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Cidade dos Meninos resiste a meio século de contaminação por pesticida. Representante dos moradores quer diálogo com autoridades

Cidade dos Meninos resiste a meio século de contaminação por pesticida. Representante dos moradores quer diálogo com autoridades

Prestes a completar seis décadas, um dos mais antigos passivos ambientais do Rio de Janeiro volta à discussão, através do Canal Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz, num programa gravado que estará disponível no site www.canalsaude.fiocruz.br já no começo da semana.

Tudo começou em 1950, com a fábrica de pesticida do antigo Ministério da Educação e Saúde implantada nos arredores de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, na área onde funcionava havia sete anos a Cidade dos Meninos. Lá, em amplos espaços ocupados por várias construções, abrigavam-se garotos órfãos e carentes em regime de internato.

A partir de 1947, instalou-se também na área o Instituto de Malariologia do ministério, que em três anos inaugurou a fábrica de Hexaclorociclohexano (HCH), conhecido como Pó de Broca, e a manipulação de outros compostos organoclorados, como o diclorodifenilcloroetano (DDT).

Como o nome do instituto sugere, a produção química da fábrica destinava-se ao controle de endemias transmitidas por vetores, como malária, febre amarela e doença de Chagas. Na época, era mais barato produzir no país do que importar, mas quando a equação se inverteu, em 1956, a fábrica foi desativada e esquecida.

Em 1983, uma fiscalização para saber a origem do Pó de Broca à venda na feira livre de Duque de Caxias chegou a nada menos de 40 toneladas do pesticida, abandonadas na área da Cidade dos Meninos, naquela época já sob administração da Fundação Abrigo Cristo Redentor, extinta em meados dos anos 90.

De lá para cá, a crescente conscientização tanto da administração pública em todos os níveis quanto das populações afetadas elevou a questão dos moradores da Cidade dos Meninos ao nível de problema de solução urgente. Mas além da transferência do pesticida para a área da Refinaria Duque de Caxias, da Petrobras, em 1999, e da remoção de 10 famílias que habitavam o ponto de maior contaminação por HCH na Cidade dos Meninos para o centro de Duque de Caxias, em 2001, pouco se avançou.

Foi também em 2001 que se divulgou o “relatório final” recomendando a desocupação imediata de toda a área da Cidade dos Meninos, que abrigava quase 400 famílias e já tinha uma produção de leite, hortifrutigranjeiros e carne de galinha, porco e vaca – tudo contaminado. Passados praticamente nove anos, o cenário continua o mesmo.

O engenheiro químico Alexandre Pessoa, um dos responsáveis pelo relatório lembra que em 2001 a própria cadeia alimentar estava contaminada e que a área de saúde do governo, da qual fazia parte, determinou uma série de providências para salvaguardar a saúde dos moradores locais.

“A situação continua preocupante porque não se chega a um acordo, e, além das pessoas, estão contaminadas as cerca de quatro mil cabeças de gado bovino, porcos, galinhas e outros animais, além das frutas e da água”, adverte.

O sanitarista Oscar Berro, secretário de Saúde em Duque de Caxias por quatro anos e também convidado para o debate do Canal Saúde, concorda com a gravidade da questão e aponta interesses diversos que dificultam o entendimento:

“Alguns atores”, diz, “não compreendem que é preciso tratar a questão sanitariamente, e ficam, discutindo indenização, dinheiro, quando falamos de saúde das pessoas, O que adianta receber indenização e não ter saúde?”

Representante dos moradores da Cidade dos Meninos quer diálogo com autoridades

Com a recomendação de desocupação imediata de toda a área da Cidade dos Meninos, os moradores discutem não só a indenização, mas também para onde irão.

Muitos, como Zeni Ferreira, primeira conselheira executiva da associação local de moradores, expõe a questão com firmeza.

“Tenho 39 anos e nasci na Cidade dos Meninos. Tem gente aqui bem mais antiga do que eu, e estamos todos sem solução. Dizem que nós temos que sair daqui, mas não se sentam para conversar e ouvir o que temos a dizer. Tem quem diga que não temos direito a nada. Queremos ser ouvidos”.

Zeni conta que atualmente moram ali cerca de 500 famílias, o que pode alcançar um total estimado de 1700 a 2000 pessoas, vivendo nos pavilhões, nas escolas, em casas e barracos levantados no terreno. Grande parte dos moradores são aposentados de órgãos do governo ainda existentes ou já extintos, mas há também empregados na construção civil, no comércio e na incipiente produção agrícola e pecuária contaminada – além, obviamente, dos desempregados.

“Todo mundo que vive aqui está contaminado, mas não é doente. A contaminação pelo HCH fica na gordura dentro da gente e dos animais, mas todo mundo leva vida normal. Você ouve uma tosse ou uma queixa de dor da mesma maneira que em qualquer lugar”, ela diz.

Professora do ensino médio, Zeni explica que na época da fábrica de HCH muita gente veio de fora, contratada pelo governo federal. Seu avô é um exemplo: trocou o Ceará pela Baixada Fluminense na década de 40 e viveu ali até a morte.

“Quando ele veio, deram uma casinha para morar, como fizeram com muitos. Como essa gente e us descendentes vão ficar, saindo daqui?” indaga, refletindo a preocupação de muitos dos associados. Mas Oscar Berro não admite o argumento.

“Eu trabalho há 34 anos na Fundação Oswaldo Cruz e não ganhei casa nenhuma. Isso não é justificativa para se opor à remoção. Se eu tivesse um filho, ou minha mãe morasse lá, a primeira coisa que ia querer é tirar eles de lá. Não ia pensar em indenização nem onde ia morar”.

A saída, segundo ele, pode estar próxima: no mês que vem acontecerão as conferências municipais e estaduais para tratar da questão ambiental na saúde, que precederão a conferência nacional em Brasília, em novembro. A Cidade dos Meninos estará na pauta de Duque de Caxias e do Rio de Janeiro.

Reportagem de Luiz Augusto Gollo, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 14/09/2009

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