10 pontos cruciais para reescrever o presente, por Leonardo Boff
Podemos alimentar duas atitudes face à crise ecológica: apontar os erros cometidos no passado ou resgatar os valores, os sonhos e as experiências que podem ser úteis para a invenção do novo. Prefiro esta segunda atitude.
[Carta Maior] Durante a ECO-92 no Rio de Janeiro, 1600 cientistas entre os quais havia 102 Prêmio Nobel de 70 paises lançaram o documento Apelo dos cientistas do mundo à humanidade. Aí diziam:”Os seres humanos e o mundo natural seguem uma trajetória de colisão. As atividades humanas desprezam violentamente e, às vezes, de forma irreversível o meio ambiente e os recursos vitais. Urge mudanças fundamentais se quisermos evitar a colisão que o atual rumo nos conduz”. Foi uma voz pronunciada no deserto. Mas agora, no contexto atual, quando os dados empíricos apontam as graves ameaças que pesam sobre o sistema da vida, elas ganham atualidade. Não convém menosprezar o valor daquele apelo.
Podemos alimentar duas atitudes face à crise ecológica: apontar os erros cometidos no passado que nos levaram à presente situação ou resgatar os valores, os sonhos e as experiências que deixamos para trás e que podem ser úteis para a invenção do novo. Prefiro esta segunda atitude. Por isso, importa fazer uma reescritura do momento presente, elencando mais que aprofundando dez pontos cruciais.
O primeiro é resgatar o princípio da re-ligação: todos os seres, especialmente, os vivos, são interdependentes e são expressão da vitalidade do Todo que é o sistema-Terra. Por isso todos temos um destino compartilhado e comum.
O segundo é reconhecer que a Terra é finita, um sistema fechado como uma nave espacial, com recursos escassos.
O terceiro é entender que a sustentabilidade global só será garantida mediante o respeito aos ciclos naturais, consumindo com racionalidade os recursos não renováveis e dar tempo à natureza para regenerar os renováveis.
O quarto é o valor da biodiversidade, pois é ela que garante a vida como um todo, pois propicia a cooperação de todos com todos em vista da sobrevivência comum.
O quinto é o valor das diferenças culturais, pois todas elas mostram a versatilidade da essência humana e nos enriquecem a todos, pois tudo no humano é complementar.
O sexto é exigir que a ciência se faça com consciência e seja submetida a critérios éticos para que suas conquistas beneficiam mais à vida e à humanidade que ao mercado.
O sétimo é superar o pensamento único da ciência e valorizar os saberes cotidianos, das culturas originárias e do mundo agrário porque ajudam na busca de soluções globais.
O oitavo é valorizar as virtualidades contidas no pequeno e no que vem de baixo, pois nelas podem estar contidas soluções globais, bem explicadas pelo efeito borboleta.
O nono é dar centralidade à equidade e ao bem comum, pois as conquistas humanas devem beneficiar a todos e não como atualmente, a apenas 18% da humanidade.
O décimo, o mais importante, é resgatar os direitos do coração, os afetos e a razão cordial que foram relegados pelo modelo racionalista e é onde reside o nicho dos valores.
Estes pontos representam visões humanas que não podem ser desperdiçadas, pois incorporam valores que poderão alimentar novos sonhos, nutrir nosso imaginário e principalmente fomentar práticas alternativas. Somos seres que esquecem e recordam e que sempre podem resgatar o que não pôde ter oportunidade no passado e dar-lhe agora chance de realização. Por ai, quem sabe, encontraremos uma saída para a crucificante crise atual.
Leonardo Boff é teólogo e escritor.
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pela Agência Carta Maior – 03/07/2007