Fragmentação florestal: impactos para a biodiversidade e soluções
Quando grandes extensões de floresta são divididas em fragmentos menores, muitas espécies têm dificuldades para sobreviver
Artigo de Isabella Romitelli
A Amazônia é um dos ecossistemas mais ricos do planeta, abrigando uma diversidade imensa de animais, plantas e microorganismos. No entanto, essa biodiversidade está sob ameaça devido ao desmatamento, que não apenas reduz a floresta, mas também a fragmenta em pequenas áreas isoladas. Essa separação prejudica a vida selvagem, altera o funcionamento natural dos ecossistemas e reduz a capacidade da floresta de se recuperar de impactos ambientais.
A onça-pintada (Panthera onca), maior predador terrestre das Américas, é um dos símbolos dessa crise. Como espécie-chave, desempenha um papel essencial na regulação das populações de presas e no equilíbrio dos ecossistemas. No entanto, sua necessidade de grandes territórios a torna altamente vulnerável à fragmentação florestal. Sem conectividade entre as áreas naturais, onças e outras espécies de topo da cadeia alimentar perdem acesso a fontes de alimento e abrigo, aumentando os conflitos com humanos e diminuindo suas chances de sobrevivência.
Para enfrentar esse desafio, é essencial garantir a conectividade ecológica por meio de corredores florestais e outras estratégias que permitam a livre circulação da fauna e assegurem a funcionalidade dos ecossistemas e mantenham o equilíbrio ecológico
Como a fragmentação florestal afeta a biodiversidade
Quando grandes extensões de floresta são divididas em fragmentos menores, muitas espécies têm dificuldades para sobreviver. Animais que precisam de grandes áreas, como a onça-pintada e a anta, perdem acesso a recursos essenciais e ficam mais vulneráveis a caçadores e doenças. De acordo com um estudo publicado na revista Science Advances, até 50% das populações de grandes mamíferos e aves podem desaparecer em florestas fragmentadas dentro de poucas décadas, devido à redução do território disponível, escassez de recursos e aumento da vulnerabilidade a predadores e doenças.
Espécies que dependem de vastos territórios, como a onça-pintada, enfrentam dificuldades para se deslocar, caçar e se reproduzir quando suas áreas são divididas por pastagens, estradas e áreas urbanizadas. Essa perda de habitat contribui para o declínio populacional, reduz a variabilidade genética e torna as espécies mais vulneráveis a doenças e eventos ambientais extremos.
Além disso, a fragmentação florestal intensifica o contato entre a fauna e comunidades humanas, gerando conflitos que muitas vezes resultam na morte de animais silvestres. Predadores de topo, como a onça-pintada, ao perderem suas presas naturais, acabam atacando rebanhos, o que leva pecuaristas a adotarem práticas de retaliação.
Paralelamente, o isolamento da vegetação também compromete pequenos mamíferos, anfíbios e aves, que ficam restritos a fragmentos com menor disponibilidade de recursos. Sem conectividade entre essas áreas, a diversidade biológica se reduz progressivamente, impactando toda a cadeia alimentar e o equilíbrio dos ecossistemas amazônicos.
Corredores ecológicos: conectando a biodiversidade
Uma das soluções mais eficazes para reduzir os impactos da fragmentação florestal é a criação de corredores ecológicos – faixas contínuas de vegetação que conectam fragmentos isolados, permitindo que os animais se desloquem entre áreas protegidas. Um exemplo é o Ybyrá Conecta, uma iniciativa da Carbonext em parceria com a Coexista, que monitora a biodiversidade em fazendas estratégicas no arco do desmatamento do Pará. Por meio da utilização de armadilhas fotográficas, avaliamos e monitoramos a saúde florestal dos corredores ecológicos na movimentação da fauna para elaborar e implementar estratégias para melhor recuperação e conservação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas fazendas participantes.
Nos primeiros seis meses de monitoramento, foram registradas 1804 ocorrências de fauna silvestre, incluindo 26 espécies de mamíferos terrestres, como a onça-pintada, a anta e o tatu-canastra, além de 109 ocorrências de aves e 5 espécies de répteis. Esses registros confirmam que os corredores florestais, quando em áreas preservadas, permitem a movimentação dos animais e ajudam a manter o equilíbrio ecológico.
Outro projeto, chamado Hiwi, no Acre, estuda a interação entre onças e rebanhos. Os trabalhadores rurais usam aplicativos para fotografar e registrar onde os ataques ocorrem. Com essas informações, os cientistas conseguem identificar os locais de maior risco, desenvolvendo estratégias como a reorganização dos pastos e a implantação de técnicas de manejo mais seguras para evitar prejuízos.
Outras estratégias para mitigar os impactos da fragmentação
A implementação de corredores ecológicos deve ser complementada por outras estratégias que garantam a conservação efetiva da fauna amazônica. O monitoramento da biodiversidade, tanto por meio de armadilhas fotográficas quanto pelo engajamento de comunidades em programas de ciência cidadã, contribuem para o entendimento dos deslocamentos dos animais e ajudam a planejar estratégias de conservação.
A redução de conflitos entre humanos e a fauna também é essencial para garantir que predadores como a onça-pintada possam coexistir com atividades agropecuárias. Medidas como a instalação de cercas elétricas ao redor de rebanhos e a criação de sistemas agroflorestais que reduzam a atratividade de animais silvestres para áreas de cultivo são soluções que podem minimizar os impactos da fragmentação. Além disso, oficinas de coexistência humano-fauna com as comunidades e proprietários são essenciais para implantação de estratégias mais efetivas para minimização de conflitos nesse contexto e planejamento de estratégias de conservação.
Outra estratégia importante é a implementação de passagens de fauna para reduzir a mortalidade de animais em rodovias. Estradas que cortam corredores naturais dificultam a movimentação de espécies e aumentam o risco de atropelamentos. Túneis subterrâneos, pontes vegetadas e sinalização adequada são soluções que já se mostraram eficazes em outras regiões e que podem ser aplicadas na Amazônia para garantir a segurança dos animais e a conectividade ecológica.
Projetos REDD+ como ferramenta para conservação da biodiversidade
Por fim, a recuperação de áreas degradadas desempenha um papel crucial na reversão dos impactos da fragmentação. A restauração das APPs e Reservas Legais com espécies nativas pode fortalecer a conectividade entre fragmentos florestais, permitindo que as populações animais tenham acesso a recursos essenciais. Quando essas ações são aliadas a projetos de créditos de carbono, como os REDD+, a conservação deixa de ser apenas um custo e passa a ser um modelo sustentável, beneficiando não apenas a biodiversidade, mas também as comunidades locais que dependem da floresta para seu sustento.
Ainda há tempo para reverter a fragmentação florestal e evitar que a Amazônia se torne um mosaico de pequenos fragmentos sem vida. Mas é preciso agir agora. O futuro da biodiversidade depende da nossa capacidade de restaurar, proteger e conectar os territórios naturais.
*Isabella Romitelli, bióloga, é head de biodiversidade da Carbonext.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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