Baixo Parnaíba: cada uma que não é duas, por Mayron Régis
[EcoDebate] Cada uma que não é duas. Uma fazenda valerá mais em seu inventário quando, às duas da tarde ou às duas da madrugada, tresdobrar as áreas de plantio de soja ou de milho, construir silos de armazenagem e descontar as áreas de reserva legal e de área de preservação permanente. Isso repercutirá como uma boa prática empresarial por toda a região próxima e assim a fazenda a oeste e a fazenda a leste a imitarão que nem um aprendiz imita o mestre, porque ela veio para ficar em primeiro lugar em produtividade e área plantada.
Escrever um nome para essa fazenda anônima unificaria fazendas do sul, sudeste, centro-oeste, norte e nordeste, que um dia figuraram como protótipos de campeãs, numa só – figuram uma vez por ano nos dias de hoje num breve anúncio de venda na internet ou no caderno de classificados exprimindo matreiramente suas magnitudes.
A própria região do Baixo Parnaíba maranhense, em que campos de soja irromperam de uma hora para outra, entre 2000 e 2007, certifica o seu deslumbrar por campeonatos simbólicos, nas quais fazendas, e seus lícitos representantes, se desenfrearam e se desenfreiam Cerrado adentro, incorporando propriedades de famílias tradicionais e terras devolutas de Chapadinha, Anapurus, Mata Roma, Brejo, Milagres do Maranhão, Santa Quitéria, São Bernardo e Magalhães de Almeida, numa corrida para produzir muito em pouquíssimo tempo e, quem sabe, desbancar o Cerrado sul-maranhense como a principal região produtora de soja do Maranhão.
Numa conjuntura extremamente favorável, de terras baratas para comprar e terras livres para a grilagem, o sojicultor obtendo bons preços pela saca e financiamento de produção por parte das empresas comercializadoras, os produtores de soja se abancaram primeiro em Chapadinha.
A solicitude e a presteza das elites locais, do governo estadual e dos cartórios nesse abancar arrepiariam qualquer um que seriasse as políticas públicas voltadas para o Baixo Parnaíba dos anos setenta para cá e a população, nesses trinta anos, entalara com cada projeto desenvolvimentista que para se arrepiar só sendo muito grave. Por certo que muita coisa saiu de moda e muita coisa virou moda, mas políticas que visam à privatização dos recursos naturais em detrimento da maioria não são ridicularizadas muito facilmente num país como o Brasil.
Apenas a administração de Genilda Sousa Lopes, prefeita de Santa Quitéria, no quadriênio 2000-2004, opôs-se ao monocultivo da soja, no Baixo Parnaíba inteiro; segundo Didi, do Centro de Direitos Humanos, em toda a extensão de Santa Quitéria a monocultura minguou em três campos produtivos e uma das razões seria que a maior parte das terras do município está registrada no nome da empresa Paineiras que as finaliza num projeto de reflorestamento de eucalipto para a empresa Margusa, subsidiária do conglomerado Gerdau.
Nos demais municípios do Baixo Parnaíba, os fazendeiros desmataram e fizeram carvão do que podiam e do que não podiam. Segundo o presidente do sindicato de trabalhadores rurais de Anapurus, o sr.Raimundo, a última área extensa de Cerrado foi derrubada em novembro de 2006. Sobre os bacurizeiros do município de Brejo, um agrônomo respondeu ironicamente que não havia mais nenhum.
Certos ou errados, os sojicultores ou os aspirantes a sojicultores aspiravam a um front limpo e em expansão; um front que deslimitasse suas propriedades; e um front, no qual as prováveis queixas de um agricultor familiar ou de um proprietário de terras seriam reduzidas a migalhas inaudíveis ou seriam engolidas a seco pelo próprio, porque, provavelmente, em poucos anos as águas de uma nascente ou de um córrego estariam ou aterradas sobre metros e metros de calcário ou poluídas por litros e litros de agrotóxicos, depois de hectares e hectares de Cerrado serem desmatados com licença ou sem licença dos órgãos ambientais.
A esse respeito um estudo encomendado pela promotoria de Buriti de Inácia Vaz verificou que vinte e cinco fazendas do município, analisadas por um perito ambiental, não respeitaram os 20% previstos para reserva legal, chegando a desmatar totalmente as fazendas. Quatorze fazendas, o Ibama e a SEMA são objetos de uma ação do ministério público estadual do Maranhão junto à justiça federal em que se tenta sanar os danos causados pelos licenciamentos indevidos a partir de 2000.
Mayron Régis, jornalista, colaborador e articulista do EcoDebate
in www.EcoDebate.com.br – 03/04/2007