência.
A primeira liberação comercial foi dada a soja RR (Roundup Ready) da Monsanto tolerante ao glifosato (roundup). Para atender os caprichos da soja RR, a Anvisa aumentou em 50 vezes o teor máximo de resíduo (TMR) de glifosato permitido no grão de soja.
O motivo é muito simples, imagine uma planta tolerante a um herbicida e outra não tolerante, em qual das duas haverá maior concentração do herbicida?
A resposta é simples, na tolerante, pois a soja convencional jamais atingiria os mesmos níveis, pois morreria antes. Não é necessário ser doutor em genética ou agronomia para compreender isto.
A segunda liberação foi dada ao algodão Bt (Bollgard) também da Monsanto. As plantas Bt são incorretamente chamadas de plantas resistentes a insetos.
Na verdade são plantas inseticidas, pois já vêm com um inseticida inserido no seu genoma, que atua contra pragas e insetos úteis durante todo o ciclo da planta independentemente do nível de dano, o que do ponto de vista do manejo integrado de pragas (MIP) é um tremendo retrocesso.
Tanto é assim, que na ocasião da liberação do algodão Bt, uma das exigências feitas pela CTNBio foi que após a colheita, as plantas deveriam ser arrancadas com a raiz, para evitar a contaminação do solo pela toxina do Bt.
O procedimento recomendado pela CTNBio é na verdade um “faz-de-conta”, pois ao se arrancar uma planta do solo, a parte da raiz que sai é o seu eixo principal, também chamado de pivô, suas ramificações e os milhares de filamentos capilares ficam no solo. Novamente não é necessário ter doutorado para saber isto, o homem comum do campo sabe.
E interessante notar que a justificativa dada na ocasião da liberação da soja RR, é que se tratava de espécie autógama (autofecundação) sem parentes silvestres no Brasil, já o algodão é uma espécie onde predomina a alogamia (fecundação cruzada) com parentes silvestres no Brasil, ou seja, exatamente o contrário.
Isto demonstra a incoerência da comissão, pois a justificativa dada a soja RR deveria ser suficiente para impedir a liberação do algodão Bt.
Há ainda um consenso mundial que plantas transgênicas de uma determinada espécie não devem ser liberadas nos centros de diversidade da espécie, como é o caso do algodão no Brasil.
Agora a CTNBio quer a todo modo liberar o milho (planta alógama) Liberty Link da Bayer, tolerante ao herbicida Liberty também da Bayer, é o mesmo caso da Soja RR, ou seja, mais resíduo no grão, e não faltam alguns para dizer que assim é mais moderno, mais avançado etc.
Recentemente, James D. Watson lançou um livro, “DNA o segredo da vida”. Nele o famoso geneticista americano que junto com o britânico Francis Crick, elucidaram a estrutura do DNA, atribui o fracasso do tomate transgênico “longa vida” a um acidente de trabalho, pois o cultivar onde o gene foi inserido não era bom (Watson, 2005 – pág.167).
Ora, após um gene ser inserido numa espécie, ele pode passar para outros indivíduos da mesma espécie através de cruzamentos comuns, e novos cultivares transgênicos são obtidos para diferentes ambientes através de retrocruzamentos com cultivares adaptados.
E mais, seria muita burrice uma empresa de biotecnologia gastar milhões e milhões (sic) no desenvolvimento de um OGM se este for um ponto final como esta descrito no livro.
Watson é um dos maiores geneticistas, e acredito, seja um homem honesto e descente. Então como pode cometer um erro tão grosseiro?
E não é só ele, tenho visto muitos grandes geneticistas brasileiros também cometerem erros igualmente grosseiros quando falam ou escrevem sobre transgênicos.
Os erros mais comuns são “os transgênicos são mais produtivos” ou “as plantas Bt são resistentes a insetos”.
As plantas Bt já foram tratadas neste texto e produtividade é um caráter quantitativo que envolve um grande número de genes e sofre grande influência ambiental, já os transgênicos têm um caráter qualitativo geralmente governado por um único gene que não sofre influência ambiental.
Estes erros se devem em grande parte devido a influência de uma minoria de defensores da transgenia que usam estas expressões muitas vezes com má fé.
Estes sempre se apresentam como defensores da ciência e mesmo sem a procuração de ninguém, sempre falam em nome dos cientistas.
Já aqueles que têm preocupações ambientais e com relação à saúde são tachados de atrasados, anti-ciência etc.
Sofisma barato e maniqueísmo perverso, estes têm sido os artifícios daqueles que defendem a liberação imediata e sem maiores cuidados dos transgênicos.
Finalmente haverá uma discussão aberta sobre o tema, e espero que a comunidade científica participe, especialmente a SBPC e a Academia Brasileira de Ciência, até porque sofismas e maniqueísmos não são praticas da boa ciência, e, há muito cientista no Brasil e no mundo que precisam conhecer melhor o assunto.
Referências:
Watson, J.D. DNA o segredo da vida. São Paulo. Companhia das Letras, 2005. 470p.
http://www.cib.org.br/midia.php?ID=11621&data=20050318
http://www.idec.org.br/files/idec_glifosato.doc
http://www.miltonkrieger.bio.br
Milton Krieger (miltonkrieger@fca.unesp.br) é engenheiro agrônomo, mestre em genética e melhoramento de plantas (Esalq/USP) e doutorando em agricultura (Unesp-Botucatu). Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3224, de 16 de Março de 2007.