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Notícia

Gripe, pesticidas e transgênicos

Hoje, assim como no passado, a humanidade enfrenta uma nova pandemia de microorganismos, a qual, contudo, não é senão uma fração de outra que poderíamos chamar suprema ou estelar. A grande pandemia é sem dúvida a que nós mesmos, como espécie biológica, provocamos nos últimos tempos. A espécie humana não somente desafiou as leis dos ecossistemas, mas que se estendeu por boa parte do planeta, e no último século incrementou sua população a taxas cada vez mais altas e em períodos cada vez mais curtos. A reportagem é de Víctor M. Toledo e publicada no jornal argentino Página/12, 08-05-2009. A tradução é do Cepat.

Dos cerca de um bilhão de seres humanos que existiam em 1900 se passou aos seis bilhões nesta década. Que planeta pode suportar esta insólita expansão? Do ponto de vista ecológico, manter esta gigantesca população significa enfrentar permanentemente duríssimas batalhas contra a gama conhecida de microorganismos: fungos, bactérias, vírus, retrovírus, viróides e priones.

A grande pandemia não é, contudo, apenas demográfica; também diz respeito ao que podemos chamar de matriz civilizacional industrial, e inclui desde a visão moderna do mundo até os projetos tecnológicos e os mecanismos de acumulação implícitos ao desenvolvimento do capitalismo.

Não se pode somente recorrer a Malthus sem invocar a Marx. O mundo de hoje necessita deter tanto o crescimento descomunal da população humana como transformar radicalmente o modelo de civilização. Hoje, o risco não provém unicamente de fora. A gripe estacional que cada ano brota nos invernos dos dois hemisférios tira a vida de entre 250 mil e 500 mil indivíduos, é verdade, mas o automóvel mata anualmente um milhão de pessoas e os acidentes automobilísticos deixam entre 25 e 30 milhões de feridos por ano. Se a Aids infecta uma população estimada em 33 milhões, da qual anualmente morrem 2 milhões, os pesticidas, criados nos laboratórios químicos, afetam, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 2 milhões de pessoas e matam anualmente 200 mil.

Cada dia fica mais difícil distinguir entre as mortes provocadas por agentes naturais externos e as mortes produzidas no interior da sociedade industrial. As gripes, por exemplo, já são doenças produzidas por vírus que são criações naturais e industriais. Os vírus da gripe são o resultado da combinação endiabrada de formas que migraram dos seres humanos às aves e aos suínos, do movimento entre estes últimos e do retorno aos seres humanos em ciclos dominados pelo acaso (as mutações) que se repetem silenciosa e perigosamente por todo o planeta.

Este fenômeno se vê promovido e acentuado pela existência dos gigantescos confinamentos mediante os quais a produção industrial produz os alimentos a partir de carne (de aves, suínos, bovinos, etc.). Os campos de concentração animal, que são cada vez mais a base da maquinaria industrial produtora de alimentos, que concentram milhares e centenas de milhares de animais para o seu sacrifício, são verdadeiros focos para a incubação, mutação e recombinação de vírus como o da gripe.

E os números são impressionantes. A espécie humana cria em torno de dois bilhões de suínos, 85% dos quais estão na China, Europa e Estados Unidos. Cada semana as bocas humanas consomem 23 milhões de suínos, boa parte dos quais provêm de confinamentos massivos. Monopólios e monocultivos são duas formulações fortemente aparentadas desde o surgimento do capitalismo. Os coquetéis para a gestação de novas formas virais estão, pois, à luz do dia nas granjas industrializadas do mundo, não somente as dos suínos, mas das aves (gripe aviária) e dos bovinos (lembremo-nos do mal da vaca louca).

O risco de doenças não está ligado somente às cadeias alimentares (de onde a necessidade de criar e estender sistemas agroecológicos de produção de alimentos saudáveis). Está demonstrado que os diferentes setores industriais produzem substâncias tóxicas (somente na Europa foram inventariadas 40 mil) que são a causa, ou parte dela, de novos males, como certos tipos de câncer, alergias e estado de depressão imunológica. Destacam-se os pesticidas, utilizados principalmente nos extensos e monótonos campos de cultivo agroindustrial.

Define-se um pesticida como toda aquela substância que serve para combater os parasitas e as doenças de lavouras, gado, animais domésticos, e do próprio ser humano. Os pesticidas surgiram a partir da Segunda Guerra Mundial e são compostos químicos (DDT, organoclorados, organofosforados e carbamatos) elaborados para exterminar pragas e doenças que afetam as grandes concentrações humanas e de suas plantas e animais domesticados. Não obstante, os pesticidas não afetam apenas a saúde humana; produzem também impactos sobre os ciclos naturais e as espécies. A estranha extinção das abelhas em extensas regiões dos Estados Unidos e da China ao que parece foi provocada por estas substâncias.

O último projeto ligado aos extensos campos de cultivo agroindustriais são os organismos geneticamente modificados (alimentos transgênicos), que são criações derivadas da biotecnologia e da genômica. Mesmo que ainda não esteja demonstrado que causem prejuízos àqueles que os consumirem, sua periculosidade potencial radica em um novo tipo de contaminação: a genética, cujos efeitos são muito mais difíceis de detectar e controlar. Neste caso o ser humano, e não Deus, joga com os dados da própria vida ao introduzir no mundo da natureza organismos que podem provocar mudanças inesperadas sobre as populações das espécies domesticadas e silvestres. No México, o caso do milho transgênico é um caso chave e dramático.

Os seres humanos estão diante de uma encruzilhada, de um turbilhão de riscos, resultado do tamanho descomunal da população, que procura alimentar-se com formas (agroindustriais) que facilitam, por sua vez, a proliferação de patógenos, que contaminam e afetam a saúde humana e que ameaçam provocar transformações nunca antes vistas na estrutura genética dos organismos (transgênicos). Tudo isso faz parte desta grande pandemia à qual sempre acabaremos chegando. Qual é a cura possível às infinitas pandemias em que morreram milhões?

(Ecodebate, 14/05/2009) publicado pelo IHU On-line, 12/05/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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