E se João não tivesse cortado o seu pé de feijão?
Acredito que alguns contos de fadas deveriam não ser modificados, mas interpretados de uma forma mais cuidadosa e com respeito ao meio ambiente e às questões curiosas das crianças
Ensaio de Rosângela Trajano
O conto de fadas “João e o Pé de Feijão” é muito famoso e conhecido pelas crianças do mundo inteiro. A sua primeira versão foi publicada no início do século XIX, em 1807 por Benjamin Tabart e de lá para cá ganhou várias adaptações. Contudo, a história ganhou fama em 1890, ao ser incluída no livro English Fairy Tales, do folclorista Joseph Jacobs.
Mas será que encanta e educa mesmo? Você já parou para pensar numa criança tendo que cortar uma árvore para fugir de um gigante? E se ao invés dos gigantes fosse uma pessoa qualquer que teve o seu tesouro levado pela criança? Pensem comigo nas linhas que se seguem e antes de me julgarem reflitam com cuidado o que quero dizer na verdade. O cuidado com a inocência das crianças nunca é demais.
É um conto de um menino que troca a sua vaca por alguns grãos de feijão e a mãe com raiva os joga pela janela e no dia seguinte o menino vê um pé (árvore) gigante de feijão. Ele sobe na árvore e descobre lá em cima o castelo de um gigante que tem um tesouro, o menino o pega e corre com medo do gigante e para não ser pego por ele resolve cortar a tão linda árvore.
João era uma criança inocente e pobre, precisava daquele tesouro para comprar alimentos para si e a sua mãe. Na verdade, onde quero chegar com esta análise é que não devemos cortar as árvores em troca de nenhum tesouro ou coisa parecida. Temos visto adultos derrubando árvores para construírem empreendimentos que vão render muito financeiramente e o capitalismo só cresce no mundo inteiro.
E se João tivesse ficado com a sua árvore enorme no quintal da sua casa? Teria morrido de forme, certamente. Talvez ele tenha tomado a decisão certa de ficar com o tesouro e cortar o pé do feijão para se salvar do gigante malvado. Sabe, a gente vê tantos gigantes cheios de tesouros em seus castelos que não se preocupam com a fome das crianças que vivem em situação de abandono pelas ruas das cidades grandes.
João cortou a sua árvore porque não tinha quem desse de comer a ele e a sua mãe. No começo da história ele ficou fascinado por aqueles grãos de feijão mágicos pensando que eles seriam capazes de trazer a felicidade para sua casa. E trouxe, mas para isso foi preciso derrubar o pé de feijão.
Os gigantes que moram em seus castelos são as autoridades que escondem tesouros da corrupção dos cofres públicos e viram o rosto à miséria e pobreza das crianças. O pé de feijão de João era lindo e mágico! A magia estava no seu tamanho enorme e no seu crescimento que se deu da noite para o dia. Quantas árvores levam séculos para crescerem.
João era um menino que fugia de um gigante que descia pelo seu pé de feijão atrás dele. Quantos meninos não sobem em árvores para fugirem dos gigantes contemporâneos da atualidade que correm atrás deles porque fizeram algo malfeito ou uma peraltice que não gostaram. As árvores ainda são os refúgios para as crianças pobres. Elas podem se tornar mágicas quando for preciso salvar a família da fome, da injustiça e da mentira dos adultos.
O pé de feijão mágico de João salvou a sua vida assim como muitas árvores salvam vidas de crianças famintas pelo mundo a fora dando-lhes frutos para comerem, madeira para esquentar o corpo do tempo frio, sombra e o principal, a compreensão dos segredos mais íntimos das crianças esquecida pelos adultos.
Tem coisas nessa vida que são necessárias fazermos para nos salvar do medo, da solidão, da fome, da ausência de um pai, da falta de políticas públicas que nos ofereça uma vida melhor. João teve os seus motivos para derrubar o seu pé de feijão. Quantos de nós precisamos derrubar as árvores dos nossos sentimentos todos os dias para sobrevivermos? O importante é que seja contada às crianças que árvores são amigas e necessárias para um mundo melhor, principalmente as mágicas.
Não é que João fosse um menino mau como vemos a maioria dos homens por aí, ele apenas precisava matar a sua fome e a da mãe. E assim como não teve outra forma de escapar do gigante cortou o seu pé de feijão, mas que na minha interpretação, ele poderia ter feito cócegas no gigante até ele não suportar mais. Na verdade, eu não concordo que o pé de feijão tenha sido cortado mesmo que seja para matar a sua fome, João não poderia fazer isso.
As crianças que escutam este conto de fadas devem ser orientadas a não cortarem as suas árvores mesmo que exista um gigante correndo atrás delas para tomar de volta os seus ursinhos de pelúcias, seus trenzinhos, suas bonecas de pano ou seja qual for o brinquedo. Uma árvore é sagrada. Ninguém pode cortar as árvores por motivo algum neste mundo. E eu não achei isso em nenhum plano de aula ou interpretação do conto de fadas e fiquei preocupada.
O pé de feijão de João poderia ter matado a sua fome durante toda a sua vida e a da sua mãe, afinal ele era mágico. Poderia ter matado a fome das pessoas ao redor da sua casa, da sua cidade e do mundo inteiro. João foi um menino inocente tomado pela ambição de ter um tesouro para si e poder ficar rico com ele. Não acho que este conto de fadas seja fácil de contar às crianças, é preciso cuidado, um pensamento de um professor descuidado pode pôr todo o ensinamento de uma educação ambiental abaixo.
Sempre que “João e o Pé de Feijão” for ser contado às criancinhas o mediador de leitura ou professor deve enfatizar com palavras doces e ternas de que as árvores merecem viver e que elas não são culpadas pelos gigantes correrem atrás de nós. Quando as crianças se sentirem ameaçadas por algum estranho ou gigante vindo de uma árvore nos quintais das suas casas seus pais não devem ser incentivados a cortarem-na, mas a resolverem o problema com outra solução.
Tenho dó do menino João. Ele não sabe o que fez. Sentia fome e quando a gente sente fome faz coisas que nos arrependemos mais tarde. Eu já senti fome. Eu sei o que é isso. Eu já precisei fugir de gigantes, também, mas eu nunca derrubei árvores. Tenho um cajueiro no quintal da minha casa de onde sempre tirei o alimento para comer e saciar a fome quando a barriga roncava.
Tentei não ver João como um menino corrompido pela maldade dos adultos, mas não consegui. Ele foi tomado pelo desejo de enriquecer com o tesouro do gigante assim como acontece atualmente com a maioria das crianças pobres que na primeira oportunidade de ficarem ricas não pensam nas consequências das suas ações e fazem coisas que podem vir a machucar e até mesmo causar problemas para elas ou seus pais.
Acredito que alguns contos de fadas deveriam não ser modificados, mas interpretados de uma forma mais cuidadosa e com respeito ao meio ambiente e às questões curiosas das crianças. Identificar o espanto dos grãos de feijão mágicos, de tesouros e gigantes é importante, mas nunca incentivar as crianças a terem que derrubar uma árvore para salvar um tesouro, pois maior tesouro do que qualquer outro é a própria árvore que dá sombra, frutos e lenha para nos esquentar nos dias frios de inverno.
Será que eu estou sendo chata com a minha análise? Me perdoe, leitor. É que sou do tipo que não concorda com nenhuma desculpa para que uma árvore seja derrubada. Eu queria mesmo era que João tivesse aproveitado aquele enorme pé de feijão e distribuísse os seus grãos para os povos do mundo inteiro. E que não tivesse tido o seu pequeno coração corrompido pela ambição de querer um tesouro que nem era seu, mas do gigante. Pegar o que é dos outros também é coisa feia, João. Vocês sabem disso, crianças e adultos! Mesmo que essa coisa seja de um gigante chato e bravo! Vamos interpretar o conto “João e o Pé de Feijão” de uma maneira educativa em que as crianças possam respeitar as árvores e seus pais, pois João ao invés de respeitar o que a sua mãe mandou fazer trocou a vaca pelos grãos de feijão mágicos e não a vendeu. Até nisso o conto de fadas demonstra uma falha. E deve ser revisto e interpretado pelos professores.
Eu gostaria que vocês se sentassem com as suas crianças e contassem para elas este conto de fadas fazendo-lhes as seguintes questões: 1 – O que você faria se fosse João, venderia a vaca conforme sua mãe mandou ou a trocaria por outra coisa? 2 – Você pegaria o tesouro do gigante? 3 – Como você se sentiria se alguém pegasse uma coisa sua e fugisse para bem longe? 4 – Você acha que João fez certo em cortar o seu pé de feijão? 5 – As árvores não são mais importantes do que qualquer tesouro?
Buscar novos mundos e riquezas até vale a pena e são necessários às crianças, mas respeitar as árvores é sinal de grandeza interior que deve ser alimentado desde o berçário. A vaca de João não dava mais leite, mas tem tantos animais que não nos dão nada e os amamos. Temos tantas coisas velhas em casa que somos apegados a elas porque nos lembram algo bom do passado e as memórias necessitam de vida. Que riqueza maior do que a amizade de uma vaca e a boniteza de uma árvore mágica no quintal de casa uma criança pode vir a ter?
Com base nas respostas das suas crianças vocês pais, professores ou responsáveis poderão perceber como está a inocência, os sentimentos emocionais das suas crianças, ou até mesmo descobrirem se elas já foram corrompidas pela ambição dos adultos.
Eu fico por aqui lendo novamente “João e o Pé de Feijão”. Quem sabe eu mude de ideia e não me torne uma chata como dizem por aí que tudo hoje é errado e feio. Nem acho que seja assim, sabia? Tudo é por amor ao meio ambiente.
Rosângela Trajano, Articulista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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