Traumas climáticos afetam a tomada de decisões a longo prazo, revela estudo
Nova pesquisa aponta que pessoas expostas a eventos climáticos extremos apresentam alterações duradouras na forma como avaliam riscos e recompensas
Experiências traumáticas relacionadas a eventos climáticos extremos podem alterar significativamente como as pessoas tomam decisões financeiras e avaliam riscos, mesmo anos após o ocorrido. Esta é a principal conclusão de um estudo inovador realizado pela Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), que traz novas perspectivas sobre os impactos psicológicos duradouros das mudanças climáticas.
A pesquisa, conduzida por uma equipe multidisciplinar liderada pelo Departamento de Psicologia da UCSD, analisou o comportamento decisório de centenas de sobreviventes de desastres climáticos como incêndios florestais, furacões e inundações severas. Os resultados indicam que estas experiências traumáticas podem afetar permanentemente as áreas cerebrais responsáveis pela avaliação de riscos e processamento de recompensas.
Mudanças cognitivas duradouras
De acordo com a Dra. Jennifer Merritt, neurocientista e principal autora do estudo, “Observamos alterações significativas nos processos de tomada de decisão que persistem muito além do evento traumático inicial. Estas mudanças são particularmente evidentes quando os participantes enfrentam situações que envolvem incerteza ou potencial de perda.”
O estudo utilizou ressonância magnética funcional (fMRI) para monitorar a atividade cerebral dos participantes enquanto eles realizavam tarefas de tomada de decisão envolvendo escolhas financeiras com diferentes níveis de risco.
Os sobreviventes de eventos climáticos extremos demonstraram padrões de ativação neural significativamente diferentes em comparação com o grupo controle.
Em particular, a pesquisa identificou hiperatividade na amígdala, região cerebral associada ao processamento do medo, e redução da atividade no córtex pré-frontal, área responsável pelo raciocínio e controle de impulsos.
Estas alterações neurológicas se traduziram em comportamentos mensuráveis, com os sobreviventes demonstrando:
- Maior aversão ao risco em decisões financeiras
- Preferência mais acentuada por recompensas imediatas em detrimento de ganhos maiores no futuro
- Dificuldade em avaliar objetivamente probabilidades e resultados potenciais
Implicações para políticas públicas
Os pesquisadores enfatizam que estas descobertas têm implicações significativas para a formulação de políticas públicas e programas de assistência às vítimas de desastres climáticos.
“À medida que eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas, precisamos reconhecer que os impactos psicológicos dessas experiências vão muito além do trauma imediato”, explica o Dr. Marcus Chen, coautor do estudo e especialista em psicologia ambiental.
A equipe argumenta que programas de recuperação pós-desastre devem incorporar suporte psicológico de longo prazo, especificamente direcionado à restauração de padrões saudáveis de tomada de decisão. Isto poderia incluir terapias cognitivo-comportamentais focadas em gestão de risco e intervenções que ajudem os sobreviventes a recalibrar sua percepção de probabilidades e ameaças.
O papel dos fatores sociais
Um aspecto particularmente interessante do estudo foi a observação de que o apoio social e comunitário pode mitigar significativamente estes efeitos. Sobreviventes que relataram fortes redes de apoio comunitário após o desastre mostraram padrões cerebrais mais próximos aos do grupo controle.
“Comunidades resilientes podem fornecer um efeito tampão contra os impactos neuropsicológicos do trauma climático”, ressalta a Dra. Merritt. “Este achado sugere que investimentos em coesão social e infraestrutura comunitária podem ser tão importantes quanto a ajuda financeira direta após desastres.”
Desafios crescentes em um mundo em aquecimento
O estudo da UCSD surge em um momento crítico, quando eventos climáticos extremos estão se tornando mais comuns em todo o mundo. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, a frequência global de eventos climáticos severos aumentou mais de 35% na última década.
No Brasil, onde inundações catastróficas e secas prolongadas têm afetado milhões de pessoas nos últimos anos, estas descobertas são particularmente relevantes. Especialistas locais em saúde mental já haviam notado padrões semelhantes entre sobreviventes de desastres como as inundações no Rio Grande do Sul em 2024 e os deslizamentos de terra na região serrana do Rio de Janeiro.
Próximos passos na pesquisa
A equipe da UCSD planeja expandir o estudo para incluir uma análise longitudinal, acompanhando os mesmos participantes ao longo de vários anos para determinar se, e como, estes efeitos neuropsicológicos podem se resolver com o tempo.
Além disso, os pesquisadores estão desenvolvendo e testando intervenções específicas destinadas a restaurar padrões saudáveis de tomada de decisão entre sobreviventes de traumas climáticos.
“Estamos apenas começando a entender os efeitos profundos que a crise climática está tendo sobre nossa psicologia e cognição”, conclui o Dr. Chen. “Esta pesquisa representa um passo importante para desenvolver estratégias eficazes que protejam não apenas nossos corpos, mas também nossas mentes dos impactos das mudanças climáticas.”
Referência:
Nan, J., Jaiswal, S., Ramanathan, D. et al. Climate trauma from wildfire exposure impacts cognitive decision-making. Sci Rep 15, 11992 (2025). https://doi.org/10.1038/s41598-025-94672-00
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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