Um novo modelo de desenvolvimento rural, artigo de Guilherme Cassel
Agricultura familiar emprega quase 75% da mão-de-obra no campo e é responsável pela segurança alimentar dos brasileiros, produzindo 70% do feijão, 87% da mandioca e 58% do leite consumidos no país. Foto de Tamires Kopp
O Censo Agropecuário 2006 jogou luz sobre o campo brasileiro, mostrando qual é o setor mais produtivo: o da agricultura familiar
[Folha de S.Paulo] O Censo Agropecuário 2006, realizado pelo IBGE, jogou luz sobre o campo brasileiro, mostrando qual é o setor mais produtivo, que gera mais empregos e que coloca alimentos mais saudáveis na mesa da população brasileira. Esse setor é o da agricultura familiar.
Apesar de ocupar só um quarto da área cultivada, a agricultura familiar responde por 38% do valor da produção (ou R$ 54,4 bilhões). Mesmo cultivando uma área menor, a agricultura familiar é responsável por garantir a segurança alimentar do país, gerando os principais produtos da cesta básica consumida pelos brasileiros.
A agricultura familiar emprega quase 75% da mão de obra no campo e é responsável pela segurança alimentar dos brasileiros, produzindo 70% do feijão, 87% da mandioca, 58% do leite e 46% do milho, entre produtos consumidos pela população.
O censo mostra ainda que existem 4.367.902 estabelecimentos de agricultura familiar no Brasil, que representam 84,4% do total (5.175.489), mas ocupam apenas 24,3% (80,25 milhões de hectares) da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros.
No período entre 1985 e 1995, o número de estabelecimentos até dez hectares caiu significativamente, bem como a área cultivada por eles.
Já de 1995 a 2006, a área da agricultura familiar continuou praticamente a mesma, mas o número de estabelecimentos aumentou, o que indica que esse processo não se deu à custa da migração do campo para a cidade, como ocorria no passado.
Os números mostram que está em curso uma mudança no campo brasileiro e que não estamos condenados a um único modelo de produção.
Desde os anos 70, as políticas públicas voltadas para a agricultura obedeceram a uma concepção específica de modernização tecnológica. Por meio dela, procurou-se aumentar a produtividade da força do trabalho empregada no cultivo e na criação de animais mediante o uso de tecnologias que substituíram o trabalho humano pelo emprego intensivo de máquinas e insumos químicos.
De modo geral, tal concepção favoreceu o monocultivo em grandes extensões de terra, a maioria em poder de estabelecimentos de grande porte.
A combinação de estrutura agrária concentrada com políticas agrícolas e padrão tecnológico excludentes produziu o empobrecimento de milhares de famílias de pequenos e médios agricultores, processo que, em muitos casos, levou à perda de propriedades e de biodiversidade e contaminação de rios, alimentos e pessoas pelo uso intensivo de agrotóxicos.
O movimento dominante nesse período foi a progressiva expulsão de homens e mulheres do campo, que foram engrossar os bolsões de pobreza nas periferias urbanas.
Nos últimos anos, porém, um conjunto de políticas públicas voltadas ao fortalecimento da reforma agrária e da agricultura familiar começou a alterar significativamente esse cenário de empobrecimento do meio rural.
O Censo Agropecuário 2006 mostra que está em curso uma nova dinâmica social e produtiva no campo brasileiro. Uma dinâmica em que pequenos e médios produtores viraram sinônimo de qualidade de vida.
É importante destacar que esses resultados são fruto de uma longa jornada de lutas sociais e de reconhecimento pelo Estado brasileiro da importância econômica e social e da legitimidade das demandas da agricultura familiar, um conjunto plural formado pela pequena e média propriedade, por assentamentos de reforma agrária e comunidades rurais tradicionais extrativistas, pescadores, ribeirinhos, quilombolas.
Essa jornada foi impulsionada por lutas sociais que integraram a agenda da redemocratização brasileira e que aos poucos foram inscrevendo no marco institucional as novas políticas públicas de desenvolvimento rural.
Há uma agenda pós-crise colocada neste início de século 21. Estamos assistindo a uma confluência de crises econômica, energética e ambiental e ao fracasso de um modelo baseado nas teorias do Estado mínimo e da desregulamentação desenfreada.
Esse cenário coloca a questão ambiental e a segurança alimentar dos povos na ordem do dia. A vitalidade da agricultura familiar brasileira mostra que outro modelo de desenvolvimento rural é possível. Mais do que isso, é necessário.
A realidade apontada pelo censo refuta as teses de quem insiste em dizer que o único traço de modernidade no setor rural é aquele expresso pelas grandes plantações mecanizadas voltadas para a exportação.
Ela mostra uma alternativa concreta que combina crescimento econômico, luta contra a fome, a pobreza e a desigualdade social, produção de alimentos saudáveis, geração de conhecimento, proteção ao meio ambiente e a incorporação de milhões de brasileiros e brasileiras ao universo dos direitos, que é o universo da cidadania.
GUILHERME CASSEL , 53, engenheiro civil, é ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário.
* Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo.
EcoDebate, 13/10/2009
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Prezado Ministro, a agricultura familiar ou dos nano-proprietários, por resistir ao avanço agroindustrial, mostra que é um modelo de competência, mas as políticas públicas lhe dá tratamento marginal. Com certeza existe, no Brasil, inteligência suficiente para criar o sistema econômico que abrigue – sem assistencialismo – esse modelo resistente, mas parece faltar vontade política e/ou capacidade de gestão de um universo que tem tanto de expressivo na produção quanto fragmentado territorialmente e desamparado, tão desamparado que nem existe o MCPT Movimento dos com Pequena Terra. Promover a reforma agrária para os “assentados” pode ser um componente da solução para a segurança alimentar e meio-ambiente.
Serrano Neves
http://www.serrano.neves.nom.br