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África à venda: Congo pode ter um terço de seu território arrendado para empresa sul-africana, por Clóvis Rossi

[Folha Online] A África está à venda – Está para ser fechado um acordo pelo qual a República do Congo –ou Congo-Brazzaville– arrendará a uma empresa sul-africana, a Agri SA, o equivalente a um terço de seu território, exatamente 10 milhões de hectares.

A Agri representa cerca de 70 mil agricultores e empresas sul-africanas, que ficarão com o direito a livre acesso às terras por um período incrivelmente longo, de até 90 anos, em troca de uma injeção de recursos que o governo local, em tese, aplicará nas zonas afetadas pela operação.

Um bom negócio para o desenvolvimento da África, o continente esquecido? Pode ser mas pode ser também um passo adiante no que Jacques Diouf, diretor-geral da FAO, o braço da ONU para agricultura e alimentação, chama de “neocolonialismo”.

A operação no Congo faz parte do que o jargão internacional batizou de “land grabing”, “tomada de terras”, denunciada em um relatório divulgado meses atrás pela própria FAO mais o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola e um centro britânico de pesquisas, o Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento.

O documento aponta, já no título, as duas possibilidades contidas nesse tipo de operação: chama-se “Tomada de Terras ou Oportunidade de Desenvolvimento?”.

O texto informa que “países africanos estão entregando vastos pedaços de terra cultivável para outros países e investidores quase de graça, com os únicos benefícios consistindo em vagas promessas de empregos e infraestrutura”.

A única diferença entre o “land grabing” na República do Congo e em outros países africanos está na nacionalidade dos investidores. No Congo, são da própria África. Nos países investigados pelo relatório da FAO e associadas (Etiópia, Gana, Mali, Madagascar e Sudão), são países ricos como a Arábia Saudita e a Coreia do Sul, temerosos por sua segurança alimentar. Mas a grande compradora de terras é a China, que busca, além de segurança alimentar, a exploração de minérios.

O relatório da FAO diz que, nos últimos cinco anos, cerca de 2,5 milhões de hectares foram entregues a estrangeiros, o que equivale à metade da terra arável do Reino Unido. Mas há uma outra estimativa, feita por Peter Brabeck, presidente da Nestlé, que eleva o total a 15 milhões de hectares, ou meia Itália, distribuídos por África, Ásia e América Latina.

O Brasil aparece na ponta africana da equação. O site Mother Jones, de temas ambientais e de desenvolvimento, visitou Massingir, no fundão de Moçambique, onde está em preparação um projeto de US$ 500 milhões, que promete empregar duas mil pessoas e usar aproximadamente 75 mil acres de terra para plantar cana-de-açúcar e produzir etanol, em usina com tecnologia brasileira –o tipo de projeto que é a menina dos olhos do presidente Lula.

De novo, o projeto, conhecido como ProCana, apresenta a possibilidade de transformar para melhor a vida de milhares de africanos pobres ou de “pôr em risco o parque transnacional [vizinho] e outros importantes projetos de conservação”, escreve Adam Welz, o enviado de “Mother Jones”.

Tudo o que a diplomacia brasileira dispensa é a materialização do segundo cenário.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de “Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e “O Que é Jornalismo”.

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EcoDebate, 17/10/2009

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