Babaçu: riqueza inexplorada, por Ademir Braz
[Quaradouro] Uma das mais antigas referências ao babaçual existente na região de Marabá está no relatório da Viagem ao Tocantins do então secretário de Estado Deodoro Machado de Mendonça, no ano de 1926. Ao referir-se, pela primeira vez, à flora marabaense “uma das ricas e mais bellas da Amazônia”, o autor acrescenta que as palmeiras “contam-se por dezenas de espécies em todo o município, desde o assahy, a bacaba, o patoá, até o prodigioso babassú, de que há extensas florestas ao longo dos rios”. E prognostica que resolvido o problema do transporte, “o babassú constituirá a segunda fonte de receita do município, que já hoje o exporta em pequena escala para a praça de Belém, sobretudo no verão, finda a safra da castanha”.
Este mesmo relatório, de autoria não definida, dedica um capítulo inteiro á “riqueza inexplorada” do babaçu, que então espraiava-se em ambas as margens do Tocantins a partir de Arumatheua, e “infelizmente toda essa formidável fonde de renda jaz ainda improductiva ao longo do grande rio, à espera da resolução do grande problema tocantino e quiçá brasileiro – o transporte.”
Barruel de Lagenest, sacerdote francês e pesquisador que viveu em Marabá na segunda metade do século XX, também se refere ligeiramente à floresta de babaçu e ao raro aproveitamento de suas amêndoas. Não obstante, seu livro – Marabá, cidade do diamante e da castanha, publicado em São Paulo em 1958 – assinala que na cidade, à época, 73% das casas eram de taipa e coberta de palha.
O que Barruel não esclarece é que essa palha era tirada do babaçuzeiro, tanto para as paredes externas quanto para as divisórias internas e a cobertura da moradia.
Da palha do babaçuzeiro fazia-se também os abanos, as esteiras, os cestos para armazenamento ou transporte de mandioca, farinha, milho e outros produtos agrícolas desde a zona rural até o mercado consumidor na cidade. Brinquedos de palha de babaçu são feitos ainda hoje em certas regiões do interior do município.
De Tucuruí ao extremo sul do Pará, o babaçual ocupava uma longa e larga faixa no meio da floresta densa dos castanhais. Muito dessa vegetação extraordinária foi destruída, juntamente com as castanheiras, para a formação de fazendas de gado.
Importa dizer que a extração manual e o beneficiamento da amêndoa do babaçu foi uma atividade de pouco valor econômico: atendia mais ao consumo doméstico das famílias camponesas de origem nordestina, na forma de leite ou azeite, porque na culinária urbana predominava a gordura de porco.
Em 1976, em viagem à cidade de Tocantinópolis (então Goiás, hoje Tocantins) conheci a Tobasa – Tocantins Babaçu S.A. – que produzia e enlatava óleo e fazia bebida a partir do fermento da levedura existente entre a casca e o caroço do babaçu.
Na segunda metade dos anos 90 do século passado, com a crescente demanda de carvão vegetal pelas siderúrgicas no Distrito Industrial de Marabá, houve um início de carbonização dos cachos de babaçu – sua utilização menos nobre – para a redução do minério de ferro nos altos-fornos. O custo elevado da produção desse tipo de insumo parece haver desestimulado sua continuidade.
A indústria do babaçu seria uma alternativa excelente para a base produtiva do sul do Pará, se os investidores não tivessem olhos apenas para o umbigo do boi.
Já não é aceitável dizer que falta tecnologia para o beneficiamento em larga escala de derivados da castanha do babaçu quando, efetivamente, a produção dessas amêndoas é uma forte geração de emprego e renda principalmente para as trabalhadoras camponesas. O que não se permitirá é a exploração dessa mão de obra em trabalho semelhante à escravidão, como ocorre com os produtores de carvão.
*Leitura complementar*
As 985 mil toneladas de cascas do coco babaçu obtidas anualmente com o aproveitamento industrial de castanhas, no norte e nordeste, poderiam gerar o equivalente a 104 mW por ano, o que corresponde a 5% da matriz energética nacional. É o que revelou uma tese de doutorado defendida ontem (26) na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. Incluindo as cascas que as quebradeiras de coco jogam no mato, a biomassa de babaçu chega a 2,9 milhões de toneladas por ano, o suficiente para produzir 260 mW de energia em sistema de co-geração.
“O estudo demonstrou que a biomassa de babaçu é uma alternativa energética altamente viável”, diz o autor da tese, Marcos Alexandre Teixeira. De acordo com ele, o aproveitamento da casca do coco como fonte energética poderia ser adotado principalmente em centros comunitários de beneficiamento da castanha do próprio babaçu. O fruto ocorre naturalmente em toda a Amazônia Legal além dos estados do Piauí e Maranhão. Todos os dias, as catadeiras de coco deixam nas matas de 5 a 7 quilos de casca.
Segundo Teixeira, a tecnologia para geração de energia a partir do babaçu é a mesma usada em relação à biomassa de cana-de-açúcar. “São necessários apenas algumas ajustes nas caldeiras”, explica. Além disso, segundo o pesquisador, o babaçu apresenta como vantagem adicional uma densidade 2,5 vezes maior e um teor de umidade menor, de 15% a 17%, enquanto o teor de umidade do bagaço de cana fica em torno de 50%.
Isso significa que as cascas de babaçu armazenadas em um metro cúbico produzem 2,5 vezes mais energia do que o bagaço de cana e queimam melhor porque estão mais secas. “Outra vantagem é que o babaçu ocorre em abundância em áreas onde normalmente a cana não vai bem”, diz Teixeira. Segundo ele, trata-se de um sistema de geração de energia ecologicamente correto em locais onde a cana não é uma boa opção.
Na tese, orientada por Luiz Fernando Milanez, o pesquisador fez um cálculo custo/benefício, concluindo que a melhor alternativa seria produzir vapor de alta pressão a 4,56 Mpa (Mega Pascal) a 420 graus centígrados. Mega Pascal é uma unidade de pressão de fluidos que pode ser genericamente traduzida por força sobre a área. O vapor de alta pressão alimentaria as turbinas para gerar energia elétrica.
Teixeira conta que a energia gerada poderia ser usada na própria cadeia produtiva do babaçu, alimentando máquinas de centrais de beneficiamento, onde se extrai o óleo das castanhas. “Ainda teríamos um vapor de média pressão, que poderia ser usado no aquecimento da pasta de babaçu, para separar o óleo, usado na indústria, e a torta, fornecida como ração animal”.
Babaçu: Alternativa de Geração de Renda na Amazônia
Uma palmeira muito comum no norte do Brasil pode ser a resposta às preces do Governo, dos ambientalistas e dos moradores de áreas remotas da região amazônica. Graças a uma nova tecnologia denominada “aproveitamento total”, desenvolvida na tese de doutorado de Edmond Baruque Filho, do Programa de Engenharia Química (PEQ) da COPPE, o babaçu (Orbygnia martiana) pode transformar-se em fonte de renda para a população e matéria-prima para a produção de álcool.
Enquanto as indústrias tradicionais de produção de óleo de babaçu só utilizam 7% do coco, através da tecnologia desenvolvida na COPPE os frutos da palmeira são aproveitados integralmente na produção etanol, óleo e carvão. A nova tecnologia vem sendo colocada em prática pela empresa. Fundada em 1970, em Tocantinópolis, a Tobasa é a primeira destilaria de álcool de babaçu do país a operar em nível industrial. Para implantar a tecnologia de aproveitamento total, a infra-estrutura da fábrica foi toda reformulada e o projeto concebido na COPPE, em parceria com a Tobasa, pelo próprio pesquisador.
Na contramão da história
Apesar de conhecido o potencial do babaçu como matéria prima para uma ampla gama de produtos, a palmeira continua sendo subaproveitada. Segundo Baruque, até hoje só se produzem, basicamente, óleo e torta extraídos das amêndoas. “Isso representa apenas cerca de 7% do peso do coco. O restante é desperdiçado”- critica o pesquisador, alertando para os resultados que a otimização da utilização do produto poderia representar em termos de economia em divisas ao País.
Atualmente o setor tradicional de produção de óleo de babaçu está passando por uma crise muito séria. Óleo de palma, conhecido no Brasil como dendê, importado da Ásia, tem esvaziado o mercado nacional. “Sem investimento ou política industrial relativa ao produto, o processo de produção ainda é muito artesanal e a maioria dos produtores não consegue competir com uma produção mecanizada e uma mão-de-obra muito mais barata” explica Baruque.
Mas o que é que o Babaçu tem?
Por conter amido, o babaçu é a única palmeira no mundo que pode ser utilizada na produção de etanol. Na floresta nativa é possível encontrar, em média, 200 palmeiras por Km2. Cada planta, sem receber nenhum cuidado especial, produz no mínimo 2,5 toneladas de frutos por ha/ano. Quando as plantas são tratadas, a produção chega a 7,5 toneladas por ha/ano. Para se ter uma idéia, uma tonelada de frutos processados resultam em 80 litros de etanol, 145 kg. de carvão, 40 Kg. de óleo e 174m3 de gás. “Se considerarmos toda a reserva disponível de babaçu no país, o potencial de produção de energia chega a 5 mil Mega-watts. O que equivale a mais de 10% de toda a capacidade de geração de energia de origem hidrelétrica no Brasil”, ressalta Baruque.
O custo de produção de etanol do babaçu é elevado porque o amido tem que ser transformado em açúcar para poder produzir o álcool. Mas a experiência da TOBASA demonstrou que os outros subprodutos conseguem compensar este déficit, tornando este etanol competitivo e até mais rentável que o produzido através da cana-de-açúcar. O óleo de babaçu, por exemplo, é um produto muito utilizado na fabricação de cosméticos, gordura e sabão de coco, entre outros. O carvão e os gases são utilizados na geração de energia. Já a qualidade do etanol extraído do babaçu é tão superior à de outras fontes que este é utilizado até na produção de licores finos. “Parte da produção da TOBASA é destinada a estas indústrias”, confirma o pesquisador.
Social e Ambientalmente Correto
Segundo Baruque, a exploração do babaçu pode ser uma alternativa para dois problemas cruciais da região amazônica: desemprego e degradação ambiental. A indústria do babaçu gera muitos empregos e sua produção é auto-sustentável, não ameaça o meio ambiente. “Esta palmeira não poderia entrar num processo industrial de produção, pois seu plantio não compensaria o investimento. Cada planta demora entre 12 e 15 anos para dar frutos”. O babaçu é uma fonte energética renovável que apresenta balanço favorável entre a fotosíntese e a combustão, removendo dióxido de carbono da atmosfera e gerando oxigênio. O beneficiamento da palmeira representa um enorme potencial de geração de postos de trabalho para a população de áreas isoladas. “Só na TOBASA, considerada uma empresa de médio porte, foram criados 2050 postos de trabalho”, garante Baruque.
(Jornal Coppe 27/2/2003)
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Blog Quaradouro, http://quaradouro.blogspot.com/ – 27/05/2007
enviado por Mayron Régis, colaborador e articulista do EcoDebate
Posso carbonizar o coco de babaçu sem extrair a castanha, ou existe alguma norma que proíbe a carbonização do coquilho com a amêndoa, nos estados do Pará, Maranhão e Piauí?