Governador Serra, peça ao IPT um plano alternativo de combate às enchentes, por Álvaro Rodrigues dos Santos
Ponto de alagamento próximo à Rua Vitória, no centro de São Paulo, pouco depois do meio-dia. Foto: Márcio Fernandes/AE
Prezado governador, permita-me dirigir-lhe diretamente algumas palavras. Com a franqueza necessária para que essas palavras tenham a chance de ser úteis ao senhor e à sociedade.
A atual estratégia de combate às enchentes de seu governo, que é a mesma dos anteriores, está totalmente equivocada. Não levando em conta as causas reais das enchentes essa estratégia elege como suas prioridades os vultuosos gastos na ampliação e canalização das calhas de nossos principais rios e na instalação de piscinões (apresentados ao senhor como a nova panacéia para o fim das enchentes).
Quanto à ampliação das calhas de nossos principais rios, tudo certo, realmente é uma medida indispensável. Quanto aos piscinões, um erro crasso. Pelo mal urbanístico, sanitário e ambiental que causam à cidade deveriam ser considerados como a última das últimas alternativas a serem pensadas.
Governador, o senhor está refém de uma lógica técnica perversa e errada (queira Deus que não mal intencionada). É preciso romper radicalmente com essa chantagem tecnológica.
A equação básica das enchentes da Região Metropolitana de São Paulo pode ser assim expressa:
“Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão, tendo como palco uma região geológica já naturalmente caracterizada por sua dificuldade em dar bom e rápido escoamento às suas águas superficiais.”
Nesse contexto, governador, o combate às enchentes na região metropolitana paulista deve, para garantir resultados confiáveis, atacar indispensavelmente cinco frentes técnicas, combinada e concomitantemente:
– ampliação das calhas de nossos principais rios;
– permanente desassoreamento de todos rios, córregos e drenagens construídas;
– eliminação de pontos de estrangulamento representados por pontes, galerias e sistemas de drenagem antigos que já não suportam mais as vazões a que são submetidos;
– recuperação da capacidade de infiltração e retenção de águas pluviais em toda a área urbanizada, através, por exemplo, de calçadas, valetas e pátios drenantes, poços e trincheiras de infiltração, reservatórios domésticos e empresariais para reservação de águas de chuva, intensa disseminação de bosques florestados, plantio intensivo de árvores, etc.
– redução máxima do assoreamento das drenagens naturais e construídas através do rigoroso e extensivo combate à erosão do solo nas frentes de expansão metropolitana assim como do lançamento irregular do lixo urbano e do entulho de construção civil.
Sobre especificamente essas duas últimas frentes técnicas, o combate à impermeabilização e à erosão, de primordial importância para a redução das enchentes, incompreensivelmente (ou compreensivelmente?) as administrações públicas estadual e municipais da região não estão fazendo absolutamente nada. Aí está a origem e a explicação dos insucessos quanto aos objetivos desejados na redução das enchentes.
Governador Serra, não se permita iludir que o sucesso no combate às enchentes resultará de grandes investimentos em grandes e custosas obras concentradas. É necessário que as obras maiores necessárias sejam indispensavelmente acompanhadas de um trabalho diuturno baseado em pequenos serviços e providências, as chamadas medidas não estruturais, que resultarão no rompimento com as culturas técnicas da impermeabilização e da erosão, hoje principais responsáveis pela insistente recorrência das enchentes metropolitanas.
Permita-me uma sugestão final, solicite ao IPT, uma instituição de extrema competência técnica, e acima e alheia a interesses menores porventura presentes na estratégia atualmente adotada, um plano alternativo de combate às enchentes. O IPT saberá por certo cercar-se de outros órgãos públicos e de técnicos reconhecidos que lhe auxiliarão nessa boa empreitada.
Não serão necessários mais que 2 ou 3 meses para equacionar esse novo plano. Confie no resultado que lhe será entregue e concentre esforços em implementá-lo. A Região Metropolitana de São Paulo lhe será eternamente grata, por sua coragem política e pelos resultados concretos que certamente serão alcançados.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro{at}uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Foi Diretor Geral do DCET – Deptº de C&T da Secretaria de C&T do Est. de São Paulo
Ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico e Social de Mogi das Cruzes
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar” e “Cubatão”
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão
* Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado na Folha de S.Paulo, Tendências e Debates, 11/09/2009
EcoDebate, 12/09/2009
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Culpa da chuva
Custo a entender como o paulistano suporta diariamente esse indescritível colapso dos transportes urbanos e continua elegendo a mesma casta política para administrar o Estado. Ninguém jamais será responsabilizado pelo cenário apocalíptico das enchentes e dos congestionamentos monstruosos? O eleitor entregou-se a tamanha catatonia que simplesmente acredita na culpa do temporal, do feriado, do “grande fluxo de veículos”?
São décadas de continuidade administrativa ininterrupta, com uma fortuna já incalculável pretensamente gasta em investimentos, obras faraônicas e propaganda. A malha metroviária continua ridícula e os rios infectos, transbordando sob qualquer chuvisco passageiro (não, isso não acontece apenas com precipitações intensas). E o máximo que o cidadão consegue fazer é dar de ombros e concordar que vida nas cidades piorou muito nos últimos tempos…
Claro, essa passividade tem a colaboração militante da imprensa paulista. Um governo petista seria trucidado pelo espetáculo ignóbil destes dias chuvosos (e não mencionei segurança, educação, saúde). Mas, como a reeleição de Lula provou, a mídia não fabrica eleições sozinha. É impossível assistir ao martírio da população da capital sem constatar um sutil lampejo de merecimento.