Pela construção de um processo de comunicação mais democrático. Entrevista especial com Cesar Bolaño
Cesar Bolaño, professor da Universidade Federal de Sergipe, concedeu a entrevista, por telefone, à IHU, Cesar BolañoOn-Line, sobre a Conferência Nacional de Comunicação. Ele falou de suas expectativas em relação a este evento, que é considerado uma das grandes reivindicações de quem luta pela democratização da comunicação no Brasil. Bolaño discorreu igualmente sobre os debates em torno da decisão do STF sobre a desobrigatoridade do diploma de jornalismo para atuar nesta profissão e sobre como as tecnologias da comunicação estão sendo utilizadas como ferramentas de mobilização. Sobre a TV digital no Brasil, ele questiona: será que a TV digital vai vingar num país como o Brasil, tendo em vista que não está oferecendo nada de novo em relação à televisão que já existe?
Graduado em jornalismo pela Universidade de São Paulo, Cesar Bolaño é doutor em Ciência Econômica, pela Universidade Estadual de Campinas, e pós-doutor em Comunicação pela USP. Também é autor de Economia política da Internet (Aracaju: Editora UFS, 2007), Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? (São Paulo: Paulus, 2007) e Comunicação, educação, economia e sociedade no Brasil – Desenvolvimento histórico, estrutura atual e os desafios do século XXI (São Cristóvão-Sergipe: Editora UFS, 2008), entre outros.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual sua expectativa para a Conferência Nacional de Comunicação?
Cesar Bolaño – Minha expectativa é de que haja um debate muito profícuo daqui até lá, com uma importante participação da sociedade civil. A coisa mais importante que vamos conseguir com este processo será ampliar o debate para além dos círculos de ativistas pela democratização da comunicação.
As organizações têm um papel muito importante neste processo, mas é preciso ir além daquelas que já têm participado. Elas têm essa possibilidade hoje de atuar nas bases da sociedade civil. Esse é o elemento mais importante, no meu ponto de vista, ou seja, colocar as questões no âmbito mais amplo possível, apesar de sabermos que a mídia hegemônica não dará a divulgação que gostaríamos.
IHU On-Line – Diante do atual cenário da comunicação no Brasil, que mudanças deverão ser discutidas e desenvolvidas em relação às políticas da área, a partir da Conferência?
Cesar Bolaño – Temos uma pauta de discussões sobre esse tema que já é antiga e bastante conhecida. O grande problema é que as políticas de comunicação no Brasil têm a característica de privilegiar os interesses hegemônicos. Nesse sentido, não dá para ter muitas esperanças. Ainda assim, há temas que são básicos, como a propriedade de concessões de radiodifusão por parte de políticos, o que no Brasil é muito comum e é um problema grave da estrutura democrática do Estado brasileiro. Tem alguns temas que são recorrentes e que poderiam ser resolvidos como, por exemplo, uma política ampla para o audiovisual, tanto do ponto de vista da política industrial, quanto do ponto de vista do Estado. São velhas questões que estão postas aí.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a questão do diploma de jornalismo?
Cesar Bolaño – Penso que a decisão do STF, independente de ser a favor ou contra o diploma, foi lamentável, pois simplesmente não levou em consideração qualquer opinião. Eles usaram um argumento que eu considero falacioso. Dizer que se garante a liberdade de expressão eliminando a exigência do diploma, são coisas que não têm nada a ver uma com a outra. O problema está justamente no fato de que os meios de comunicação são monopolizados por empresas e mercados altamente concentrados, de maneira que a liberdade de expressão da imensa maioria da população é limitada por isso e não pelo fato de o jornalista dispor ou não do diploma. Estive presente no ato lá no STF e não gostei de como a discussão foi encaminhada.
IHU On-Line – Em sua opinião, qual é o papel do jornalismo hoje no mundo?
Cesar Bolaño – O jornalista é um trabalhador que atua numa empresa de comunicação. O problema é que a mídia hegemônica é altamente concentrada e o profissional é obrigado a aceitar as determinações que vêm do empresariado. Por isso, o grande problema do jornalismo e das dificuldades de ampliar o direito à informação reside justamente nisso. Por isso, creio que a solução que foi dada no STF contribui para uma maior concentração ainda e para ampliar o poder das empresas frente aos trabalhadores.
IHU On-Line – Mudando de assunto, a TV digital, em sua opinião, no Brasil, será democrática?
Cesar Bolaño – Em princípio não, em função de como a questão foi definida. Aparentemente, houve uma preocupação em manter o status quo na área de radiodifusão no Brasil. No entanto, isso não é definitivo, porque há pressões muito fortes, tanto do mercado, quanto dos movimentos pela democratização da comunicação, que podem ter algum impacto nesse sentido. O problema é saber se a TV digital, de fato, vai acontecer. Essa é a grande questão que está posta hoje. Será que a TV digital vai vingar num país como o Brasil, tendo em vista que não está oferecendo nada de novo em relação à televisão que já existe?
IHU On-Line – Quais são, hoje, os principais desafios da comunicação no Brasil?
Cesar Bolaño – Acho que o principal desafio da comunicação no Brasil é a democratização. É reverter a estrutura de poder, extremamente concentrado, que existe há muito tempo. A transição democrática só será concluída na medida em que os meios de comunicação forem democratizados também.
IHU On-Line – O celular e o Twitter estão sendo utilizados como ferramentas de mobilização e protesto atualmente no Irã. O Brasil já sabe do poder das tecnologias da informação e das redes sociais?
Cesar Bolaño – Acho que sim. O grande problema não é a possibilidade de usar esses meios que estão aí, disponíveis. O problema é que o próprio desenvolvimento da internet carrega uma espécie de desmobilização também. No Irã aconteceu uma revolução nos anos 1970, com os meios disponíveis naquele momento. Então, hoje, eles estão fazendo manifestações tão importantes e interessantes em um Estado tão autoritário como o que vivem, e estão se valendo desses meios, mas poderiam estar usando outros. Acho que a questão central é que não é a tecnologia que nos libertará. O que nos libertará é a nossa consciência e a nossa capacidade de ação política. Então, nesse sentido, o Irã, hoje, está muito na frente de países que são mais democráticos.
(Ecodebate, 16/07/2009) publicado pelo IHU On-line, 15/07/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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