Progresso em questão: Sábios dizem como mudar nosso olhar, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Há poucas semanas (3/7) foi mencionado aqui [Controlar trilhões resolverá tudo?]o relatório produzido pela chamada Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, liderada pelos Prêmios Nobel Joseph Stiglitz e Amartya Sen e encarregada pelo presidente da França de definir novos caminhos para avaliar a situação do mundo que superem as limitações dos indicadores apenas econômicos e financeiros – cuja precariedade ficou evidenciada na não-previsão da atual crise global. Seria importante que muitas pessoas tomassem conhecimento dessa primeira versão já trabalhada durante mais de um ano e a discutissem, já que os autores pedem “contribuições da sociedade”.
O texto começa pela afirmação de que “há grande distância” entre as medidas comumente usadas por especialistas para avaliar importantes variáveis socioeconômicas (como crescimento, inflação, desigualdades sociais, etc.) e a percepção que delas tem a sociedade. O “gap” é tão profundo e universal, diz a comissão, que não pode ser explicado apenas por ilusões monetárias ou pela psicologia humana. Por isso, enfatiza, “o aparato estatístico precisa ser revisto”. A começar pela tendência de avaliar o progresso apenas pelo crescimento do produto interno bruto (PIB) – e aí é preciso ver quais são as limitações desse caminho para calcular o desempenho econômico e o progresso social. Em seu trabalho, a comissão tentou listar que informações adicionais precisam ser acrescentadas, de modo a poder apreciar igualmente o bem-estar social e a sustentabilidade (econômica, social, ambiental).
Tentar medir tudo isso com apenas um indicador, um número, é inadequado, diz. Adicionar muitos números pode simplesmente gerar confusão. Por isso a comissão escolheu três caminhos:
Avaliar as limitações do PIB como indicador de progresso socioeconômico;
incluir formatos de avaliação da qualidade de vida;
adicionar formatos de avaliação da sustentabilidade do desenvolvimento e do meio ambiente.
O problema com o PIB, afirma a comissão, começa em que ele só mede a produção em valores de mercado, mas é comumente encarado como se fosse medida de bem-estar econômico. É um critério que não leva em conta o fato de não existirem preços para certos bens e serviços, como a qualidade dos serviços de saúde e educação, o trabalho doméstico ou em lares que cuidam de crianças e muitos outros. Mas como avaliá-los? O PIB é também um indicador que não considera danos ambientais na produção ou no consumo que não estejam embutidos nos preços de mercado (neste ponto, é inevitável lembrar mais uma vez o falecido secretário nacional do Meio Ambiente José Lutzenberger, segundo quem não há nada melhor para o crescimento do PIB que um terremoto, porque os prejuízos não entram na conta, enquanto as obras de reconstrução o fazem subir). Além disso, há certas mudanças de qualidade muito rápidas – como nas áreas de comunicação e informação, entre outras – que são difíceis de medir e deixam de ser incorporadas. Isso ocorre também com transações por via eletrônica. O resultado final é que o PIB pode superestimar ou subestimar muitas coisas.
Cinco caminhos foram então escolhidos nessa tentativa de lidar com as deficiências do PIB:
Considerar nas contas nacionais outros indicadores além do PIB;
avaliar melhor o desempenho de atividades-chave hoje esquecidas, principalmente serviços de educação e saúde;
incorporar nos cálculos atividades domésticas e até valorar o padrão de vida;
levar em consideração informações sobre distribuição da riqueza e da renda;
e ampliar a avaliação de atividades fora do mercado que hoje não se refletem nas contas nacionais.
Um dos exemplos mencionados com mais ênfase é o dos serviços domésticos, que, para a comissão, podem equivaler a 30% do PIB. Atividades de lazer podem valer mais ainda. E seria preciso também levar em conta diferenças hoje esquecidas, como as que separam duas pessoas com a mesma renda – por exemplo, morar em casa própria ou em residência alugada. Ou a depreciação rápida de bens de vida curta, como computadores e softwares, que não podem ser avaliados pelos mesmos critérios de uma usina de fabricação de aço, por exemplo, em geral de vida longa.
Mais grave e complicado ainda é não levar em conta, hoje, a depleção de recursos naturais já escassos, assim como a deterioração do meio ambiente. São ângulos decisivos na grave crise ambiental enfrentada pelo planeta, mas que não se refletem nas contas do PIB. Como lembra essa comissão, há até lobbies em plena ação para impedir que essas contas sejam feitas, dada a repercussão que terão em certos setores de atividades econômicas.
Outro aspecto: as atuais contas, por exemplo, não consideram no PIB remessas de lucros para fora dos países onde foram gerados, que têm forte influência tanto nas contas nacionais como no cálculo da renda total e pessoal. É citado o caso da Irlanda, onde a contabilização desse tipo de remessa reduziria o PIB em 10%. Mais um aspecto: capital humano, que pode significar 80% de toda a riqueza, também não entra nas contas do PIB.
Um dos ângulos mais complexos está nos campos da educação e da saúde, na valoração de seus benefícios. Um exemplo dado é a avaliação de recursos aplicados pelos governos em educação: deve-se julgar apenas pelo montante de dinheiro ou pelas transformações resultantes? Como deve ser calculado o investimento por aluno se se decide ter menos alunos por classe e dar-lhes mais qualidade e tempo de ensino?
São muitos os ângulos e questões. Vale a pena conhecê-los, acompanhar as discussões, delas participar. Afinal, de encaminhamentos como esse depende a evolução dos nossos modos de avaliar governos e sociedades, encontrar rumos mais adequados para sair da atual crise e assim seguir vida afora.
Washington Novaes é jornalista . E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
* Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 27/07/2009
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