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Decisões cruciais se aproximam, por Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] “No Brasil, as emissões em conseqüência de desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo respondem por 75% das emissões totais de dióxido de carbono”

Ainda que se queira, é difícil fugir ao tema das mudanças climáticas, tal a sua relevância e o caudal de informações a respeito, desde o susto que a comunicação levou no começo do ano com a divulgação do novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e do estudo sobre conseqüências econômicas das mudanças do clima, coordenado pelo ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern.

Ao que parece, devemo-nos preparar para outro alvoroço, com a divulgação, prevista para o período de 2 a 6 de abril, do relatório do Grupo II do IPCC, agora com informações científicas e socioeconômicas sobre impactos das mudanças, vulnerabilidade de cada região e a necessidade de cada país a elas se adaptar.

Para se ter idéia da inquietação que tais informações podem despertar, basta lembrar a discussão da semana passada no Rio de Janeiro, promovida pela UFRJ.

Ali, especialistas em clima disseram ser indispensável iniciar imediatamente um levantamento topográfico da Baixada Fluminense, para definir as áreas em que será preciso erguer diques contra inundações inevitáveis com os novos padrões climáticos e a elevação do nível do mar; da mesma forma, seria necessário colocar mais 1 milhão de metros cúbicos de areia na faixa de praia Ipanema-Leblon para enfrentar os novos tempos.

Também não é difícil prever a controvérsia em torno da proposta que sir Nicholas Stern apresentou em Jacarta, Indonésia.

Disse ele que a próxima reunião da Convenção do Clima precisa criar um sistema de pagamento dos países industrializados aos detentores de florestas tropicais – como Brasil e Indonésia – para que reduzam suas taxas de desmatamento em 50% (o Brasil é o maior desmatador, segundo a ONU, com 73% das perdas na América do Sul) e assumam compromissos de conservação.

Pensa ele que US$ 15 bilhões anuais deveriam ser destinados a esse sistema. Mas também acha indispensável que países como China, Índia e Brasil assumam compromissos de reduzir suas taxas de emissões de poluentes. As duas propostas são polêmicas entre os países a que se destinam.

Desde 1992, na Conferência do Rio de Janeiro, o Brasil tem-se oposto a uma convenção sobre florestas, por entender que assumir compromisso de conservação de florestas implica restrições à soberania no uso de recursos naturais e prejuízos.

Esse mesmo motivo (restrições ao desenvolvimento econômico baseado no uso de recursos naturais) tem lastreado a oposição brasileira, chinesa e indiana a compromissos de redução de emissões.

No lugar disso, na última reunião da Convenção do Clima, em Nairóbi, o Brasil propôs o pagamento pelos países industrializados a nações que consigam reduzir o desmatamento – mas sem assumir compromissos de redução (o que torna inócua a proposta).

Conseguirá avançar a proposta de Stern? Argumentos não lhe faltam. A Indonésia, por exemplo, já está assumindo o terceiro lugar entre os maiores emissores de poluentes do planeta, com 3,01 bilhões de toneladas anuais – e 85% disso (2,56 bilhões de toneladas) se deve a desmatamentos e queimadas, estas inclusive em áreas de turfa (para plantio de palma destinada à produção de biodiesel e plantio comercial de madeiras), com forte liberação de carbono.

No Brasil, as emissões em conseqüência de desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo respondem por 75% das emissões totais de dióxido de carbono.

Já a China, segundo o Dioxide Information Analysis Centre, pode até ultrapassar os Estados Unidos este ano como maior emissora, já próxima de 6 bilhões de toneladas anuais e com um crescimento torno de 10% a cada ano.

Mas argumenta que suas emissões per capita estão em 3,2 toneladas/ano, enquanto a média mundial é de 3,7 toneladas anuais e nos Estados Unidos chegam a 20 toneladas anuais. Além do mais, dizem os chineses, boa parte de suas emissões ocorre na produção de bens consumidos nos Estados Unidos.

Tudo isso acontece em meio a uma avalanche de discussões e teses no Brasil sobre o etanol e o biodiesel, infelizmente focadas quase só nos aspectos econômicos dessas energias da biomassa, esquecidas da política de mudanças climáticas, das imprescindíveis discussões sobre a matriz energética (que coloquem eficiência energética e conservação de energia como prioridades, em lugar do aumento da oferta), das políticas para a expansão (onde e como) do agronegócio, de uma estratégia que coloque recursos e serviços naturais no centro de todas as políticas nacionais – por serem a grande vantagem comparativa do país.

Vale a pena citar o professor Antônio Barros Castro, hoje no BNDES: “No que se refere ao álcool, assim como à madeira e outras matérias-primas orgânicas, é preciso não explorar apenas recursos naturais, mas desenvolver soluções que multipliquem os usos dos recursos e resíduos de forma ambientalmente amigável. Esta é uma fronteira tecnológica e econômica que nós temos que desenvolver aqui, no Brasil, envolvendo tanto empresas nacionais como estrangeiras. O etanol não deve ser considerado meramente um combustível, mas uma porta de entrada na revolução biotecnológica que tem como foco as cadeias de carbono, e produzir também sucedâneos para plásticos, metais, fármacos – as possibilidades são ilimitadas” (Valor Econômico, 25/3).

Ou, então, o professor Ignacy Sachs: “Temos que começar a colocar no centro da estratégia a redução do perfil do consumo de energia, o aumento da eficiência no uso final, e só depois, em terceiro lugar, o problema dos substitutivos.” Também será indispensável, diz ele, compatibilizar biocombustíveis com segurança alimentar, com agricultura familiar.

É preciso prestar atenção. Este é um momento de decisões cruciais.

Washington Novaes é jornalista especializado em meio ambiente (wlrnovaes@uol.com.br).

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo