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Amazônia fica fora de relatório político do IPCC. Entenda o que é o IPCC e suas conclusões

Amazônia fica fora de relatório político do IPCC
A Amazônia ficará fora da síntese política sobre o clima, que cerca de 130 delegações estrangeiras discutem no âmbito do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), segundo fontes que acompanham as negociações a portas fechadas na cidade espanhola de Valência.

Pablo Uchoa
Enviado especial a Valência (Espanha)

[BBC Brasil] Essas fontes disseram à BBC Brasil que os delegados deixaram de mencionar a Amazônia ao aprovar, na quarta-feira, a parte do texto que fala sobre os impactos do aumento da temperatura nos diversos ecossistemas do planeta.

O rascunho que está sendo discutido fazia um alerta para a diminuição do gelo no Ártico, a exposição das pequenas ilhas à elevação do nível do mar, as chances de tempestades nos deltas de rios asiáticos e a vulnerabilidade da África.

Os delegados debatem até o sábado, data prevista para o divulgação final do relatório do IPCC, a chamada “síntese para formuladores de políticas públicas”, uma versão resumida das conclusões técnicas do painel que “mastiga” os pontos mais relevantes dos documentos técnicos, com vistas a orientar as decisões políticas.

‘Savana’

A Amazônia não foi expressamente mencionada em nenhum documento político que acompanhou os documentos técnicos ao longo do ano, e só seria incluída neste – que é um resumo dos anteriores – se as delegações adotassem o raro procedimento de incluir informações tiradas diretamente dos originais.

No parecer técnico, o IPCC chancelou a informação de que existe uma tendência de parte da floresta a virar savana se continuarem as atuais políticas públicas.

Entretanto, como explicou um dos revisores científicos do IPCC à BBC Brasil, “à parte um ou outro modelo, há pouca evidência científica para caracterizar o impacto da mudança climática sobre a Amazônia”.

O IPPC, por uma questão metodológica, só incluiu estudos publicados até o final de 2004. Pesquisas mais recentes, que poderiam acrescentar dados à compreensão de como a Amazônia se comporta diante da mudança climática, não foram incluídas.

‘Irreversível’

Em Valência, as delegações continuam avançando a um passo que descrevem como “lento”. O documento político, de 22 páginas – cuja versão final o IPCC espera limitar a 23 –, é discutido palavra por palavra, porque tem grande potencial de influenciar as negociações do acordo que substituirá o atual protocolo de Kyoto.

Embora Kyoto só expire em 2012, os líderes darão a largada nas negociações já a partir de dezembro, em uma reunião que ocorrerá em Bali, na Indonésia.

Na quarta-feira, uma das discussões se deu em torno de um dos trechos do relatório, que dizia, em inglês, que “as atividades humanas podem levar a mudanças climáticas e impactos abruptos e irreversíveis”. A delegação americana objetou e pediu mais detalhes do significado do termo “irreversível”.

Os Estados Unidos, que não ratificaram o Protocolo de Kyoto e foram acusados de tentar minar as discussões sobre o clima na reunião do G8, na Alemanha, são apontados como partidários de “suavizar” também as conclusões do IPCC.

No dia anterior, os Estados Unidos quiseram modificar o texto para evidenciar o papel de países emergentes nas emissões de CO2, enquanto a China propôs mudanças destacando a responsabilidade dos países industrializados no aquecimento global.

A delegação brasileira não foi considerada como especialmente “intervencionista”. A posição de outro grande emergente, a Índia, foi descrita como de enfatizar no documento a vulnerabilidade de países pobres diante dos efeitos da mudança climática.

Na reunião de Bali, em dezembro, os líderes mundiais serão cobrados para dar respostas a cada um dos desafios apontados pelo IPCC, cujas opiniões, que já eram respeitadas, ganharam ainda mais atenção mundial com a premiação do Nobel da Paz neste ano.

O IPCC dividiu o prêmio com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ativista internacional pelo combate ao aquecimento global, Al Gore.

(www.ecodebate.com.br) matéria da BBC Brasil – 15 de novembro, 2007 – 11h28 GMT (09h28 Brasília)

Entenda o que é o IPCC e suas conclusões
Ao longo de 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) se tornou uma das referências mais citadas nas discussões sobre mudança climática. O órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou quatro capítulos que, juntos, formam um relatório completo sobre o aquecimento global hoje.

[BBC Brasil] O documento gerou tanta repercussão que, no fim do ano, o comitê de premiação do Nobel decidiu dedicar o honroso Prêmio Nobel da Paz ao IPCC – junto com o ex-vice-presidente americano Al Gore –, por seu trabalho de conscientização da comunidade e dos líderes internacionais para o problema e as conseqüências da mudança climática.

Entenda algumas das principais questões envolvendo o IPCC e suas descobertas:

O que é o IPCC?

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) é um órgão composto por delegações de 130 governos para prover avaliações regulares sobre a mudança climática. Nasceu em 1988, da percepção de que a ação humana poderia estar exercendo uma forte influência sobre o clima do planeta e que é necessário acompanhar esse processo.

Desde então, o IPCC tem publicado diversos documentos e pareceres técnicos. O primeiro Relatório de Avaliação sobre o Meio Ambiente (Assessment Report, ou simplesmente AR) foi publicado em 1990 e reuniu argumentos em favor da criação da Convenção do Quadro das Nações Unidas para Mudanças do Clima (em inglês, UNFCC), a instância em que os governo negociam políticas referentes à mudança climática.

O segundo relatório do IPCC foi publicado em 1995 e acrescentou ainda mais elementos às discussões que resultaram na adoção do Protocolo de Kyoto dois anos depois, graças ao trabalho da UNFCC. O terceiro relatório do IPCC foi publicado em 2001. Em 2007, o grupo está publicando seu quarto grande relatório.

Desde o primeiro relatório, e isso foi válido também para 2007, o trabalho do IPCC é publicado em quatro etapas e é produzido por três grupos de trabalho.

O primeiro grupo é responsável pelo primeiro capítulo, que reúne evidências científicas de que a mudança climática se deve à ação do homem (neste ano, foi publicado em fevereiro); o segundo trata das conseqüências da mudança climática para o meio ambiente e para a saúde humana (o deste ano, foi publicado em abril); e o terceiro estuda maneiras de combater a mudança climática e prover alternativas de adaptação das populações (publicado em maio). Um quarto capítulo sintetiza as conclusões dos anteriores (publicado em novembro).

É importante notar que o IPCC não realiza pesquisas científicas, mas avalia as investigações existentes. Os diversos governos envolvidos recebem rascunhos dos estudos com meses de antecedência, para que façam comentários, sugiram mudanças ou aportem novos dados aos textos.

Por que só agora o IPCC gerou tanta repercussão?

Desde a criação do grupo, neste ano, pela primeira vez, os cientistas reunidos no IPCC demonstraram tanta confiança em que a mudança climática se deve à ação humana, sobretudo através da emissão de gases como o dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O) e metano (CH4), que causam o efeito estufa.

Por falta de dados, o IPCC ainda não pode dar esta suposição como certa. Mas os estudos publicados e analisados permitiram ao órgão qualificá-la como “muito provável” (ou seja, com mais de 90% de certeza). No relatório de 2001, o IPCC considerou essa hipótese apenas como “provável” (com mais de 66% de certeza).

O IPCC concluiu ainda que a ação humana é provavelmente a maior responsável pelo aquecimento global nos últimos 50 anos, e que os efeitos desta influência se estendem a outros aspectos do clima, como elevação da temperatura dos oceanos, variações extremas de temperatura e até padrões dos ventos.

Que outras conclusões importantes tirou o IPCC?

O IPCC estima que até o fim deste século a temperatura da Terra deve subir entre 1,8ºC e 4ºC, o que aumentaria a intensidade de tufões e secas. Nesse cenário, um terço das espécies do planeta estaria ameaçada. Populações estariam mais vulneráveis a doenças e desnutrição.

O grupo também calcula que o derretimento das camadas polares pode fazer com que os oceanos se elevem entre 18 cm e 58 cm até 2100, fazendo desaparecer pequenas ilhas e obrigando centenas de milhares de pessoas a engrossar o fluxo dos chamados “refugiados ambientais” – pessoas que são obrigadas a deixar o local onde vivem em conseqüência da piora do meio ambiente.

A estimativa do IPCC é de que mais de 1 bilhão de pessoas poderia ficar sem água potável por conta do derretimento do gelo no topo de cordilheiras importantes, como o Himalaia e os Andes.

Essas cordilheiras geladas servem como ‘depósitos naturais’ que armazenam a água da chuva e a liberam gradualmente, garantindo um abastecimento constante dos rios que sustentam populações ribeirinhas.

Para o IPCC, os países poderiam diminuir os efeitos maléficos do aquecimento global estabilizando em um patamar razoável as emissões de carbono até 2030 – e isto custaria 3% do PIB mundial.

Há partes sobre o Brasil nos relatórios do IPCC?

Em seu segundo relatório, o IPCC alerta que partes da Amazônia podem virar savana. Em entrevistas com jornalistas, cientistas disseram que entre 10% e 25% da floresta poderia desaparecer até 2080. O órgão concluiu que existe uma possibilidade de 50% de que a maior floresta tropical do mundo se transforme parcialmente em cerrado.

Há riscos também para o Nordeste brasileiro, que poderia ver, no pior cenário, até 75% de suas fontes de água desaparecerem até 2050. Os manguezais também seriam afetados pela elevação do nível da água.

Entretanto, o IPCC tem sublinhado a falta de dados patente em países emergentes e menos desenvolvidos. Como resultado, as conclusões do grupo são menos incisivas nas chamadas “questões regionais”.

As conclusões do IPCC sofrem influência política?

O IPCC procura manter seu perfil cientifico, mas sofre pressões políticas. Não tanto nos capítulos científicos, mas principalmente em resumos destinados aos formuladores de políticas públicas, divulgados junto com os pareceres.

Países como os Estados Unidos e a China, que estão entre os maiores poluidores do mundo, em geral exercem influência para apresentar a sua versão sobre os problemas e conclusões sobre o aquecimento. Como estes documentos também são revisados pelos governos, a síntese é, antes de tudo, um retrato do que todos os países, indistintamente, concordam.

Alguns pesquisadores do IPCC condenam este tipo de influência, mas muitos consideram legítimos os lobbies nacionais, desde que eles sejam defendidos pelos diplomatas dos governos, e não pelos cientistas.

Até que ponto o relatório do IPCC pode ter implicações políticas?

É difícil medir o impacto político efetivo do relatório e do processo. O que é possível afirmar é que a repercussão das conclusões do IPCC e a ampla cobertura que a mídia em todo o mundo tem dado ao assunto, especialmente por causa do trabalho do grupo, colocou definitivamente a mudança climática entre as grandes questões mundiais e um dosprinciapis temas da agenda política em diversos países.

Espera-se também que o relatório de 2007 reforce a necessidade de compromissos internacionais práticos para combater a mudança climática, da mesma maneira que o terceiro relatório do IPCC, publicado em 1995, desembocou no Protocolo de Kyoto, de 1997.

Em 2007, a quarta avaliação do IPCC é concluída menos de um mês antes de uma reunião da UNFCC. A pesquisadora brasileira Thelma Krug, que coordena um dos grupos de trabalho do IPCC, disse que discursos que não citem as conclusões do IPCC serão “exceção” no encontro, que ocorrerá em Bali, na Indonésia, e deverá definir ações globais que deverão ser tomadas depois que o protocolo de Kyoto chegar ao fim, em 2012.

(www.ecodebate.com.br) matéria da BBC Brasil – 14 de novembro, 2007 – 09h16 GMT (07h16 Brasília)