O Brasil não precisa de usinas nucleares, por Heitor Scalambrini Costa
[EcoDebate] Segundo previsão do Plano Nacional de Energia 2030 – PNE 20030
(Estratégia para a Expansão da Oferta), divulgado pela Empresa de Pesquisa
Energética –EPE, o Brasil deverá construir mais quatro usinas nucleares
até 2030, duas das novas unidades nucleares com potência de 1 mil MW cada
poderão ser construídas na região Nordeste e as outras duas no Sudeste
(também com 1 mil MW cada). Além de Angra 3, que já está incluída no Plano
Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE) 2006-2015 divulgado pelo
governo no início deste ano.
Paralisadas há 20 anos, as obras da usina nuclear de Angra 3 (1.350 MW),
segundo prevê um dos anexos do PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento), deverão ser retomadas em julho, e estima para agosto de 2013
a entrada de operação da terceira usina termonuclear brasileira, com
investimentos da ordem de R$ 7 bilhões.
A elaboração destes planos de expansão da oferta energética sofre de um
erro de origem: a ausência da sociedade no debate da questão energética, e
sua efetiva participação no processo decisório. A ampliação do espaço de
debate é fundamental para tornar politicamente sustentável o processo de
decisão. O debate energético não pode permanecer confinado nas mesas e
gabinetes de “experts”, hábeis na manipulação de números e unidades
(Watts, Joules, Btu´s, ….), que buscam na epistemologia das ciências a
legitimação das decisões que afetam toda a sociedade.
O Brasil não tem necessidade de construir mais usinas nucleares para
atingir a meta do PAC de aumentar a oferta de energia elétrica. Estas
decisões referentes à construção de usinas de geração de eletricidade têm
sido expostas diante de um suposto aumento dos riscos de déficit de
energia, alimentadas pela síndrome do apagão. Fonte de energia elétrica
ambientalmente incorreta por causa dos riscos de acidentes e pela produção
de
resíduos radioativos, o uso da nucleoeletricidade pelo Brasil é
estrategicamente incorreto, e deveria ser definitivamente descartada.
Parece-me mais inteligente buscar formas de aumentar a eficiência e a
conservação de energia, e de encontrar na diversidade das fontes
renováveis as múltiplas saídas para os problemas energéticos do país.
O Brasil tem hoje aproximadamente 70 usinas hidroelétricas com mais de 20
anos que poderiam sofrer uma repotenciação (troca de equipamentos, por ex.
substituição do rotor do gerador, ou modernização de componentes e
sistemas). Se isso fosse feito, mais ou menos 60% da meta do PAC já seria
contemplada. O custo é bem menor comparado à construção de novas usinas,
que absorvem a maior parte dos investimentos somente em obras civis. Os
40% restantes da meta do PAC poderiam ser obtidos sem nenhuma nova obra
civil. Bastaria que se investisse na redução das perdas do setor elétrico
nacional, que hoje, desde a transmissão até chegar ao domicílio ou ao
eventual consumidor industrial, são da ordem de 15%. Se houvesse um
esforço para que o desperdício fosse reduzido para 10%, isso já seria
suficiente para fechar a conta. Esses 5% de ganho, que não é muito,
permitem atingir a meta do PAC. O sistema brasileiro hoje tem cerca 97 mil
megawatts aproximadamente de potencia instalada.
Os processos de repotenciação proporcionariam quase 8.000 megawatts, e a
redução do desperdício, mais 4.850 megawatts. Mas isso tem de ser bem
planejado, porque implica desligar as usinas para que as máquinas mais
potentes possam ser instaladas. Esse processo de repotenciação não ocorreu
até hoje no país por causa da cultura das megaobras. Parece que os
governos preferem construírem grandes usinas, porque elas acabam dando
mais visibilidade, rendendo votos para a próxima eleição.
O argumento sobre o temor de um apagão energético no final da década, é
uma das principais preocupações daqueles que defendem a construção da
usina nuclear de Angra III. Lamentavelmente a opção nuclear é a opção
preferencial, em detrimento da busca pela eficiência energética e adoção
de matrizes energéticas renováveis, como o uso da biomassa (produzida a
partir da queima de resíduos agrícolas ou outro material orgânico), da
energia eólica, da energia solar e da produção de biocombustíveis sem
aumento do desmatamento.
O PDEE, que tem pouco apreço pela busca da eficiência energética e do uso
racional de energia, foi elaborado para beneficiar as indústrias do setor
eletro-intensivo, como as empresas produtoras de ferro, celulose e
alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de
energia, concentrando em três megaprojetos (as usinas hidrelétricas de
Jirau e Santo Antônio – no Rio Madeira, em Rondônia, a de Belo Monte, no
rio Xingu, no Pará e a usina nuclear de Angra 3) que causarão grandes
impactos sociais e ambientais e têm uma chance razoável de dar errado.
O governo não dá muita importância à adoção de novas matrizes de energia
renovável no país. As energias renováveis são relegadas no PDEE, enquanto
deveriam ser encaradas como a grande solução para a questão energética. O
Brasil, já é capaz de produzir em quantidade energia solar térmica, solar
fotovoltaica, eólica ou biomassa, entre outras, e só não o faz por falta
de vontade política do governo. O governo segue desconsiderando essa
tendência internacional apesar de o país possuir potencial para suprir
totalmente a demanda nacional atual e também para fornecer eletricidade a
locais remotos que não a possuem ou que utilizam outras fontes como a geração
a diesel ou a gás.
Ao desprezar as fontes renováveis, o país acaba deixando de economizar
energia. Essas fontes poderiam também resolver problemas atuais do setor,
como o pico de consumo causado por chuveiros elétricos e que pode ser
reduzido utilizando a energia solar térmica, beneficiando a todos,
inclusive às concessionárias. Assim a demanda poderia ser mais balanceada
e o fator de carga elevado.
Como podemos observar, a temática da oferta da energia traz questões de
ordem política decorrente da forma como as diferentes opções energéticas
são impostas a sociedade. O tratamento da questão energética em nosso país
continua a revelar a prevalência da visão liberal-mercantilista, que
concebe o setor energético como um campo de relações de troca de
mercadorias, com vistas à ampliação da acumulação de capital.
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
in www.EcoDebate.com.br – 09/05/2007
artigo enviado pelo Prof. João Suassuna, colaborador e articulista do EcoDebate