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Energia eólica: vantagens, desafios e eficiência. Entrevista especial com Júlio César Passos

Qual é o rumo que o País tomará em relação à produção de energia? Essa é uma das perguntas que permeiam os movimentos sociais em prol do consumo de energia que não denigra o nosso meio ambiente e o nosso povo. Assim, a IHU On-Line entrevistou o professor Júlio César Passos, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que é membro organizador da Eco Power Conference, que acontece de 28 a 30 novembro em Florianópolis. Nesta entrevista, concedida por e-mail, o professor fala sobre energia eólica e dos incentivos em relação à produção de energias alternativas.

Júlio César Passos trabalha no Laboratório de Engenharia de Processos de Conversão e Tecnologia de Energia do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina e é um dos integrantes do Comitê Técnico da Eco Power Conference.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que vantagens ambientais e socioeconômicas a energia eólica propõe?

Júlio César Passos – A principal vantagem é tratar-se de uma fonte renovável de energia que não agride o meio ambiente. A energia eólica também pode auxiliar na conservação ou regulação de outras fontes devido à complementaridade. Por exemplo, a geração de eletricidade a partir da energia eólica pode possibilitar o armazenamento de água dos reservatórios de usinas hidrelétricas, em períodos de seca, desde que se tenha um bom procedimento de previsão de capacidade de geração eólica. A energia eólica, assim como outras fontes renováveis de energia, dentre elas a solar e a biomassa, são apontadas como capazes de permitir que alcancemos, nas próximas décadas, um desenvolvimento sustentável.

É importante lembrar que na Alemanha, energia eólica é sinônimo de indústria com alto valor agregado e empregos bastante especializados. Além disso, a indústria eólica na Alemanha também permitiu que fossem criadas várias pequenas empresas de fabricantes de componentes, freios, instrumentação, além de empresas de serviços de serviços de montagem e reparos de aerogeradores. Por que não poderemos, também, partir para este tipo de empresas? Isto será possível desde que o Brasil opte por desenvolver tecnologias das indústrias de energias renováveis, de um modo geral. Caso contrário, seremos apenas importadores de tecnologia.

IHU On-Line – Dizem que esse tipo de energia é mais cara do que a gerada pelas hidrelétricas…

Júlio César Passos – Sim, de um modo geral, as tecnologias baseadas nas energias que são intrinsecamente intermitentes, como o são a eólica e a solar, são bem mais caras do que a gerada por hidrelétricas. Por sua vez, as hidrelétricas de grande porte são bem mais baratas do que as PCHs-Pequenas Centrais Hidrelétricas (com potência menor do que 30 MW (trinta megawatt)). No último leilão do Proinfa – Programa de Incentivo à Geração de Eletricidade por Fontes Alternativas, a remuneração do MWh (megawatt-hora) de energia eólica, para o parque Eólico de Osório, foi fixada em R$ 231,00 enquanto o MWh de fonte hídrica (PCHs) ficou entre R$ 110,00 e R$ 114,00. Portanto, a participação da energia na matriz energética deve ser vista como complementar, em função de seu elevado custo e do seu caráter intermitente.

IHU On-Line – Como o senhor percebe os investimentos nessa área? Falta incentivo do governo para que mais empresas apostem nesse segmento?

Júlio César Passos – No Brasil, apesar de ainda nos encontrarmos em um estágio inicial já demos o primeiro passo com a aprovação de projetos pelo Proinfa – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, que exige o índice de nacionalização mínimo de 60% e que prevê completar a instalação de 1420 MW (mega watts) de potência de aerogeradores (AGs). Atualmente, estima-se que a capacidade instalada, no Brasil, situa-se em torno de 230 MW. O Brasil já fabrica pás para grandes AGs, há bastante tempo, em Sorocaba-SP, onde há duas fábricas de pás. Também já temos duas fábricas de máquinas que fabricam esses modernos e grandes AGs no Brasil: trata-se da Wobben Windpower, da subsidiária alemã Enercon (maior fabricante alemão), com uma fábrica no Ceará e outra em Sorocaba.
Mas os incentivos do Proinfa parecem não ser ainda suficientes para atrair um maior número de investidores. Também o número de pesquisas com a participação de universidades, governo e empresas ainda é pequeno e de forma descontinuada.

IHU On-Line – Por que só agora o País demonstra mais interesse em investir nesse tipo de energia?

Júlio César Passos – É largamente conhecido que a queima de combustíveis fósseis produz dióxido de carbono (CO2) que contribui pra o aquecimento da atmosfera terrestre. A energia eólica aparece como uma possibilidade de energia limpa, complementar às outras fontes.

IHU On-Line – Para que a energia eólica seja mais eficiente, em que lugares do País deveriam ser construídos os parques eólicos?

Júlio César Passos – No Sul do Brasil, existem as localidades de Palmas (PR), Laguna (SC), Água Doce (SC), Bom Jardim da Serra (SC) e Osório (RS), com bons ventos para geração eólica. Ventos bons são aqueles que atingem pelo menos uma média anual de seis metros por segundo. Os ventos do litoral do Nordeste do Brasil, principalmente no Ceará e no Rio Grande no Norte, são excelentes e chegam a alcançar uma média anual de oito metros por segundo. É importante que a velocidade do vento, ao longo do ano, apresente-se relativamente uniforme a fim de permitir um funcionamento do AG sem muita manutenção. Apesar de grande, os modernos AGs necessitam de proteção e são colocados em situação de não-rotação (parada), quando a velocidade do vento é muito elevada, acima de 25 m/s.  Uma rajada de vento muito forte, por exemplo, poderia quebrar o aerogerador, que pode ser considerado como um computador grande programado para gerenciar várias tarefas, inclusive conectar e desconectar o gerador elétrico do AG à rede elétrica, mudar a orientação do AG em relação ao vento, variar o ângulo das pás, entre outras.

IHU On-Line – A Região Norte do País poderia ser beneficiada com esse tipo de energia?

Júlio César Passos – Infelizmente, a Região Norte não possui ventos com boa velocidade que permitam o investimento de grandes AGs. Apesar disto, alguns projetos pilotos com pequenos aerogeradores foram desenvolvidos pela UFPA – Universidade Federal do Pará em localidades isoladas, onde não há redes elétricas. Neste caso, a energia elétrica gerada por esses pequenos aerogeradores é armazenada em bancos de bateria.

IHU On-Line – Como o senhor percebe o parque eólico de Osório no Rio Grande do Sul? Ele pode servir de modelo para a construção de outros parques no Brasil?

Júlio César Passos – O parque de Osório apresenta como principal novidade o fato de que suas máquinas são as maiores até agora instaladas, no Brasil, com AGs de 2MW, com 71 metros de diâmetro de rotor e eixo a 98 m do solo. Portanto, são máquinas maiores do que aquelas instaladas em Santa Catarina (600 kW) e mesmo no Ceará e Rio Grande do Norte. Se quisermos avançar no conhecimento do funcionamento desses parques, será fundamental a instrumentação com anemômetros e o acompanhamento do que está sendo gerado em cada parque, ao longo de vários anos. Quais são as interferências, por exemplo, que a energia gerada por esses parques podem causar quando lançada na rede elétrica? Na Alemanha, é assim que tem sido feito, e isto explica por que os alemães estão na frente e exportam tecnologia. Além disso, a pesquisa aplicada nesta área também pode ser geradora de mão de obra altamente especializada.

IHU On-Line – O Brasil perdeu espaço na corrida pela energia eólica para países como Alemanha e EUA?

Júlio César Passos – A energia eólica para geração de eletricidade está associada aos modernos aerogeradores (AGs) de eixo horizontal, com três pás, conectados diretamente à rede elétrica, cujos diâmetros já chegam a passar de 110 m, ou seja, equivalente ao comprimento de um campo de futebol. Os AGs são máquinas de alta tecnologia e compõem-se de vários sistemas operando por meio de computadores que podem mudar o ângulo das pás em relação ao vento, a fim de se obter maior aproveitamento da energia do vento. O campeão mundial de número de máquinas instaladas, quase 20.000 AGs, é a Alemanha, cuja capacidade instalada é de 21.000 MW (megawatts), seguida pela Espanha e pelos EUA, ambos em torno de 10.000 e 9.000 MW, respectivamente. No caso da Alemanha, é importante observar que a energia eólica representa uma verdadeira indústria, geradora de milhares de empregos.

Os estudos não param e novos desafios surgem para os fabricantes. Com o aumento do tamanho médio dos aerogeradores, tem sido possível diminuir o preço por kW (quilowatt) instalado. A instalação de aerogeradores em parques offshore também coloca outros desafios, no que se refere à resistência de novos materiais. O fabricante Enercon, líder da Alemanha, desenvolveu um aerogerador em que não há caixa de transmissão permitindo o acoplamento do eixo da turbina diretamente ao eixo do gerador elétrico.
Portanto, trata-se de uma tecnologia bastante sofisticada, na qual o Brasil começa a dar os primeiros passos.

Mas é necessário dar mais incentivos para a pesquisa nessa área, não apenas para a tecnologia da máquina, mas também para a questão do potencial eólico e para a previsão de ventos para a geração de eletricidade. Por exemplo, ainda não dispomos de dados do vento de longo prazo (10 anos ou mais), o que é fundamental para se determinar o potencial eólico confiável de um lugar. Na UFSC, orientamos uma dissertação de mestrado, defendida em março de 2007, com dados de vento fornecidos pela Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina), onde se analisou o potencial eólico de vários sítios eólicos de Santa Catarina como também se implementou um método de previsão de ventos, a partir de dados de vento calculados através de modelos meteorológicos pelo CPTEC-INPE.

IHU On-Line é a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. (www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pela IHU On-Line – 20/09/2007