Entrevista com Luiza Chomenko: A cultura do monocultivo é sempre um risco
Na manhã de 06-03-2007, as mulheres da Via Campesina realizaram quatro ocupações de terra no Rio Grande do Sul. As manifestações fizeram parte da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Via Campesina. As mulheres lutam pelo fim do “deserto verde” que prejudica tanto as pequenas plantações e o clima do planeta. Para falar sobre o assunto, a IHU On Line conversou, por e-mail, com a bióloga Luiza Chomenko. Ela fala sobre o problema das monoculturas, as alternativas para o agronegócio e a silvicultura no Rio Grande do Sul.
Entrevista com Luiza Chomenko: A cultura do monocultivo é sempre um risco
IHU On-Line – Hoje, um grande grupo da Via Campesina realizou quatro ocupações no Rio Grande do Sul para denunciar que o “deserto verde” está acabando com as pequenas propriedades e destruindo o solo do estado. Como a senhora vê esse aumento da plantação de eucaliptos nos Estados e quais são as conseqüências?
Luiza Chomenko – A questão dos cultivos de monoculturas, independentes do que seja plantado, são sempre um risco. Seja ele ambiental (risco direto à biodiversidade e a recursos abióticos que lhe dão sustentação) ou sanitário (se ocorrer algum problema decorrente de clima ou doença, quando há policultivos as perdas se resumirão apenas a uma parte das culturas), se houver apenas um tipo sendo cultivado, o risco de perda total é direto. Pode ser, também, um risco cultural (as populações locais terão de se adaptar ao novo modelo de uso da terra) ou econômico (dependência direta de mercado e de outros fatores que poderão desconsiderar as realidades locais).
A introdução de grandes áreas de monoculturas de árvores exóticas poderá introduzir esses temas em toda uma região que, até agora, tem sido um exemplo de ocupação em um processo que tem, até certo modo, permitido a existência e permanência de populações locais e características ambientais muito importantes e específicas. A “metade sul” do Rio Grande do Sul corresponde aproximadamente àquilo que se denomina bioma pampa, o qual é o único do Brasil que ocupa apenas um Estado brasileiro, tendo especificidades e potencialidades imensas. Estes aspectos, muitas vezes, são desconsiderados e, no caso específico da silvicultura, as empresas vêm implantando seus cultivos, embora estejam sendo feitos estudos envolvendo certas correções.
Quem trabalha com meio ambiente sabe que, em dadas situações, após um certo impacto ser produzido, pode não haver mudança da situação. Neste caso, caberia uma reflexão sobre a forma certa de se tratar este tema. Minha opinião é que, em muitas situações, estão ocorrendo procedimentos inadequados dos muitos atores envolvidos e está faltando uma mão forte que junte os mais distintos interesses e a tentativa de se encontrar uma forma intermediária que avalie a forma correta de desenvolver as regiões, respeitando as especificidades locais e, principalmente, implantando nelas modelos compatíveis com suas características, não apenas trazendo os ditos modelos “globais”, que não são sustentáveis. Muito em breve, estes modelos poderão ser justamente um fator adverso à economia brasileira, pois uma das grandes “moedas de troca” no planeta vem sendo a questão ambiental. O Brasil, sendo detentor de imensas reservas de recursos naturais, não tem o direito de desperdiçá-las em nome de um desenvolvimento imediato. O Brasil não tem pensado no amanhã.
IHU On-Line – Que alternativas a senhora sugere para o agronegócio, já que, atualmente, ele está interrompendo o processo de reforma agrária e impedindo a agricultura camponesa?
Luiza Chomenko – Como referi nas questões anteriores, muito do que se diz sobre o “agronegócio” hoje está diretamente relacionado com modelos “globais” de desenvolvimento que não consideram as especificidades locais. Eu me permitiria questionar mais uma vez a própria denominação “agronegócio”, pois esta palavra virou sinônimo de alguns tipos de cultivos, geralmente ligados a poucos grandes grupos empresariais. Ora, os agronegócios podem também ser produtos oriundos da pequena propriedade e direcionados para mercados mais restritos, ou não? Aqui se colocam em jogo interesses privados de alguns setores, deixando-se de se levar em conta as realidades e potencialidades locais. O Brasil, sendo um país continental, que tem milhares de comunidades humanas ligadas ao setor rural, não pode se dar ao luxo de desconsiderar esse panorama. Obviamente, temos um imenso potencial de tratar de grandes propriedades, mas pergunto: por que não valorizamos nossas realidades típicas que levem em conta nossa abundância de recursos naturais e humanos?
O modelo vigente é cruel e altamente dependente de insumos externos, geralmente também fazendo parte do “pacote tecnológico”, que vem sendo expandido pelo planeta. No momento em que, por qualquer motivação, houver problemas em alguma região que detenha o “domínio” da situação, todo mundo sofrerá as conseqüências. Devemos, sempre, levar em conta que o Brasil é uma fonte de riquezas – naturais, culturais e humanas – e, sempre que se estiverem desconsiderando estes fatores, o modelo não é sustentável nem viável.
IHU On-Line – A senhora acha que o solo gaúcho tem condições de manter tantos hectares no cultivo de silvicultura? Quais são as conseqüências disto?
Luiza Chomenko – Este tema tem sido amplamente discutido nos últimos meses e é importante que a discussão seja cada vez mais ampliada, envolvendo todos os setores da sociedade. O zoneamento que está sendo feito por profissionais da FEPAM, FZB e outras instituições, busca exatamente identificar os locais adequados para as plantações. Então, caso se pense numa forma correta, pode-se afirmar que, em algumas partes do Estado, é possível se implantar silvicultura sem ampliar problemas já existentes. Entretanto, considerando a realidade atual, é altamente preocupante o que se vê, pois as plantações vêm sendo ampliadas sem cuidados prévios sejam tomados. Certamente, teremos conflitos imensos, com conseqüências desastrosas, e, por vezes, situações irreversíveis.
Algumas conseqüências já podem ser observadas, como a falta de água em algumas regiões, empobrecimento do solo – com necessidades de constantes acréscimos de insumos -, redução de potencialidade de usos atuais ou até eliminação de outros usos que vêm sendo mundialmente valorizados e que têm em conta a constante integração homem/natureza. As conseqüências são inúmeras e envolvem aspectos tanto de ordem ambiental quanto de ordem social, cultural e econômica. Resta, ao fim, se perguntar a quem efetivamente interessa um modelo de desenvolvimento nesses moldes e que vantagens o Rio Grande do Sul e o Brasil têm. Um fator adicional às plantações, sobre as quais muito se tem referido, é a implantação posterior de fábricas de celulose e toda gama de problemas decorrentes destas situações, pois estarão criando novas fontes de impactos adversos com tendência a aprofundar as preocupações no que tange aos conflitos em relação às realidades locais.
De tudo o que se falou, é fundamental salientar que cada vez mais se faz necessária uma ampla discussão com toda sociedade para que ela também participe, tome decisões e cobre, dos setores responsáveis, medidas que respeitem seus direitos como consumidores e cidadãos. Este é um elo de uma cadeia que pretende manter o Planeta sustentável ainda por muitas gerações.
IHU On-Line – Na próxima semana, a senhora irá palestrar sobre o “Aquecimento Global no cotidiano”. Como o tema será tratado?
Luiza Chomenko – O tema aquecimento global vem sendo tratado como algo que está muito distante de nossa realidade e que não terá maiores efeitos sobre nossas vidas. O que não se tem verificado é uma adequada percepção de alguns aspectos relacionados ao cotidiano e que já são o efeito – embora ainda pequeno – das mudanças que estão por vir. Por outro lado, a população, de uma forma geral, não está se dando conta que de tudo o que se aproxima, em termos de mudanças climáticas, é conseqüência de um modelo de comportamento altamente predador e autodestruidor. Parte destas questões é culpa de cada pessoa, mas também isto decorre das formas como as informações chegam ao destino final. Desta forma, o que será abordado será uma visão integrada (ou integradora) de saberes já disponíveis a partir de pesquisas e estudos científicos e uma forma de estimular percepções de nossos modelo de consumo e comportamento no dia-a-dia.
IHU On-Line – Como a senhora vê a sociedade tratar essa questão que só recebeu atenção da mídia neste ano após o relatório das Nações Unidas e do documentário do ex-vice presidente dos Estados Unidos, Al Gore, Uma verdade inconveniente?
Luiza Chomenko – A sociedade, de uma maneira geral, não vê e nem trata deste tema. Alguns setores da sociedade o percebem, mas isto está longe de significar que algo esteja sendo feito para ajudar a reduzir o problema. Veja que a situação chegou num ponto muito crítico e todas as informações identificadas, a partir de estudos especializados, vêm indicando que a situação é irreversível. Ora, isto não significa que se pode aumentar o problema. Há que se estimular ações que possibilitem frear esta situação ou, no mínimo, reduzir seus impactos. De outra forma, é preciso começar a identificar estratégias e formas de agir que permitam uma adaptação das populações humanas ao novo momento que está chegando e que, com certeza, vai interferir na vida do planeta, considerando-se aspectos ambientais, sanitários, sociais, culturais ou econômicos.
IHU On Line – A senhora afirma que o modelo de consumo atual é a causa desta tragédia que se inicia. O que a senhora imagina deva ser feito para minimizar as conseqüências do aquecimento global?
Luiza Chomenko – Este será o tema de uma apresentação que farei no próximo dia 14, num evento na Assembléia Legislativa em Porto Alegre. Inicialmente, identificarei uma forma de estimular que ocorra uma efetiva percepção por parte da população em geral (em todos segmentos de uma sociedade) e não apenas daqueles indivíduos diretamente envolvidos com o tema, como, por exemplo, cientistas, mídia em geral ou, eventualmente, políticos e tomadores de decisão. Alguns aspectos básicos tratam disso como sendo “consumo consciente”, que implica a aquisição de produtos realmente necessários, preferencialmente aqueles com alguma identificação de “ambientalmente compatível/amigável”, que economize energia, poupe água etc.
Outra questão importante é o próprio modelo de utilização de transportes. Veja que se discute muito atualmente a mudança de tipo de combustível, mas nunca se trata do modelo de transportes. Atualmente, há várias formas de se abordar tais questões, mas um ponto importante é que realmente as pessoas passem a perceber que o Planeta está mudando, e cabe a nós uma parte da responsabilidade de conservá-lo para as futuras gerações.
Chomenko é doutora em biogeografia pela Universität Der Saarland, na Alemanha. Atualmente, faz parte do corpo docente da UNILASALLE, em Canoas, no Rio Grande do Sul. É, também, bióloga da FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler, cedida por convênio para o Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Confira a entrevista, publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos – IHU ( www.unisinos.br/ihu), em 07-03-2007.
(Blog EcoDebate) entrevista publicada pelo IHU On-line [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]