O frango, a gravata e a sustentabilidade, por Helio Mattar
Se você come frango ou carne ou usa terno e gravata, pode estar contribuindo para o aquecimento global. Parece fora de propósito?
[Folha de S.Paulo] SE VOCÊ come frango ou carne, consome óleo de soja ou usa terno e gravata, pode estar contribuindo para o aquecimento da Terra e para as conseqüentes mudanças climáticas. Parece fora de propósito? Vejamos o que está por trás.
Estima-se que, nos últimos 30 anos, 14% da floresta amazônica foi derrubada, o equivalente a um Estado de Alagoas devastado por ano.
Nossa tendência “natural” é culpar o governo. Porém, dada a imensidão da floresta, a fiscalização pelo governo, embora essencial, será sempre insuficiente. Para uma solução estrutural, é preciso alinhar os interesses relativos à sustentabilidade ambiental aos interesses econômicos que provocam a derrubada da floresta.
A retirada da madeira não é o alvo de tais interesses, apenas a conseqüência. O interesse central é a expansão da fronteira agrícola para pecuária e o cultivo da soja. Essas são as atividades que usufruem diretamente e no longo prazo do desmatamento.
Como estancar esse processo?
Os consumidores têm um papel determinante. De um lado, escolhendo produtos feitos com madeira certificada, uma forma de reduzir -e até mesmo eliminar- a demanda pelas madeiras extraídas ilegalmente.
De outro, se o consumidor tiver informações sobre a origem da carne, da soja e do frango que consome, poderá comprar apenas os alimentos cuja produção não tenha nenhuma relação com as áreas desmatadas. Essa atitude certamente levaria a uma redução significativa do desmatamento da Amazônia.
A fórmula funciona. Basta ver que a pressão vinda principalmente do consumidor europeu levou o McDonald”s e a Cargill a evitar a compra, respectivamente, de carne ou soja produzidas em áreas de desmatamento recente.
Certamente o leitor está se perguntando o que a gravata tem a ver com tudo isso. Pois bem. No verão, em grande parte do mundo, os escritórios usam ar condicionado. Se os homens estiverem vestindo terno e gravata, será preciso reduzir a temperatura em cerca de 2 graus Celsius adicionais para que se sintam confortáveis em suas roupas. Essa redução exige um maior uso do ar condicionado, que exige maior gasto de energia elétrica, que provoca maior emissão de carbono, que contribui, adicionalmente, para o aquecimento da Terra.
As pessoas geralmente consideram que, sozinhas, não farão a menor diferença para a sustentabilidade do planeta. No entanto, alguns exemplos podem deixar claro quão importante são os atos cotidianos de consumo ao longo da vida de cada indivíduo.
No caso do ar condicionado, com a redução da demanda em 2 graus, tanto no verão como no inverno, nos EUA, evita-se a emissão de 900 kg de CO2 por ano. No Brasil, dada a matriz energética diferente, tem-se uma emissão de CO2 na geração de energia elétrica equivalente a um terço da emissão norte-americana. Portanto, evitaríamos a emissão de 300 kg de CO2 por ano, ou o equivalente à absorção de CO2 por 62 árvores nativas da mata atlântica ou de 16 árvores de pinus em uma plantação recente. E estamos falando apenas de um aparelho de ar condicionado quente e frio.
Um único indivíduo pode contribuir expressivamente para a sustentabilidade do planeta. Para que isso aconteça, os grandes desafios são (a) dar a conhecer aos consumidores a relação de cada ato de consumo com seus impactos na sociedade e no meio ambiente; e (b) despertar, nos consumidores, a consciência do poder de suas escolhas de consumo na contribuição para a sustentabilidade.
Nesse sentido, o papel da mídia é crucial para tornar o consumo consciente um fenômeno coletivo, induzindo os consumidores a assumir o papel de grandes agentes da mudança. E nós sabemos que a mídia, assim como as empresas, são sensíveis às opções dos consumidores.
A grande mudança acontecerá quando os consumidores começarem coletivamente a reivindicar o direito de conhecer as origens e os processos de produção das mercadorias que consomem, para que possam fazer escolhas conscientes em seus atos de compra e em seu estilo de vida.
HELIO MATTAR, 60, doutor em engenharia industrial pela Universidade Stanford (EUA), é diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Foi diretor-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente (200-2003) e um dos fundadores do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, de cujo conselho é membro.
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pela Folha de S. Paulo – 28/06/2007