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SOS Yanomami: ‘Todo o Povo Yanomami está contra a mineração’. Entrevista com Davi Kopenawa

O pajé Davi Kopenawa Yanomami. Foto: Hutukara Associação Yanomami - HAY
O pajé Davi Kopenawa Yanomami. Foto: Hutukara Associação Yanomami – HAY

[EcoDebate] O pajé Davi Kopenawa Yanomami ganhou em 1989 o prêmio da ONU Global 500, porque ele lutou contra os garimpos ilegais no seu território, em Roraima. Hoje, 20 anos depois, o território demarcado dos Yanomami está novamente invadido pelos garimpeiros. Além disso, há uma outra ameaça: o novo projeto de lei para liberar a mineração nas territórios indígenas e o risco de mineração de urânio. A socióloga Márcia Gomes de Oliveira falou com Davi Kopenawa, atual presidente da Hutukara Associação Yanomami.

MÁRCIA GOMES: Qual é a sua posição sobre o projeto de lei n. 1610 sobre a liberação de mineração em terra indígena?

DAVI KOPENAWA: A minha posição sobre mineração, eu sou contra, realmente contra à lei de mineração na Terra Yanomami. Os brancos ficam atacando nós.

Tem outros Yanomami contra a mineração em sua terra?

DAVI KOPENAWA: Todo o Povo Yanomami está contra a mineração. Eu não sou sozinho não. Todo mundo, todo o Povo Yanomami que está lá na aldeia está com medo e revoltado para não acontecer dentro da terra Yanomami a grande mineração.

Então, eu estou aqui em Boa Vista lutando pelo meu povo, para não acontecer a entrada da mineração na terra indígena, na terra demarcada, porque o minério é uma máquina muito grande. A mineração é tão grande, ela vai no fundo para buscar o minério, procurar o urânio.

Na sua terra pode ter a maior jazida de urânio do mundo. Isso é que o Vilas Boas falou numa entrevista, divulgada pela TV em 2003 e 2008, que também está disponível na Internet até hoje. O Sr. já recebeu informações sobre o risco da mineração de urânio?

DAVI KOPENAWA: Não. Eu nunca recebi nenhuma informação de ninguém.

O Sr. sabe o que é urânio? Alguém já informou ao Sr. e ao seu povo sobre os riscos da radioatividade?

DAVI KOPENAWA: Não. Ninguém nunca falou sobre isso. Eu nunca ouvi esta palavra “radioatividade”. Realmente esta informação nunca chegou por aqui. Nenhum pesquisador e ninguém do governo. Eu não sei o que é isso.

Mas o Sr. sabe sobre a força que tem embaixo da terra?

DAVI KOPENAWA: Então, a mineração vai tirar a força da terra, este minério que está embaixo da terra, urânio, ouro, diamante e outras pedras preciosas, eles são aliados da terra, com água, protegidos. Se a mineração entrar na terra, lá embaixo, fazendo buraco, a terra vai ficar doente, a terra fica fraca e vai começar a cair, demolição, morrer muita gente. É assim que eu conheço, é assim que eu aprendi com o estudo do pajé, tradicional: não pode mesmo! Porque este minério fica guardado, respeitado, não mexe! Não mexer mesmo, porque ali é sagrado! Sagrado para salvar vidas, a vida deste planeta!

Então o Sr., sem conhecer a palavra radioatividade, sabe que existe uma energia que quando mexe com ela gera doença?

DAVI KOPENAWA: Certo! Gera doença mesmo! A doença que está lá embaixo da terra. A doença que nunca conhecemos. Nem branco, nem médico conhece. A doença que está escondida lá embaixo. A doença vai sair para fora e todo mundo vai ficar doente! A criança vai adoecer. A criança vai nascer morta, torta, sem cabeça. Então toda mulher vai sofrer muito, junto com o homem! Por isso não pode mexer não!

É exatamente o que a radioatividade faz, crianças nascem deformadas. É exatamente o que o Sr. falou.

DAVI KOPENAWA: É assim que eu aprendi com o meu chefe-liderança da aldeia. Porque chefe que a gente fala é como um pajé grande! Ele conhece o estudo debaixo da terra, o encontro da chuva, das águas e da terra. Então ali, aonde o urânio fica é o olho central, central da água e que a gente toma banho, que a gente usa, usa tudo, na casa.

Essa sabedoria, o Sr. sabe como pajé. O Sr. nunca ouviu pesquisadores ou pessoas do governo explicando nada sobre isso?

DAVI KOPENAWA: Os pesquisadores, o governo, nunca me procuraram, nunca conversaram comigo. Nunca perguntou se é perigoso, se é bom para usar ou não, mas assim mesmo eu sei que não pode!

O Sr. e o povo Yanomami lutam contra qualquer mineração nas terras indígenas. Existem lideranças de outros povos indígenas em favor da mineração?

DAVI KOPENAWA: Os Yanomami, Sanumá, Tekuana, Xamatari do Brasil são contra a mineração na terra Yanomami. Nós, indígenas, tradicionalmente que mora na terra sagrada, nós não queremos que aconteça a entrada da mineração no coração da terra. Mas outras lideranças que vivem na cidade, que gostam de receber dinheiro, que gostam de usar dinheiro, lideranças de fora que também participam com político, eles querem a mineração.

Até porque todos estes problemas graves com a mineração, especialmente a mineração de urânio com a radioatividade, as lideranças em favor da mineração não conhecem o risco que ela é para a vida, para gerações e gerações.

DAVI KOPENAWA: Até os brancos não conhecem. O branco nunca trabalhou grande mineração. Então, eu, pajé yanomami, estou acompanhando longe esta lei da mineração. A mineração não é bom. Mineração não vai trazer benefício para o povo, para ninguém! Só vai trazer a doença, só vai trazer a violência, problema e tudo que não presta!

Em fevereiro de 2008, a sua organização Hutukara Associação Yanomami denunciou a postura de deputados federais durante uma visita da Comissão Especial de Mineração da Câmara dos Deputados às aldeias Yanomami. É verdade que os deputados querem levar lideranças indígenas para o Canadá ou Austrália para conhecer a mineração nas terras indígenas de lá? Esta viagem já aconteceu?

DAVI KOPENAWA: Deputados e senadores, parlamentares, eles fizeram uma viagem em Boa Vista e Awari. Eles foram lá para enganar nós, mas nós não deixamos eles enganar nós. Então, eles prometeram para nós lideranças Yanomami, Macuxi, Ingarikó e outras lideranças, que iria levar nós lá no Canadá para poder ver, para conhecer a mineração, aonde eles estão tirando, destruindo, mas isso não aconteceu não.

E o Sr. sabe quem está por trás, forçando o projeto de lei, neste momento?

DAVI KOPENAWA: Quem está a favor da mineração são os deputados que estão em Brasilia, os senadores, Romero Jucá Filho e o José Sarney que foi Presidente do Brasil. Então esse grupo está lutando para poder deixar entrar mineração na terra indígena Yanomami e outras terras, todas demarcadas, para poder destruir a natureza, destruir a nossa saúde, toda a cultura, tudo isso. O Romero Jucá foi presidente da FUNAI para proteger, para ajudar povos indígenas do Brasil.

O Senador Jucá foi Governador de Roraima, nomeado por José Sarney.

DAVI KOPENAWA: Primeiro ele foi Presidente da FUNAI, quando ele saiu da FUNAI ele foi para Boa Vista e virou Governador de Roraima.

Quando Jucá foi Governador, ele já atuava contra os povos indígenas?

DAVI KOPENAWA: Ele já era contra antes. Foi ele que empurrou grandes garimpeiros na terra Yanomami. Em 1986, ele foi presidente da FUNAI e deixou o garimpeiro na minha terra, foi ele que matou o povo Yanomami!

E até hoje ele não foi responsabilizado por isso. Ao contrário, em 2006,
o Senador Romero Jucá Filho foi escolhido pelo Presidente Lula vice-líder do Governo no Senado e, em março de 2007, ganhou por designação do Presidente da República o cargo de líder do Governo no Senado.

DAVI KOPENAWA: Até hoje não mudou nada. Ele continua lutando, continua falando para deixar entrar mineração: “Vamos tirar a riqueza da terra antes de chegar os americanos!” Mas eu vou continuar lutando, fazendo barulho. Denunciando para os brancos entenderem! Eu não vou ficar calado não! Muita gente que vê uma terra grande e pouco índio, diz que índio não faz nada, mas isso aí a gente fala diferente. Nós Yanomami pensa diferente. Nós Yanomami pensa como nós nascemos, como nosso pai protegeu nosso lugar para poder caçar, trabalhar e viver. O nosso rei chama Omamy. Omamy que deixou esta floresta para os índios viverem. Mas viver de uma maneira, não queremos viver assim como vivem na cidade. Para nós índio, a nossa casa é a floresta, a terra é para os Yanomami e outros parentes. Então, eu estou defendendo a propriedade nossa, aonde a gente nasce, cresce, vive, cuida e preserva.

Esta luta não é fácil.

DAVI KOPENAWA: Os políticos são muito perigosos, são poderosos, é preciso ter coragem para enfrentar esse homem branco não deixar o povo estragar. É uma luta muito, muito difícil, é uma cobra grande, uma cobra gigante! O homem da floresta precisa ser corajoso para poder falar de verdade! Porque o homem branco quer dominar nós, quer enganar nós. Mas hoje em dia nós estamos aprendendo a responder, aprendendo a brigar, fazendo divulgar aí com os jornalistas. Vocês jornalistas estão ajudando e eu quero que vocês ajudem nós! Eu quero que vocês fiquem do lado da gente para divulgar tudo o que nós estamos fazendo.

Obrigado pela entrevista!

Márcia Gomes de Oliveira & Norbert Suchanek

Márcia é Socióloga e Professora da FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica) no Rio de Janeiro. Durante a UNCED (Rio 92) organizou o Seminário “Amazônia 500 anos de Resistência Indígena e Popular”. Participou do Workshop “Uranium – A Blessing or a Curse?”, em outubro de 2008, na Namíbia.

Norbert é Jornalista Ambiental e colaborador do Ecodebate. Participou do Workshop “Uranium – A Blessing or a Curse?”, em outubro de 2008, na Namíbia.

EcoDebate, 30/09/2009

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