Desenvolvimento social não acompanha expansão do PIB
Ficou mais evidente que crescimento econômico nem sempre significa melhoria de vida para todos: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), relançado ontem no XX Fórum Nacional, ainda está longe de acompanhar o Produto Interno Bruto (PIB) no País. O indicador que mensura aspectos importantes na vida dos cidadãos – saúde, educação, trabalho, rendimento e habitação – avançou apenas 1,6% no ano passado, enquanto o PIB cresceu 5,4%. A comparação do IDS com o crescimento do PIB per capita também explicita o secular paradoxo do Brasil. Da Gazeta Mercantil, 28/05/2008.
As maiores contradições entre crescimento versus desenvolvimento social acontecem nos Estados Rio de Janeiro, Mato Grosso, Amazonas e Pernambuco, segundo estudo divulgado pelo especialista Roberto Albuquerque, diretor-técnico do Fórum Nacional, do Instituto de Altos Estudos (Inae). O Sudeste, por sua vez, é a região que mais abriga a disparidade.
“Por que há essa diferença entre renda per capita e desenvolvimento social principalmente no Rio de Janeiro e em outros estados? É uma pergunta que devemos fazer.” O bolo cresceu, mas não foi distribuído, prática comum no Brasil desde os primórdios, como destacaram no fórum historiadores, antropólogos, cientistas políticos e economistas presentes no evento.
“Na agenda da elite não entram problemas crônicos do Brasil. O nosso problema é viver situações onde tem igualdade de pensamento e o estilo de governar é mais forte que os ideais”, afirmou o antropólogo Roberto da Matta, escritor e professor da Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). O pesquisador, como outros que palestraram após os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), levantaram questões que vão além da economia, para mostrar que nem tudo está indo tão bem no País.
O jornalista Rodrigo de Almeida, pesquisador do IUPERJ, questionou “O Brasil tem jeito?” O trabalho, elaborado por ele em parceria com Arthur Ituassu, professor da PUC, reúne estatísticas que não costumam ser abordadas pelos governantes. Confronta dados perturbadores de saúde, educação, Justiça e segurança pública com o aumento veloz da arrecadação.
Rodrigo de Almeida mostrou que a população brasileira cresceu 346% desde a década de 1950. O crescimento da urbanização superou 800% nesse período. “Os investimentos em saúde acompanharam esse movimento?” No Brasil, investe-se ao ano cerca de US$ 500, menos que na Argentina, enquanto os gastos nos Estados Unidos e Europa são de US$ 7.000 e US$ 5.000. Tem-se um juiz para cada 30 mil habitantes, quando na Alemanha a razão é três juízes para mil cidadãos. No Pará, lembraram os pesquisadores, 95% dos assassinatos ficaram sem resposta da Justiça nos últimos anos. Nas prisões, 26% dos presos não exercem atividade. E apenas 62 das 200 mil escolas públicas têm padrão de primeiro mundo, conforme dados dos pesquisadores. “Que bens realmente públicos possuímos”?, indagaram.
Há quem diga que todas essas mazelas não podem ser debitadas na conta de um único governo. O próprio presidente Lula, no dia anterior, defendeu que violência e inflação não podem ser atribuídas exclusivamente ao seu governo, mas a toda uma história de pouca distribuição de renda e níveis baixos de educação. A historiadora e escritora Mary Del Priore narrou, na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como a raiz do problema da impunidade e do mau uso da máquina pública fortaleciam senhores de engenho e funcionários públicos quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. O problema continuou por décadas e se estende até os nossos dias.
Apesar das críticas sobre a situação precária de saúde e educação, os programas sociais do governo, resumidos no Bolsa-Família, foram elogiados no Fórum por participantes. O Prêmio Nobel Edmund Phelps lembrou que o mecanismo está reduzindo expressivamente a pobreza e, paralelamente, aumentando a escolarização. De fato, os indicadores mostram redução expressiva da miséria e alta nos níveis de escolarização. A extrema pobreza, por sua vez, foi reduzida à metade bem antes do prazo estipulado pela ONU para o cumprimento das metas do milênio.
Voltando ao indicador de desenvolvimento social, o mesmo estudo dos organizadores do Fórum mostra que também acontece desenvolvimento social maior que crescimento econômico. Os melhores exemplos disso são Paraná e Santa Catarina.
O desenvolvimento social superou o crescimento econômico no Ceará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás. Mas, como a concentração de renda é mais forte no Sudeste, e a região tem expressiva relevância, o País, na média, mostra que o social não acompanha a economia. Os estados com os maiores IDS são Distrito Federal, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul. O IDS foi reelaborado pelo Inae com base no indicador similar anterior, de 2004. Os indicadores refletem estudos anteriores feitos desde o início da década de 1990 pelo Fórum com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).