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Artigo

Ciência Hoje On-line: E a discussão ambiental chega à cozinha, coluna de Jean Remy Guimarães

Colunista analisa propostas do governo brasileiro e de empresas para combater mudanças climáticas

Segundo previsões do Centro Hadley, no Reino Unido, a temperatura do planeta sofrerá um aumento de até 8 ºC, como mostra o mapa acima (imagem: Robert A. Rohde/ Global Warming Art project).

Tenho saudades de uns poucos anos atrás, em que as previsões sobre o aquecimento global eram modestas, algo como 0,5 a 1 ºC em um século. Já em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) estimava um aumento de 1,5 a 4 ºC no mesmo período. Em setembro de 2007, o Centro Hadley, no Reino Unido, com base em estudos sobre clima, previu aumento de temperatura de até 8 ºC. Mas não em um século, e sim em 50 anos.

Então talvez o aquecimento acabe sendo superior a 8 ºC, e em um período inferior a 50 anos. O problema deixou de ser daquele bisneto(a) que você provavelmente não iria conhecer mesmo, e passou a ser uma ameaça para você e todos nós. Não é à toa que as seguradoras apoiaram o IPCC e outros grupos de pesquisa. Elas querem saber o que vem pela frente e quanto vai custar a trombada.

Mas esta não é mais uma coluna pessimista. Em dezembro ocorrerá em Copenhagen, na Dinamarca, a cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU), que deve costurar um acordo para substituir o Protocolo de Quioto, cuja vigência expira em 2012. Terminou há pouco em Bangkok, na Tailândia, uma rodada de negociações sobre aquecimento global da Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima.

E no Brasil?

Para combater as mudanças climáticas, o governo brasileiro assumiu o compromisso de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020 (foto: Wetlands International).

Meio atabalhoadamente, o debate por aqui andou, e decisões importantes foram tomadas. Primeiro lançou-se um plano nacional de combate às mudanças climáticas bem ruinzinho, que não fixava metas nem prazos. Porém, em fins de setembro, o Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, anunciou o compromisso, respaldado pelo Presidente Lula, de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020. Metas e prazos que, se cumpridos, evitarão o lançamento de cerca de 5 bilhões de toneladas de CO 2 na atmosfera. Note bem: eu disse se cumpridos, não compridos.

Mas, a menos de dois meses da cúpula de Copenhagen, não há um consenso no seio do governo quanto às propostas a serem defendidas pelo país na importante ocasião. A negociação envolve a Casa Civil, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o do Meio Ambiente e o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, como representante da sociedade civil. Só há consenso sobre as metas de desmatamento na Amazônia e sobre a necessidade de os países desenvolvidos reduzirem de 25% a 40% suas emissões. Essa é a redução que o IPCC sugere para evitar um aquecimento acima de 2 ºC até 2020.

Minc propõe também que as emissões brasileiras de gases de efeito estufa se estabilizem em 2020. Alguns argumentam que isso exigiria 10 bilhões de dólares de ajuda externa, mas a quantia é a mesma que os ministérios do Meio Ambiente e da Fazenda esperam arrecadar por meio da proposta, apoiada por ambos, de gerar créditos de carbono com a redução da degradação florestal.

Discussão saudável e instrutiva
A discussão pode estar algo atrasada, mas é saudável e muito instrutiva. Um dos aspectos mais importantes desse debate é que ele cria uma cultura de inventário e diagnóstico: as empresas estão se capacitando para inventariar suas emissões e discutindo custos e estratégias de redução. Vinte e duas grandes empresas aderiram, sob coordenação da Fundação Getúlio Vargas, ao Programa Brasileiro GHG Protocol, que cria um padrão para os inventários de emissão de gases de efeito estufa.

A queima de combustíveis fósseis é o principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa (foto: sxc.hu).

Pelo lado instrutivo, ficamos sabendo que a exploração do pré-sal pode quadruplicar as emissões de CO 2 da Petrobras, atual campeã brasileira na modalidade. Estas passariam de 51 para 200 milhões de toneladas. E sem inventário não se saberia nada disso.

Setores industriais como o de bebidas não alcoólicas estão preparando seu Diagnóstico de Sustentabilidade e Meio Ambiente, que deve ficar pronto… em dezembro.

Durante a cúpula de Copenhagen, será atribuído um prêmio, uma espécie de Oscar ao contrário, às piores empresas do mundo na área ambiental. A indicação dos candidatos brasileiros ao prêmio caberá ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Os jurados estarão atentos ao greenwash, o marketing verde, de empresas que se apresentam como ambientalmente virtuosas em megacampanhas publicitárias e esgotam aí seu esforço ecológico.

De fato, o marketing ecológico parece ter se tornado obrigatório e alastrou-se como uma praga. Já reparou como, por todo lado, as petroleiras viraram companhias de energia, os bancos agora são do planeta e as montadoras reinventam caminhos, embora para os mesmos carros, alguns cada vez mais verdes, e amarelos? Será que, juntando todo o material impresso das campanhas publicitárias que exibem folhas, árvores, mato ou floresta, daria para recobrir o que se queimou de floresta amazônica?

Mais um bom inventário a fazer: quantas árvores derrubadas para cada campanha? Quanto carbono emitido?


Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro

* Artigo originalmente publicado no Ciência Hoje On-line

EcoDebate, 20/10/2009

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