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Artigo

A Transição para um Sistema Energético Sustentável. Artigo de José Goldemberg

“O progresso técnico que alcançamos no século 20 não é sustentável a médio prazo e o problema precisa ser resolvido nas próximas décadas, ou seja, pela atual geração, para evitar uma crise sem precedentes na História moderna”, constata José Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 19-11-2007.

Eis o artigo.

Existe uma crença generalizada de que os avanços científicos e tecnológicos dos últimos 200 anos resolveram muitos problemas da humanidade, como a eliminação de doenças, o aumento da vida média das pessoas, e permitiram estender conforto e prosperidade a um terço do gênero humano (cerca de 2 bilhões de pessoas), o que não tem precedentes na História. Roma, no seu esplendor, deu aos romanos um excelente nível de vida, mas à custa do trabalho de cerca de 100 milhões de outros seres humanos escravizados.

Apenas 1% da população mundial da época se beneficiou dos confortos da Cidade Imperial.

Essenciais para esses avanços são fontes apropriadas de energia, 80% da qual provém hoje de combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás. Estes combustíveis foram as molas propulsoras do extraordinário progresso técnico do século 20, mas o problema é que esse progresso neles baseado não pode durar, por diversas razões.

As reservas de combustíveis fósseis são finitas e as atuais reservas de petróleo não deverão durar mais de 40 ou 50 anos. Os problemas geopolíticos para conseguir acesso a esses recursos estão se tornando cada vez maiores, em razão da dependência crescente dos Estados Unidos de petróleo importado e do aumento de consumo na China e em outros países em desenvolvimento. As guerras do Oriente Médio têm muito que ver com isso, como assinalou recentemente o insuspeito Alan Greenspan, que foi presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de 1988 a 2006.

Dois terços da humanidade não têm acesso aos confortos da civilização moderna – que se baseia, justamente, no uso de combustíveis fósseis -, o que é inaceitável do ponto de vista moral e constitui uma fonte de instabilidade social e política permanente, gerando, inclusive, imigração ilegal para a Europa e a América do Norte. Além disso, combustíveis fósseis estão “envenenando” a atmosfera com suas emissões de gases responsáveis pela poluição local e pelo aquecimento global (e pelas mudanças do clima decorrentes) – as manifestações mais claras desse problema.

Em outras palavras, o progresso técnico que alcançamos no século XX não é sustentável a médio prazo e o problema precisa ser resolvido nas próximas décadas, ou seja, pela atual geração, para evitar uma crise sem precedentes na História moderna.

Para analisar esta situação, e propor soluções, as Academias de Ciências de todo o mundo (incluindo as dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França e da Rússia) decidiram criar um grupo de 15 cientistas, que preparou – após dois anos de trabalho – um relatório intitulado A Transição para um Sistema Energético Sustentável. A iniciativa para o estudo partiu das Academias de Ciências da China e do Brasil.

O relatório representa a visão de cientistas altamente qualificados, expõe o problema com objetividade e analisa as possíveis soluções, sem nenhuma consideração de caráter político. Ele não diz em nenhum momento o que os governos (e outros setores da sociedade) devem fazer e como, mas o que é preciso ser feito.

As recomendações contidas nesse relatório representam, portanto, o melhor que os cientistas podem sugerir às autoridades. E são, basicamente, as seguintes:

Para os países industrializados do Hemisfério Norte a melhor solução, e a mais barata, é o aumento da eficiência energética, ou seja, a economia de energia, para o que já existem tecnologias disponíveis. Energia está sendo usada por esses países de forma ineficiente. Melhorar essa eficiência não prejudicará em nada a qualidade de vida das populações, como mostra o exemplo da Califórnia, onde o consumo de eletricidade per capita é hoje o mesmo de 20 anos atrás.

Para os países em desenvolvimento a estratégia é adotar, cedo – no seu processo de crescimento -, as melhores e mais eficientes tecnologias (evitando repetir o caminho seguido no passado pelos países industrializados, quando se industrializaram). Em outras palavras, os países em desenvolvimento podem “saltar na frente”, adotando as melhores tecnologias existentes.

Usar de forma crescente energias renováveis, em suas muitas formas, incluindo a biomassa, que oferece imensas oportunidades para progresso tecnológico e inovação, além de resolver simultaneamente os problemas de mudanças climáticas e de segurança energética. Exemplos de sucesso são o programa de etanol da cana-de-açúcar do Brasil, a ampla utilização de energia eólica na Alemanha e na Espanha e energia fotovoltaica no Japão.

Promover o desenvolvimento de tecnologias de armazenagem de energia, que podem reduzir substancialmente os custos e expandir a contribuição de uma variedade de novas opções energéticas.

Introduzir tecnologias para captura e seqüestro de carbono de combustíveis fósseis, particularmente do carvão, que podem desempenhar um papel importante na redução das emissões globais de dióxido de carbono, desde que sejam demonstradas viáveis do ponto de vista técnico, econômico e ambiental, o que ainda não ocorreu.

A energia nuclear também foi amplamente discutida e se reconheceu que pode continuar a dar uma contribuição significativa se os problemas relacionados a seu custo, segurança, disposição dos resíduos radioativos e proliferação de armas nucleares forem equacionados adequadamente.

Este é um amplo “menu” de soluções que representa o melhor que os cientistas de todo o mundo podem sugerir às autoridades, mas compete, é claro, aos governos escolher as que são mais adequadas às características próprias dos seus países.

O Comitê das Academias de Ciências que preparou o relatório foi presidido por Steve Chu, Prêmio Nobel de Física, dos Estados Unidos; e José Goldemberg da Universidade de São Paulo.

(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo IHU On-line [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS. ]