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A queda nas taxas de casamento nos EUA e na China

 

Os Estados Unidos da América (EUA) e a China são dois países que apresentam estrutura social e política muito diferentes, mas que, simultaneamente, estão apresentando queda nas taxas de casamento e nas taxas de natalidade. Alguns motivos são coincidentes e outros são divergentes.

A taxa de casamentos nos EUA vem caindo há décadas, refletindo profundas mudanças sociais, econômicas e culturais. Segundo dados do Census Bureau, a taxa de casamentos nos EUA atingiu um dos menores níveis da história e não mostra tendência de recuperação. O gráfico abaixo mostra que a percentagem de domicílios chefiados por pessoas casadas atingiu o maior valor em 1949, com 78,8% dos domicílios. Este número caiu para menos de 50% nos anos 2000 e atingiu 46,8% em 2022.

gráfico da redução da taxa de casamento nos EUA 1940 2022

O gráfico abaixo mostra que a média da idade ao casar (primeiro casamento), no final do século XIX, era de 26 anos para os homens e 22 anos para as mulheres. Logo após a Segunda Guerra caiu para o menor nível, ficando em torno de 20 anos para as mulheres e 23 anos para os homens. Mas houve um aumento significativo nos últimos 50 anos, com a idade média ao casar dos homens superando os 30 anos e das mulheres atingindo 28,6 anos em 2024.

idade ao casar nos EUA 1890 2024

No passado o casamento era visto como uma necessidade para estabilidade financeira ou realização pessoal e os americanos alimentavam o sonho da mobilidade social ascendente, quando as novas gerações obtinham um ganho de bem-estar superior às gerações precedentes. Mas a situação mudou nas últimas décadas devido ao alto custo de vida, especialmente habitação e educação, que leva muitas pessoas a postergarem ou mesmo evitar o casamento. A instabilidade no mercado de trabalho, principalmente para os mais jovens, faz com que muitos optem por adiar compromissos de longo prazo.

Além da questão geracional há também a questão de gênero. Mulheres com níveis mais altos de escolaridade tendem a se casar mais tarde ou escolher não se casar. A independência financeira feminina diminuiu a necessidade do casamento como meio de segurança econômica. Além disto, muitos jovens priorizam experiências de vida, como viagens e crescimento profissional, antes de considerar o casamento.

A tendência de queda no casamento nos EUA parece estar se consolidando, indicando uma reconfiguração das relações familiares e dos estilos de vida modernos. Tem ocorrido o aumento das famílias monoparentais e de relações de uniões informais. Há uma aceitação maior de relacionamentos não tradicionais, como uniões estáveis e coabitação sem casamento.

Menos casamentos geralmente significam menos nascimentos. O maior empoderamento feminino e a maior idade ao casar das mulheres contribui para a queda das taxas de fecundidade, que estavam próximas do nível de reposição (2,1 filhos por mulher) na primeira década dos anos 2000 e, atualmente, estão próximas de 1,6 filho por mulher.

Todo este processo contribui para a aceleração do envelhecimento populacional, sendo que os EUA podem experimentar o decrescimento populacional antes de 2040, especialmente se o número de imigrantes for reduzido significativamente.

Vários países do mundo experimentam a transição demográfica, a queda nas taxas de casamento e a redução das taxas de natalidade. Na China, a taxa de casamento oscilou nos anos 2000, mas vem caindo consistentemente nos últimos 10 anos.

O gráfico abaixo mostra que a taxa de casamento na China estava em 6,7 por mil no ano 2000, caiu para 6,1 por mil em 2002, atingiu o pico e 9,9 por mil em 2013, caiu bastante durante a pandemia da covid-19, atingindo 4,8 por mil em 2022, recuperou ligeiramente em 2023 para 5,4 por mil e atingiu o valor mais baixo da história em 2024, com uma taxa de 4,4 por mil (menos da metade do valor de 2013).

taxa de casamento por mil na China 2000 2024

As causas da queda das taxas de casamento da China são multifacetadas. Existe a pressão econômica, uma vez que o custo de vida nas cidades chinesas, especialmente nas metrópoles, aumentou significativamente. Muitos jovens enfrentam dificuldades para comprar imóveis, que são vistos como um pré-requisito para o casamento. Além disso, os gastos com casamentos, incluindo festas e presentes, geralmente são proibitivos.

A pressão para se casar e ter filhos ainda é forte na sociedade chinesa, especialmente por parte dos pais. No entanto, muitos jovens estão optando por priorizar suas carreiras e desenvolvimento pessoal em vez de se conformar com essas expectativas tradicionais. Com a urbanização e a globalização, os valores dos jovens chineses estão mudando. Muitos valorizam mais a liberdade individual, a realização profissional e a qualidade de vida do que os papéis tradicionais de marido/mulher e pai/mãe.

As gerações que estão em idade de casar são formadas por jovens que nasceram durante a política de filho único, que além de reduzir as taxas de fecundidade, enfraqueceu os laços familiares, visto que as gerações de filho único não possuem nem irmão/irmã, nem primo/a, nem tio/a, nem sobrinho/a, nem cunhado/a, etc.

Como os filhos únicos recebiam toda a atenção e os recursos da família, se considera que isso pode ter levado ao desenvolvimento de traços mais individualistas e menos dispostos a compartilhar. Esse fenômeno foi chamado de “Pequeno Imperador” na China. Crianças sem irmãos podem ter menos experiência com cooperação, negociação e resolução de conflitos na infância. Muitas famílias colocaram grande ênfase no sucesso acadêmico e profissional do filho único, o que pode ter incentivado um comportamento mais competitivo e focado em si mesmo.

Este fenômeno parece mais prevalecente entre as mulheres chinesas, na medida em que elas se tornavam mais educadas e independentes financeiramente. Elas estão menos dispostas a se casar por conveniência ou para atender às expectativas sociais, especialmente se isso significar abrir mão de suas carreiras ou liberdade pessoal.

Alguns jovens são céticos em relação ao casamento devido às altas taxas de divórcio e aos relatos de infelicidade conjugal. Eles podem ver o casamento como uma instituição arriscada e preferir manter sua independência. A competição por parceiros é intensa, especialmente para os homens, devido ao desequilíbrio de gênero causado pela preferência histórica por filhos homens. Além disso, muitos jovens acham difícil encontrar parceiros que atendam às suas expectativas em termos de educação, renda e estilo de vida.

Esses fatores combinados estão levando a uma tendência de adiamento ou rejeição do casamento entre os jovens chineses, o que tem implicações significativas para a demografia e a sociedade chinesa, incluindo o envelhecimento da população e a diminuição das taxas de natalidade. Neste ponto, a situação chinesa é muito mais crítica do que a situação dos EUA.

A taxa de fecundidade total (TFT) na China está em torno de 1 filho por mulher, bem abaixo da taxa de 1,6 filho por mulher nos EUA. Segundo a Divisão de População da ONU, a população chinesa chegou ao pico de 1,426 bilhão de habitantes em 2021, já iniciou um processo de decrescimento e deve chegar ao final do atual século com 633,4 milhões de habitantes. Portanto, a China deve perder quase 800 milhões de pessoas entre 2021 e 2100. Para complicar a situação, a China é um país muito mais fechado à imigração internacional do que os EUA.

Do ponto de vista da dinâmica demográfica, a queda da taxa de casamento na China tem um impacto muito maior do que nos EUA. Não só porque a TFT já é muito mais baixa na China e o envelhecimento muito maior, mas também porque é muito raro o fenômeno de “filhos fora do casamento” na China. Desta forma, o governo chinês está tomando diversas medidas para incentivar os casamentos e o aumento da natalidade.

O fato é que a dinâmica populacional da China e dos EUA será diferente no século XXI e trará diversos desafios, mas também oportunidades. Resta saber se as políticas públicas destes países serão capazes de lidar com a nova realidade sociodemográfica para impulsionar o bem-estar da população.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. O fim da política de filho único e o desequilíbrio na razão de sexo na China, Ecodebate, 08/04/2016 http://www.ecodebate.com.br/2016/04/08/o-fim-da-politica-de-filho-unico-e-o-desequilibrio-na-razao-de-sexo-na-china-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. Envelhecimento populacional e terceiro bônus demográfico na China, Ecodebate, 15/09/2021 https://www.ecodebate.com.br/2021/09/15/envelhecimento-populacional-e-terceiro-bonus-demografico-na-china/

ALVES, JED. China apresenta crescimento econômico com decrescimento demográfico, Ecodebate, 20/02/2024 https://www.ecodebate.com.br/2024/02/20/china-apresenta-crescimento-economico-com-decrescimento-demografico/

ALVES, JED. O governo chinês lutou para diminuir a fecundidade e agora luta para aumentar, Ecodebate, 29/01/2025 https://www.ecodebate.com.br/2025/01/29/o-governo-chines-lutou-para-diminuir-a-fecundidade-e-agora-luta-para-aumentar/

ALVES, JED. A China terá o dobro da população dos EUA em 2100, Ecodebate, 27/09/2023

https://www.ecodebate.com.br/2023/09/27/a-china-tera-o-dobro-da-populacao-dos-eua-em-2100/

ALVES, JED. Os EUA tiveram a menor taxa de crescimento demográfico de todos os tempos, Ecodebate, 16/02/2022 https://www.ecodebate.com.br/2022/02/16/os-eua-tiveram-a-menor-taxa-de-crescimento-demografico-de-todos-os-tempos/

ALVES, JED. População dos Estados Unidos de 1950 a 2100, Ecodebate, 17/08/2022

https://www.ecodebate.com.br/2022/08/17/populacao-dos-estados-unidos-de-1950-a-2100/

ALVES, JED. A população dos Estados Unidos deve começar a decrescer em 2081, Ecodebate, 24/11/2023

https://www.ecodebate.com.br/2023/11/24/a-populacao-dos-estados-unidos-deve-comecar-a-decrescer-em-2081/

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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