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Artigo

Os Senhores do Petróleo, artigo de Ana Echevenguá e Thomas Fendel

“A política econômica mais absurda do Mundo tem sido adotada pelo Executivo e aprovada no Poder Legislativo, enquanto arruína o tecido social do País de forma manifesta. Se houvesse respeito pela verdade e pela lógica, todos veriam aí uma contradição flagrante. Não estaria aí uma pista para o fato de grande parte dos votos de aprovação a essa política ser obtida por meio de estipêndios mensais e outras modalidades de suborno?” – Adriano Benayon, ao se referir ao Brasil em seu artigo “Política Econômica e Corrupção”.

A indústria do petróleo

Depois das finanças, o petróleo é o maior negócio do planeta. A indústria do petróleo – formada por transnacionais e por tradings – é uma máquina de fazer dinheiro. O lucro líquido anual das petrolíferas gira em torno de US$ 300 bilhões. Exemplos: a Exxon-Mobil acumulou, de 2004 a 2006, US$ 100,9 bilhões de lucro líquido; a Shell, US$ 63,2 bilhões, no mesmo período. O consumo e a demanda ascenderam, em 2006, a 30,6 bilhões de barris/ano. Especialistas prevêem que, em 2030, o mercado do petróleo chegará 42,5 bilhões/ano, ou seja, 40% a mais do que hoje.

Os “Senhores do Petróleo” controlam a finança, a mídia, as grandes indústrias, os governos… Sendo assim, foi fácil assumir – e abocanhar – o controle dos biocombustíveis, a única opção que substituirá os combustíveis fósseis. Os fatos que comprovam essa afirmativa já fazem parte do nosso cotidiano.

Como as corporações transnacionais dominam o agronegócio, os ventos da globalização estão transformando o Brasil, de forma célere, em uma “economia de exportação governada do exterior”. E os brasileiros estão sentindo na própria pele os prejuízos advindos desta política econômica que subsidia os investimentos estrangeiros que provocam mais saída de recursos naturais com baixo valor agregado para o exterior do que renda nacional.

O biodiesel no mundo

O mundo está sedento por fontes renováveis de energia já que o petróleo está chegando ao fim. Por isso, alguns países, sem qualquer lero-lero, invadem e ocupam o território de outras nações – muitas vezes com o consenso dos dirigentes destas – para garantir seu abastecimento de energia e sua sobrevivência.

A União Européia está de olho no assunto. Sua nova política energética, criada em março de 2007, prevê, até 2020, o uso de 10% dos biocombustíveis em substituição aos combustíveis fósseis. Lá, o setor de transportes, por exemplo, funciona com petróleo importado (e é responsável por mais de 1/3 das emissões de CO2 do bloco).

Por isso, a UE promoveu a primeira conferência sobre biocombustíveis, no início de julho de 2007, envolvendo líderes de todo o mundo. O evento ateve-se a 5 aspectos dos biocombustíveis: políticas de apoio, estudos de casos, desenvolvimento do comércio internacional, riscos socioambientais e benefícios da sua produção e utilização.
Nesta oportunidade, o presidente da Comissão Européia, Durão Barroso, afirmou que os biocombustíveis, se geridos corretamente, poderão reforçar a segurança energética, reduzir o aquecimento global, provocar o desenvolvimento industrial e a geração de emprego e renda.

Para tanto, será “necessário elaborar uma política de biocombustíveis da UE que satisfaça os objetivos da melhoria da segurança do abastecimento e da resposta às alterações climáticas, assegurando simultaneamente o desenvolvimento sustentável”.

Devido à falta de área agricultável e aos fatores climáticos, a UE tem dificuldade em produzir seu biocombustível. Lá não tem espaço físico pro plantio. Em 2005, ela produziu 3,9 milhões de toneladas de biocombustíveis (etanol e biodiesel), 60% a mais do que em 2004. No entanto, todo o biodiesel produzido – 3,2 milhões de toneladas – equivale a 1% do consumo de gasolina e diesel.

Por isso a UE está apostando no biodiesel. Com estes problemas estruturais, só lhe resta a alternativa de misturas que contenham um pouco de óleo vegetal ou de etanol. E terão que fazer lavoura energética nos países tropicais do terceiro e quarto mundos: África, Brasil…

Os biocombustíveis brasileiros

Para ocupar espaço na economia brasileira, a biomassa carece de políticas públicas voltadas aos interesses nacionais. Como isso ocorre no Brasil, os biocombustíveis ocupam posição medíocre na matriz energética brasileira.

Os “Senhores do Petróleo” estão usando seu poder sobre o mercado para sufocar a concorrência das fontes definitivas de energia. E este processo danoso:
– reduz a demanda global dos biocombustíveis, inviabilizando os investimentos na produção desses;
– subordina a política econômica brasileira às regras de grupos concentradores, fomentando um processo socioeconômico excludente e tornando mais absoluto o poder concentrado dos “Senhores do Petróleo”.

Temos medidas protetivas para o etanol. E para o biodiesel. Por quê? Ora, a explicação é simples: estes dois tipos de biocombustíveis favorecem o enriquecimento dos “Senhores do Petróleo” porque são misturados, em pequenas proporções crescentes, à gasolina e ao diesel.

O Brasil foi o maior produtor mundial de etanol: produziu 13 milhões de toneladas em 2005; seguido pelos EUA, com 11,8 milhões de toneladas no mesmo período, com grandes subsídios agrícolas. Embora a produção de etanol tenha aumentado cerca de 26,9 milhões de toneladas em 2005, isso representa tão somente 2% do consumo mundial de gasolina.

Este etanol é misturado à gasolina. Por força de lei, no Brasil, o que hoje é vendido como gasolina nada mais é do que uma mistura que contém 25% de (bio) etanol e 75% de (fóssil) gasolina.

Estudos econômico-financeiros já prevêem, no prazo de 10 anos, a produção de 40 bilhões de litros de etanol por ano: 50% para o mercado interno da gasolina e 50% para exportação, sobretaxados nos EUA. Isso significa R$ 102 bilhões em 10 anos, só em etanol.

Se formos contabilizar os aumentos no preço do petróleo, tudo fica melhor. Como há previsões de cotações de US$ 100 a US$ 120 para o barril de petróleo em 2010, os ganhos das petrolíferas irão duplicar para mais de R$ 200 bilhões nestes mesmos 10 anos.

Entenderam agora por que é rentável, para os “Senhores do Petróleo”, aumentar a atual produção de álcool?

Diante de tanto lucro fácil, para que permitir a produção e comercialização de outros biocombustíveis? É muito mais lucrativo restringir a concorrência ao petróleo.

E quanto à fábula do biodiesel?

Há parcos investimentos nos óleos vegetais, é verdade. Mas eles são direcionados para a soja e a mamona, em vez dos pinhões e do dendê (este último tem rendimento de óleo por hectare 15 vezes maior que o da soja). A soja é a preferida porque controlada por tradings norte-americanas, européias e japonesas, em função do farelo que é exportado como ração animal.

Viram? Eles estão sempre almejando lucros em cada negociata!

Especialistas afirmam que, com motor apropriado, os óleos vegetais têm melhor desempenho que o do biodiesel. Na Alemanha já circulam mais de 100.000 veículos movidos a óleo vegetal.

Mas o Brasil não está autorizado pelos “Senhores do Petróleo” a investir no uso direto do óleo vegetal nos motores dos veículos. Daí, a falta de investimento das indústrias na produção de motores movidos somente a óleo vegetal.

E o biodiesel? Ah! É mesmo! Os “Senhores do Petróleo” e a indústria automotora colocaram os óleos vegetais como matéria-prima para produzir biodiesel. Hoje, a mistura é de 2% de biodiesel e 98% de (fóssil) diesel. E esta mistura miraculosa vai ser alterada, por força de lei, para 5% de (bio) e 95% de (fóssil) diesel…

Quando a Petrobras fala em B2, B5, B10… ela está dizendo que a mistura que eles chamam de (Bio)diesel possui um percentual de óleo vegetal transesterificado correspondente a 2%, 5%, 10%…

O assunto é tão propositalmente dúbio que tem gente pensando que biodiesel é a mesma coisa que óleo vegetal. E não é! Ou alguém já ouviu falar em OV100 ou mesmo B100???

Mesmo assim, o garoto-propaganda do Biodiesel – nosso presidente Lula – é incansável em defender este combustível no combate ao aquecimento global e à pobreza existente no Planeta.

O monopólio da Petrobras

A Petrobras integra hoje a cúpula da governança corporativa global no ramo do petróleo. Ainda que seja pequena, comparada com as outras marcas do capitalismo como a Shell, a Esso…, ela é uma empresa internacional de capital aberto que está em constante expansão. “O negócio dela é petróleo”.

Há pouco, comprou 51% da uruguaia Gaseba. E 261 postos da Shell no Uruguai e outras instalações na Colômbia e Paraguai, por cerca de US$ 140 milhões. Com isso, ela se tornou a quinta maior empresa do Uruguai, com 20% do mercado de distribuição de combustíveis daquele país.

Em março de 2007, comprou o grupo Ipiranga, detentor da maior rede privada de postos do país, da Ipiranga Petroquímica (IPQ) e de 29% da Copesul, a central de matérias-primas do segundo maior pólo petroquímico do país, em Triunfo (RS).

Contudo, ela pretende se consolidar no segmento de exportação de álcool. Para tanto, pretende monopolizar a produção de todo e qualquer biocombustível, como faz com o biodiesel.

Hoje, a Petrobrás está sozinha no mercado nacional de biodiesel através da BR – Petrobrás Distribuidora. A produção começou em 2006, em 2 unidades experimentais no Rio Grande do Norte. De acordo com a presidente da rede BR, existem mais postos vendendo biodiesel do que álcool hidratado: 5,5 mil postos já comercializam o produto. Em 1 ano, a BR montou a maior cobertura na venda do produto no país: atualmente (cerca de 6 meses antes do início da obrigatoriedade do uso do chamado B2) 93% dos postos da rede que comercializam diesel também oferecem o biocombustível adicionado na proporção de 2%. Até o momento, já foram comercializados 6,6 bilhões de litros de B2 (lembram o que é esse B2? A mistura com 98% diesel e 2% óleo vegetal).

Trata-se de um erro crasso com conseqüências negativas para todos os brasileiros. O Brasil precisa gerenciar este segmento da economia. Mas não através da Petrobras. E por que não? A resposta é do físico Bautista Vidal: “Porque a Petrobras é uma das maiores do mundo em energia, tem gente qualificada há mais de 30 anos para isso e não pode do dia para noite ser atirada em outro segmento. O negócio dela é petróleo”.

O engenheiro Thomas Fendel complementa o pensamento de Vidal: “A bioenergia necessita de outras mentes, de outros procedimentos. Ela deverá ser produzida e comercializada em múltipla pequena escala agrofamiliar, assim como foi originalmente pensado o Proálcool que, infelizmente, acabou na mão exclusiva dos grandes grupos”.
Vão colocar a raposa pra tomar conta do galinheiro!

Logística da comercialização do biodiesel no Brasil:

Em 2006, foram investidos R$ 35 milhões somente na adequação das instalações para trabalhar com o biodiesel. A BR possui 1.746 clientes no setor de cargas e passageiros (21 no segmento ferroviário, 150 no de geração de energia elétrica, 1.114 no industrial e 60 no marítimo). A estrutura conta com 56 bases e terminais (de um total de 64) recebendo, armazenando e distribuindo o produto em 3.500 municípios do Brasil através de 150 transportadoras contratadas, com capacidade total de carregamento de 1,2 bilhão de litros.

Em tempo: a Ipiranga, que acabou de ser comprada pela Petrobras, já foi inserida na distribuição do biodiesel.

Processo falacioso

O discurso da Petrobras é belíssimo:

– a substituição parcial ou total do óleo diesel pelos biocombustíveis trará impacto positivo à balança comercial brasileira pois, atualmente, cerca de 15% do diesel utilizado no país é importado;

– a agricultura será beneficiada devido à diversidade de alternativas de culturas – e de novas linhas de crédito – aos produtores rurais.

Tudo mentira!

A Petrobras não está apostando no biocombustível: ela continua apostando no petróleo ao exigir que o consumidor use nos seus veículos:
– uma mistura de 98% de diesel fóssil e 2% de óleo vegetal transesterificado chamada Biodiesel;
– uma mistura de 75% de gasolina e 25% de álcool anidro chamada Gasolina.

E o mais grave, nesta aposta do Biodiesel, ela está prejudicando o rurícola. Até mesmo a Embrapa, que trabalha em parceria com a Petrobras, deu as costas ao produtor rural brasileiro. Atualmente, ela desenvolve pesquisas com 17 espécies diferentes para viabilizar a produção de biodiesel.

Segundo informações do engenheiro agrônomo Gert Fischer, “em Mafra/SC, numa reunião do sindicato de produtores rurais, a Petrobras ofereceu R$ 130.000,00, a fundo perdido, para que os produtores comprem prensas para produção do óleo de soja e o venda para a Petrobras”.

Para ele, “isso representa um confisco da produção, o rurícola não terá o direito de decidir sobre sobre o destino de sua produção. Cadê a independência decorrente do agronegócio com os combustíveis? As cooperativas e os frigoríficos, de igual sorte, que detêm grande parte do poder dos óleos e gorduras, pouco se importam com o que acontece. Os acordos espúrios da Petrobras com os estrangeiros estão ignorando solenemente os interesses nacionais da agricultura, em especial a Confederação da Agricultura, que sempre coordenou o agronegócio brasileiro”.

A Petrobras está doando nossos recursos naturais

Por trás de todo esse trabalho desenvolvido pela Petrobras, está o uso predatório dos nossos recursos naturais e humanos e a entrega destes – de mão beijada – às empresas internacionais. Abaixo, apenas 2 exemplos:

a. Em junho de 2007, a Petrobrás assinou ‘Memorando de Entendimentos’ com a japonesa Itochu para análise da produção de biocombustíveis com cana-de-açúcar e oleaginosas, no Canal do Sertão Pernambucano – uma região de 150 mil hectares, localizada na área de atuação da CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento dos Vale do São Francisco e Parnaíba (que abrange 16 municípios em Pernambuco e o município de Casa Nova, na Bahia).

O projeto garante:
– o cultivo irrigado durante o ano inteiro (numa região castigada pela seca) do plantio,
– o destino da produção para os biocombustíveis e
– uma logística segura e competitiva de escoamento da produção futura para atender o mercado japonês e os demais mercados potenciais internacionais.

b. Em julho de 2007, a Petrobrás firmou com a portuguesa Galp Energia um Termo de Compromisso para:
– a produção de 600 mil toneladas por ano de óleos vegetais no Brasil
– e a comercialização e distribuição do biodiesel nos mercados português e/ou europeu. 300 mil toneladas de óleos vegetais serão destinadas à produção de biodiesel de segunda geração e o restante, à produção de biodiesel para exportação para Portugal e UE.

Para este projeto será criada uma empresa específica. A Petrobrás acha que parceria com a Galp é promissora porque a produção brasileira de biodiesel, prevista para 2008, gerará produto para exportação imediata. E Portugal poderá, em 2010, atender ao marco regulatório que determina a utilização de 10% de biocombustíveis.

Estes projetos confirmam as palavras do Doutor Adriano Benayon: “as exportações que crescem muito são as intensivas de recursos naturais, à custa da dilapidação destes: há a perda dos recursos não renováveis, como os minérios, e o desgaste dos solos, o desperdício e a poluição dos recursos hídricos, em função do negócio agropecuário. Isso sem falar no desfrute de mão-de-obra mal paga e pouco qualificada”.

Multinacionais e o biodiesel

Enquanto isso, a novidade Biodiesel vai ganhando espaço nos experimentos das multinacionais.

Em abril deste ano, foram iniciados os testes com Biodiesel B5 em 6 veículos Ford Ranger. O projeto envolve o governo da Bahia, Ford, Universidade Salvador, Siemens VDO, MWM International, TI Automotive, Mahle e Michelin. Será avaliado desempenho, emissão de poluentes e desgaste de cada um destes motores em comparação ao diesel fóssil.

A Cummins – fabricante mundial de motores de caminhões, navios, geradores…, aprovou, nos Estados Unidos, o uso de misturas de biodiesel em até 20%, o chamado B20, em motores que saíram das linhas de montagens a partir de 2002.

A Ericsson, GSMA e a Idea Cellular uniram-se para tornar viável o biocombustível como fonte energia em redes sem fio na áreas rurais da Índia. Na Nigéria, um projeto tenta demonstrar o potencial do biodiesel como substituto do diesel em estações de rádio móveis localizadas onde não há energia elétrica.

Na Malásia tem frotas experimentando o Envodiesel, que é a mistura pura e simples de 5% de óleo de dendê ao diesel fóssil (não é biodiesel).

Conclusões

Há anos, a matriz de combustíveis está ancorada nos fósseis. Os “Senhores do Petróleo” mandam e desmandam no Brasil.

E eles, neste momento, estão boicotando as bioenergias distribuídas e provocando a maior confusão na questão das fontes alternativas de energia. Fala-se em uso de hidrogênio, HBio, álcool de frutas, água, eletricidade para substituir o petróleo… não explicam direito o que é o Biodiesel… O consumidor não sabe o que fazer porque carece de fonte segura de informações. O tema está encastelado!

Mas precisamos pensar juntos. Neste momento:
– o Brasil não é mais dependente do petróleo externo,
– o Brasil possui tecnologia mundialmente reconhecida para a produção de biocombustíveis diferentes do Biodiesel,
– e a comunidade internacional está afirmando que o Brasil é a solução para a substituição do uso dos combustíveis fósseis pelos biocombustíveis.

Com estas vantagens a nosso favor devemos exigir que os Administradores do Brasil, em proteção aos interesses do povo brasileiro, enfrente as empresas petrolíferas e assuma a seguinte posição: “Enquanto prevaleceu o combustível fóssil, vocês (petroleiras estrangeiras) mandaram e impuseram. Agora as condições mundiais mudaram e estamos com todas as cartas na mão. Chegou a hora de romper este pacto de adesão corporativista que o Brasil tem com vocês”.

Enquanto isso não ocorrer, continuaremos coniventes com um dos maiores crimes lesa-pátria: um ESTELIONATO ENÉRGETICO com graves prejuízos ao povo brasileiro.

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa televisivo Eco&Ação, email: ana@ecoeacao.com.br
Thomas Renatus Fendel, engenheiro mecânico, email: thomas@fendel.com.br

In www.EcoDebate.com.br – 31/07/2007

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