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Todos os povos juntos pela água do planeta, por Márcia Pimenta

[EcoDebate] No dia mundial da água uma cena inusitada chamava a atenção dos freqüentadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Aílton Krenak, Benki Ashaninka e Leopardo Kashinawá faziam uma cerimônia simbólica, em uma cachoeirinha homenageando esse bem essencial à humanidade: a água. A cerimônia era parte dos eventos programados para o Encontro Águas de Março, no Espaço Tom Jobim e reuniu ambientalistas que discutiram propostas para solucionar problemas gerados pela degradação de nossos recursos hídricos.

Confinados em suas áreas demarcadas os índios denunciam o cerco a suas terra por fazendas de soja que contaminam rios e peixes com agrotóxicos, exploradores de minério e de madeira que assoreiam rios e interferem negativamente na oferta de água e se vêm vítimas das conseqüências nefastas dos efeitos do aquecimento global que causam secas dramáticas afetando o modo de vida dos povos daquela região. Para os índios a água sempre foi um recurso abundante, que mata a sede, oferece alimentos e está presente em vários rituais. O modo de vida simples desses povos nada fez para contribuir com a degradação ambiental que ora vivenciamos. Assim como os pobres e miseráveis de todo o mundo, eles são os primeiros a sofrer as conseqüências da exaustão dos recursos naturais.

Krenaki alerta que a pobreza pode ser a avalanche que colocará um ponto final na nossa aventura na Terra. O mundo está insensível para todos aqueles que já sofrem as conseqüências de uma natureza dominada pelo apetite voraz por lucros e acumulação de capital. Somos mais de 6 bilhões de pessoas habitando o planeta, sendo que 600 milhões impactam o mundo com seus hábitos de consumo enquanto 6,2 bi sonham poder fazer o mesmo. Em breve seremos 9 bi de pessoas e devemos rever nossos paradigmas de desenvolvimento hoje assentados no consumo desenfreado e na produção insensata que promove a degradação de nossos recursos naturais.

Confrontado com essa realidade o mercado econômico reage colocando preço em recursos estratégicos como a água, transformando-a em mercadoria, esquecendo-se que o direito a água potável está previsto na Constituição. De olho nesse negócio estão as empresas privadas que se aproveitam da incompetência do setor público para abocanhar mais este mercado. Presente ao evento a francesa Danielle Miterrand roda o mundo com o Programa Mensageiros da Água conscientizando as populações para o desperdício da água. Além disso, Mme. Miterrand defende a gestão pública da água e segundo ela, a ineficiência atual do poder público para gerir esse recurso estratégico a sobrevivência humana, não deve ser motivação para entregar a responsabilidade à gestão privada, mas ser encarada como uma prioridade na agenda internacional de desenvolvimento e cooperação.

No Brasil a fartura de água nos remete à infinitude desse bem. A água, na verdade não acaba, mas o desperdício e o lançamento de esgotos e efluentes industriais ameaçam a sua potabilidade e requer grande aporte de recursos para torná-la segura ao consumo humano. A devastação das florestas coloca em risco a saúde da nascentes dos rios e o aquecimento global interfere no regime de chuvas tornando imprevisível a disponibilidade da água para consumo ou para gerar hidroeletricidade. O desperdício está em toda a parte, mas a agricultura que consome 70% da água precisa direcionar esforços no que diz respeito a uma gestão mais inteligente. Resultados divulgados ontem pela empresa de consultoria especializada em uso racional da água, a H2C aponta o agronegócio como responsável por 60% do desperdício de água no Brasil. A expansão da agricultura irrigada estará cada vez mais condicionada a técnicas sustentáveis de irrigação e ao incentivo a adoção de tecnologias de irrigação com maior eficiência produtiva. Essa poderia ser a contrapartida exigida pelo governo na hora de conceder créditos agrícolas.

A sustentabilidade precisa sair rapidamente do discurso para a prática, mas o governo brasileiro está mais preocupado com o crescimento do que com o meio ambiente, como demonstra o Programa de Aceleração do Crescimento que prevê a aplicação de 10% de seus recursos na Amazônia, em projetos de construção de portos, aeroportos, estradas e usinas hidrelétricas. Mas onde está o projeto de desenvolvimento sustentável planejado para estas obras?

Na busca pelo uso mais sustentável da água estamos todos convocados a participar. Não podemos deixar para os governos todas as tomadas de decisão. Respeitar os limites do nosso planeta não nos levará de volta a Idade da Pedra. A busca da felicidade através do consumo é uma ilusão! A forma como consumimos perdulariamente nossos recursos é um tiro no pé, pois não poderemos viver sem ar, água e alimentos. Resta-nos pouco tempo para aprendermos a economizar água antes que o fantasma da escassez assole nosso planeta. A coleta da água da chuva é um exemplo de como podemos economizar sem nos privar de seu uso. Hoje ela já é uma realidade nas indústrias e no Estado de São Paulo, onde é utilizada para lavagem de ruas após eventos shows e feiras livres, por exemplo. Os novos empreendimentos da construção civil no Rio de Janeiro com área superior a 500m2 também deverão armazenar a água de chuva coletada e usá-las nas descargas sanitárias, na lavagem de carros e pisos e para rega de jardins e outros usos menos nobres. A proposta de hidrometração individual já está tramitando no governo e espera reduzir o consumo e o melhor aproveitamento da água repetindo os resultados alcançados em experiências internacionais como a francesa, onde a cobrança individual proporcionou uma economia de água de até 40%.

Uma boa campanha educativa para os consumidores poderia ser considerada prioridade por administradores das companhias de abastecimento de água. Motivar mudanças de atitude pode trazer ótimos resultados no que diz respeito ao desperdício, como fechar a torneira enquanto escova os dentes ou faz a barba, fechar o chuveiro enquanto se ensaboa, ou promover a compra de descargas sanitárias que liberem menos água quando acionadas. Quase a metade dos gastos de água numa residência – 47% – vem da descarga sanitária. A campanha poderia ainda atacar, de uma vez por todas um velho hábito brasileiro de lavar calçadas com a mangueira, a famosa vassoura hidráulica. É uma grande burrice desperdiçar um bem tão precioso e escasso dessa forma! No mundo de hoje não há mais lugar para hábitos irresponsáveis e perdulários em relação à água e outros recursos naturais e o indivíduo é parte essencial dessa mudança de consciência!

Márcia Pimenta é jornalista com especialização em Gestão Ambiental.

in www.EcoDebate.com.br – 24/03/2007
enviado pela autora, Márcia Pimenta, colaboradora e articulista do EcoDebate