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Governo Lula abriu mão da agenda ambiental. Agora é crescimento sustentado e não sustentável. Entrevista com Marcelo Furtado

Uma das organizações ambientais mais atuantes do mundo, conhecida por não aceitar doações de governos nem empresas e com 35 mil filiados no Brasil, o Greenpeace se diz preocupado com o comportamento do governo Lula no meio ambiente. Embora simpático ao novo ministro, Carlos Minc, o Greenpeace acendeu uma espécie de luz amarela depois das declarações do novo presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, que prometeu acelerar os licenciamentos, inclusive de Angra 3, além de priorizar a liberação das obras do PAC. Em entrevista a Soraya Aggege e publicada pelo jornal O Globo, 25-05-2008, o engenheiro químico Marcelo Furtado, de 44 anos, diretor de campanhas do Greenpeace, diz que há um “espírito de aprovação prévia” hoje no Ibama.

Eis a entrevista.

O Greenpeace fez duras críticas ao governo após a saída de Marina Silva do Meio Ambiente. Afinal, realmente mudou alguma coisa com Carlos Minc?

Ele tem um trabalho enorme pela frente, no sentido de resgatar a credibilidade do ministério, que foi embora com Marina. Ele terá que provar agora que, na busca de fazer um licenciamento mais eficiente, não comprometerá a integridade das análises.

Qualquer brasileiro é a favor de desburocratizar as coisas neste país, mas nossa grande preocupação é que, na busca deste processo, não se comprometa a integridade ambiental da análise. O novo presidente do Ibama, Roberto Messias, já acenou que não só vê todas as obras do PAC como prioridade para o país, como já acena que Angra 3 está perto de ser finalizada. Angra 3 é algo muito complexo porque não há o que fazer com o lixo nuclear.

Ele não pode ser mantido dentro da usina eternamente. Outro problema muito sério é que nem todas as obras do PAC não terão problemas ambientais.

Afirmar já de saída que essas obras são prioridade cria uma sensação de que há um espírito de aprovação prévia, o que nos deixa muito preocupados, porque queremos garantir que essas análises serão feitas com cuidado.

‘É como uma licença política para desmatar’

Como você vê a agenda ambiental do governo?

O problema é que o governo Lula abriu mão da agenda ambiental. Com a saída de Marina, acenou que agora o negócio é crescimento sustentado, e não crescimento sustentável. Assim, uma declaração como essa do novo presidente do Ibama nos deixa muito preocupados, porque parece mais cunhada para a ministra Dilma Rousseff que para o ministro Carlos Minc, que disse que aceleraria processos mas não comprometeria a qualidade ambiental.

Então o discurso de Minc está desvinculado da realidade que o Ibama estaria colocando e do próprio projeto do governo e de Dilma?

Dá para sentir que há uma mensagem ambígua, e nós já vimos esse filme antes. Por exemplo, quando o Ministério do Meio Ambiente disse que a Amazônia não era lugar para soja e gado e o Ministério da Agricultura considerou um bom lugar. Recentemente tivemos prioridades conflitantes e o resultado foi que o índice de desmatamento subiu. A fronteira agrícola também avançou: hoje temos mais cabeças de gado do que habitantes.

Como o Greenpeace assiste a essas divergências entre Minc e Blairo Maggi?

O problema é que há um conflito de modelo. Maggi agora defende abertamente uma plataforma que é um suicídio para o país e para o próprio agronegócio. Ele defende o avanço da fronteira agrícola até sobre a Amazônia. Lá é a nossa grande caixa d’água. Declarações como a de Maggi só incentivam o agricultor a desmatar. É como se desse uma licença política para desmatar. Na Amazônia nós temos um vácuo de governança, uma ausência do estado.

E a proposta da polícia ambiental?

Toda iniciativa que leva mais governança à Amazônia é importante.

Além da Amazônia, quais os desafios para Minc?

O próximo será o setor energético. Cerca de 23% das nossas emissões vêm do setor de energia. O Brasil precisará pensar uma matriz limpa. A tendência hoje, pelos planos do Ministério de Minas e Energia, é sujar nossa matriz com carvão, diesel, nuclear e mesmo o hidrelétrico. Em vez de Angra 3, deveríamos estar fazendo um grande parque eólico no Nordeste. Outro desafio é a poluição industrial. Um terceiro desafio é a poluição das grandes cidades.

E os biocombustíveis?

Eles não são a salvação da lavoura, por isso não concordamos quando Lula diz que o Brasil pode ser a Arábia Saudita verde. Outro ponto é que precisa ser regulamentada. Não há controle nem garantias de que não atingirá as florestas, o uso da água, os insumos químicos, o impacto social.

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 25/05/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]