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O mundo sem humanos. Um exercício fascinante de ecologia-ficção

[IHU On-line] Façamos um exercício de imaginação apocalíptico proposto por especialistas. Como seria o planeta se de repente desaparecêssemos todos? O que aconteceria um dia depois? E passados 300 mil anos? Cidades invadidas pela vegetação e animais. Atmosfera radioativa. A ‘viagem’ resulta inquietante. Passado um ano de abandono, o asfalto das ruas ficaria cheio de fendas. Delas sairiam plantas e musgos. Os cavalos poderiam sobreviver. Os cachorros dificilmente. As baratas e os ratos viveriam com dificuldades em um clima frio. As construções restariam como o único vestígio cultural. Os grandes museus e as suas obras durariam dois séculos.O que mais resistiria? Os trabalhos feitos com plástico e PVC, bronze, vidro e fibra de vidro. Recuperar integralmente a atmosfera que respiramos antes da era industrial levaria 300 mil anos.

O exercício acima é proposto por Alan Weisman no livro O mundo sem nós (Planeta Brasil – 2007). Após entrevistar especialistas – zoólogos, biólogos, engenheiros e paleontólogos, – Weisman faz revelações fascinantes e, ao mesmo tempo, perturbadoras sobre o impacto da humanidade no planeta.

Um pouco desse mundo sem humanos é sintetizado em artigo no jornal El País, 14-10-2007 por Luis Miguel Ariza. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Imagine por um momento que um dia amanhece e você descobre que é o único habitante da terra. Durante a noite, a totalidade da humanidade evaporou-se por arte da magia. Se você vive em uma cidade, descobriria que as ruas estão vazias, os automóveis parados, ainda que os semáforos continuem funcionando. As chaminés de algumas fábricas seguem soltando fumaça, mas no seu interior não tem ninguém. As luzes noturnas continuam acesas nos edifícios das grandes empresas, hospitais, grandes depósitos e os painéis luminosos dos anúncios comerciais acendem e apagam. Você se sente em estado de pânico, preso a uma mescla indefinida de solidão. Acende os interruptores de sua casa. Ainda há luz. A geladeira ainda funciona. Mas o rádio é só um chiado, não há vozes, o mesmo acontece com a televisão.

Então se pergunta: O que vai acontecer? Terei luz por quanto tempo? Intui que não terá problemas com a alimentação, basta entrar em qualquer supermercado. E o que vai acontecer daqui a um ano? E daqui dez anos? A sua imaginação se transporta para o futuro, um século para frente, ou ainda dez séculos, centenas de milhares de anos, bilhões de anos. Como ficará o mundo, as cidades, os animais e o clima? Poderia a natureza curar-se do inquestionável dano cometido pelo homem? Sem dúvida, trata-se de uma experiência da ecologia impossível de realizar.

Para encontrar uma resposta, Alan Weisman, professor de jornalismo da Universidade de Arizona, reputado escritor de ensaios científico em revistas como Discover ou The New York Times, decidiu consultar dezenas de especialistas em ecologia, biologia da extinção e engenheiros e agrupar todas as respostas em um livro que acaba de sair nos Estados Unidos, The world without us (O mundo sem nós).

Chegará um momento em que os interruptores da luz deixarão de funcionar. A maioria das centrais elétricas tem sistemas de segurança que cortam o funcionamento se detecta que não existe manutenção regular. E as térmicas que queimam carvão ou petróleo para produzir eletricidade? Seriam as primeiras a parar. E quanto às hidrelétricas, uma tempestade pode jogar sujeira, galhos… e a qualquer momento obstaculizar a saída da água e a produção elétrica. Weisman descreve o caso da cidade do Panamá, onde “os seres humanos controlam a força caudal do rio Chagres para ver quando é preciso abrir as comportas e deixar a água passar”. Sem esse controle, a eletricidade não demoraria em acabar. Questão de poucos dias.

Se você vivesse em uma cidade alimentada por uma central nuclear, é possível que conseguisse um pouco de tempo extra de energia, ainda que o preço seja caro. Sem manutenção, uma central nuclear corta o fornecimento de energia. A central de Palo Verde, nos EUA, é uma das mais modernas e dispõe de geradores a diesel capaz de manter funcionando o circuito durante sete dias. Depois, sem água que o esfrie, o reator fundiria. As 441 plantas nucleares que existem no mundo entrariam, uma a uma, no piloto automático e queimariam liberando o seu conteúdo radioativo na atmosfera. E isso apenas dez dias depois de iniciado o pesadelo. Agora o mundo que você conhecia está às escuras. E o seu ar muito mais radioativo.

Com o tempo, os edifícios e as estruturas urbanas tampouco permaneceriam impassíveis. O grande inimigo, diz Weisman, é a água. No caso da ilha de Manhattan, muito rica em fontes e aqüíferos subterrâneos, os engenheiros tem que constantemente bombear água para que os túneis do metrô não inundem, em dias ficariam alagados. Algo parecido aconteceria em Londres, Washington e Nova York.

Passado um ano, a cidade em você vive já teria um aspecto totalmente diferente. O asfalto das ruas teria rachado, conseqüência da água infiltrada que no inverno se congela e se expande quando chega o tempo quente. Nessas rachaduras começam a brotar plantas e musgos e depois de uns anos, árvores. As cidades se transformariam em florestas.

E quantos as casas, o processo destrutivo começaria pelo teto que conectam uma parede vertical à outra e que são os pontos mais frágeis. Nessas junções infiltra-se a água. As goteiras são inevitáveis. “Qualquer pessoa que se ocupa da manutenção de edifícios sabe disso”, explica Weisman. Em uma ou duas décadas, a estabilidade estaria comprometida. Em 50 anos vai ao chão, no máximo em 80.

E os edifícios maiores, como os grandes museus, podem durar um pouco mais, quem sabe dois séculos até que a infiltração da água por cima e por baixo arruinará tudo, inclusive as obras de arte que Weisman classifica como um criadouro de insetos. A umidade e as matérias orgânicas são um caldo perfeito para a explosão de bactérias; pinturas e afrescos arruinados, obras de artes, livros e filmes sem pessoas encarregadas de sua manutenção desapareceram. Com exceção das obras de cerâmicas. São extraordinariamente resistentes. O barro restaria quase como o único elemento da arte.

A arqueologia das ruínas maias nos oferece uma pista do aspecto que teriam Madri ou Nova York com o passar dos séculos, ainda que o material de que foram feita – pedra natural na maioria dos casos – seja muito mais resistente que o concreto armado das construções do século XXI. Ainda não estão claras as causas do desaparecimento da civilização maia que ocorreu entre 800 e 900 a.c. A selva tropical demorou dez séculos para engolir as suas estruturas, pirâmides e construções. Assim é muito possível que essa seja a visão que ofereçam as nossas cidades um milênio depois do abandono; edifícios retorcidos, cheios de umidade, plantas, musgos e toda sorte de curiosos moradores, especialmente os insetos.

As grandes obras arquitetônicas, um orgulho dos engenheiros, pelos estudos também não durariam muito. O cálculo aponta que a maioria das pontes dos EUA se desmancharia em 300 anos. Se você pudesse dar um passeio por sua cidade, encontraria árvores crescendo dentro das casas desmoronadas, com ninhos em suas copas; os lobos e coiotes patrulhariam os bairros urbanos devastados em busca de presas. E o céu estaria dominado por falcões e águias.

Uma pergunta sobrevém: Que materiais feitos pelos humanos poderiam resistir praticamente intactos? Plásticos e PVC, “até que aparecessem micróbios capazes de digeri-los”, responde Weisman. E o bronze, uma junção de metais muito resistentes. Nesta lista se acrescentariam ainda o vidro convencional e o seu homólogo mais sintético, a fibra de vidro, “um material praticamente indestrutível”.

Algumas das substancias perduráveis com a marca da mão humana imprensa não nos dariam nenhuma satisfação. Os elementos radioativos dos mísseis nucleares se liberariam na atmosfera por causa da corrosão acelerada e mesmo transcorridos 5 mil anos ainda estariam ali… O mesmo com os isótopos das centrais nucleares. E os gases exalados pelos canos de escape dos carros e depositados no solo demorariam uns 35 mil anos para se dissipar.

Desaparecido o ser humano, o resto dos animais seriam beneficiados? O homem é considerado o maior predador das espécies – uma peste planetária para os ecologistas mais radicais –, e sua extinção definitiva deixariam um mundo de ganhadores e perdedores. Na opinião de Edward O. Wilson, biólogo da Universidade de Harvard, os animais domésticos seriam os primeiros a perder a batalha, uma vez que os seus protetores humanos sumissem. E depois viriam os cultivos e as plantas produzidos pelas mãos humanas. Esses seriam “varridos da terra em um ou dois séculos”, comentou Wilson a Discover.

As primeiras vítimas são muito familiares: vacas, touros, bois, porcos, galinhas, cabras, ovelhas… Uma regressão ao seu estágio silvestre parece improvável. O auroch, um touro pré-histórico, foi a última forma selvagem e se extinguiu em 1627. Hoje, os seus descendentes domesticados apenas têm a capacidade de defesa. “Convertemo-los em máquinas de digerir”, diz Weisman, máquinas que necessitam da proteção de pastores, de cercas, dos vaqueiros… Sem os humanos, os carnívoros de todo fariam uma grande festa. É como se antes de despedirmo-nos os tivéssemos presenteado com uma quantidade inconcebível de filés gratuitos.

Não existe praticamente lugar na Terra sem a presença humana, salvo algumas partes da Antártida e os picos dos tepuyes venezuelanos. Trata-se de montanhas que se erguem na savana da selva, formações de areniscos de 3.6 bilhões de anos que chegam a alcançar mais de 2 mil metros de altura em cujos picos se presumem que vivam plantas e animais que evoluíram de forma ilhada. Os tepuyes são um caso excepcional e alguns nunca foram antes pisados pelo homem. Entretanto, não buscamos uma natureza primogênita, o experimento consiste em observar se um ecossistema que conteve seres humanos pode retornar ao que foi um dia.

Um deles é uma franja desmilitarizada de terreno de 250 km de cumprimento por 4 km de largura que separa as duas Coréias. Foi instaurada em 1953 depois da guerra e durante mais de meio século assim tem permanecido, livre da influencia humana, ficando inclusive proibida as incursões de ambos os exércitos. Desde o espaço, a área (conhecida por sua sigla em inglês DMZ) oferece uma visão imponente; ao oeste, o terreno montanhoso está forrado por uma densa floresta, enquanto que na parte mais ocidental, os rios retorcem em uma rede complexa formando deltas.

Tecnicamente, depois da assinatura do armistício, a zona DMZ continua estando em guerra ‘vigiada’ por dois milhões de soldados e paradoxalmente se converteu em um paraíso. Calcula-se que 20 mil espécies de aves migratórias se refugiam ali e também ursos e leopardos amur (praticamente desaparecidos) e inclusive se pensa que existam tigres tibetanos, oficialmente extintos na Coréia. A ironia do caso é que se os dois países firmarem a paz se abriria à porta para a agricultura e o assentamento para parte dos coreanos, o que significaria o fim desse curioso Shangri-La.

Os cavalos, de acordo com Weisman, poderiam sobreviver. Procedem da América do Norte e se expandiram posteriormente para a Europa e a Ásia. A chegada do homem ao continente americano supôs sua extinção nessas terras, mas seus homólogos foram domesticados posteriormente pelos europeus. O cavalo foi re-introduzido na América com a chegada dos primeiros colonizadores espanhóis. O que se observou é que apesar de sua domesticação, esses animais podem se adaptar facilmente à vida selvagem (na Ásia existem em estado silvestre). Um destino parecido poderia seguir os burros.

Os cachorros, entretanto, encontrariam uma forte competição nesse mundo pós-humano por parte dos coiotes e dos lobos, restariam a possível hibridação e cruzamento. Os gatos sobreviveriam porque não foram domesticados completamente. “Inclusive com o estomago cheio começam a caçar de novo”. Seu instinto lhes permitiria converter-se em formidáveis competidores com outros pequenos carnívoros.

Entre os perdedores, duas surpresas: as baratas e os ratos. Para as primeiras, o clima é um elemento que pode balançar para um lado ou outro. Se você vive em uma cidade com um clima relativamente frio como Nova York, Londres ou Estocolmo, os edifícios sem eletricidade, nem calefação deixaria inermes as baratas que se tornariam comida fácil para outros predadores. Em outras cidades de clima mais quente e tropical, a história poderia reescrever-se de forma completamente diferente. Quanto aos ratos que infectam as cidades americanas vieram transportados por colonos e praticamente vivem das sobras que a sociedade humana lhes deixa. Num mundo onde o lixo deixaria de existir, os ratos se tornariam presa fácil de aves de rapina, lobos e coiotes. “Podem se esconder, mas quando não há os humanos que lhes dêem comida, teriam que vir a superfície”, diz Weisman.

Em um mundo a mercê das tempestades, das inundações, dos incêndios o que aconteceria com o clima e com os oceanos? Igualmente à zona DMZ no mar existem Shagri-Las. Um deles é o arrecife Kingman, um paraíso coral ubiquado a 1.600 km ao sudoeste de Oahu, no Pacífico. Ali não vivem pessoas e de acordo com o oceanógrafo Jeremy Jackson, do Instituto Scripps de Pesquisa Oceanográfica, em um mergulho pode se ver “até vinte ou trinta tubarões cinzas, acompanhado de uma série de outros peixes de tamanhos variados. Na ilha de Palmira, que tem uma população que não chega a vinte pessoas, é difícil perceber o fundo do mar devido a abundância de seres. Entretanto, em outro lugares próximos, como o atol de Kiribati – com uma população de 5 mil pessoas – , o pobre aspecto dos corais rodeados de peixes minúsculos dá uma idéia do impacto humano e de suas conseqüências.

O oceano do futuro, descreve Jackson, é um lugar de águas pobres em oxigênio, ricas em bactérias e medusas por culpa dos fertilizantes que agora recebe. Sem seres humanos, os mares deixariam de ser cloacas do mundo. A maioria dos grandes predadores marinhos – agora em declive – se “recuperariam”. Voltaríamos aos mares do tempo de Colombo, cuja tripulação se encontrava amedrontada com dez tipos de bestas marinhas maiores que suas caravelas. No Caribe é possível que você pudesse orientar a sua embarcação “através do som das tartarugas verdes”, tal como descrevia o pirata francês Alexandre Olivier Exquemelin no final do século XVII. Ou, se se tratasse do Pacífico, é muito possível que “hordas vorazes de tubarões mordessem os remos” de seu bote nas águas da ilha de Navidad, em Kiribati, segundo testemunho escrito em 1777 por James Trevenen, o oficial a bordo do barco do Capitão Cook.

O binômio Homo sapiens-oceanos têm muito a ver com o clima e o aquecimento global. Com as chaminés apagadas e os carros parados, seria como reescrever um novo Protocolo de Kioto em sua versão mais radical: nada de gases de efeito estufa, emissões zero. Quanto tempo precisaríamos para que as concentrações de dióxido de carbono retornassem à época pré-industrial? O mar é o maior sumidouro de CO2 e ainda suporta um limite – mesmo que suas águas se tornem cada vez mais ácidas – enquanto que realizam uma espécie de fotossíntese com as águas mais profundas a cada mil anos segundo especialistas. O mar “demoraria um mil anos para absorver 80% do excesso de carbono que temos jogado na atmosfera durante a época industrial”, diz Weisman.

Recuperar integralmente a atmosfera que respirávamos antes de começar a queimar carbono – ou em outras palavras, absorver os 20% restante – levaria uns 300 mil anos. Não são notícias alentadoras em um mundo que se coloca na atualidade como lutar contra o aquecimento global freando o possível das emissões de gases de efeito estufa.

Nesse exercício de ecologia-ficção, você é testemunho de um mundo sem humanos desde o seu desaparecimento até o momento. O que aconteceria depois de milhares de anos? Encontraria outro ser inteligente que ocuparia o lugar do homem? Por sua própria natureza a evolução biológica resulta imprevisível. Hoje existem uns 6,6 bilhões de primatas bípedes – o Homo sapiens, um número astronômico se comparado com nossos primos mais próximos, os chipanzés.

No principio do século XX se estimava uma população – de chipanzés – na África próxima a dois milhões de seres. Na atualidade, restariam uns 150 mil. Os gorilas não tem melhor sorte – a espécie está representada por uns 94 mil seres e em declive por culpa do Ebola e do furtivismo, e os da montanha não passariam de 700. Se a pressão de bilhões de seres humanos desaparecesse como afetariam a população dos grandes monos? De acordo com Weisman, os babuínos poderiam então ter a sua oportunidade. Segundo Michael Wilson, diretor do Centro de Pesquisa de Campo em Gombe (Tanzânia) e reputado primatólogo, estes primatas se adaptariam perfeitamente ao habitat buscoso como a savana. Poderiam ser os primeiros em prosperar enquanto que chipanz’s, perfeitos matadores teriam êxito em suas caçadas de até 80% lhes acompanhariam com o presumível avanço dos bosques.

Um planeta Terra sem seres humanos deixa um ar de certa nostalgia e tristeza e não é lago nem muito menos desejável, conclui Weisman. Ao fim e ao cabo, o homem é um parte integrante da natureza.

Há uma conclusão inesperada e é o ressurgimento – e um profundo respeito – do que Weisman classifica como “os heróis que mantém a nossa civilização”, uma longa lista de operários, técnicos de manutenção de edifícios, varredores, trabalhadores que recolhem o lixo limpam as ruas… Em definitivo, pessoas cujos empregos não são bem pagos e cujos trabalhos são considerados injustamente de “perfil baixo”. “Durante a minha pesquisa não precisei falar com nenhum político. Na realidade, não nos fazem falta, sem os políticos continuaríamos fazendo arte, comércio… Mas sim as pessoas que mantém as ruas, pontes, túneis de metrô… aconteceria um desastre. Não teríamos civilização”.

(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo IHU On-line, 17/10/2007 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS. ]

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