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Artigo

O governo chinês lutou para diminuir a fecundidade e agora luta para aumentar

 

 

Para evitar um colapso muito grande do número de nascimentos, o governo chinês tem adotado uma série de medidas de incentivo da fecundidade.

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A história costuma dar voltas e volta e meia tem sido irônica com os formuladores de políticas públicas. O governo chinês adotou, em 1979, a política de controle da natalidade mais draconiana da história. A política de filho único ficou em vigor por cerca de 35 anos. Agora a preocupação é outra.

Os burocratas acreditavam que o fim da política de filho único abriria espaço para o aumento das taxas de fecundidade. Contudo, aconteceu o contrário, pois o número médio de filhos por mulher continuou caindo após 2015 e a população total da China atingiu o pico em 2021 (com 1,426 bilhão de habitantes) e começou a diminuir em 2022. No cenário médio das projeções da Divisão de População da ONU, a população chinesa deve cair para 633 milhões de habitantes em 2100. No cenário de recuperação parcial da fecundidade a população chinesa no final do atual século seria de 800 milhões e no cenário de continuidade de queda da fecundidade a população seria de “apenas” 500 milhões de habitantes, conforme mostra o gráfico abaixo.

população da China e projeções

 

A China tem passado por uma profunda e rápida transição demográfica, com diminuição das taxas brutas de mortalidade e de natalidade.

A transição da fecundidade teve oscilações significativas desde a Revolução Comunista em outubro de 1949 e encontra-se abaixo do nível de reposição (que é de 2,1 filhos por mulher).

O gráfico abaixo, também da Divisão de População da ONU, mostra que a taxa de fecundidade total (TFT) estava em torno de 6 filhos por mulher na primeira metade da década de 1950 e caiu para menos de 4 filhos por mulher em 1961, durante a vigência da política do “Grande Salto para Frente” (1958 e 1961) quando houve cerca de 30 milhões de óbitos em decorrência da fome e do caos social. A TFT voltou a subir para mais de 6 filhos por mulher na década de 1960, na época da Revolução Cultural (ultrapassando 7 filhos por mulher em 1963). O número de nascimentos estava em 22,3 milhões em 1950, caiu para 17 milhões em 1961 e subiu novamente, chegando ao pico de 31,5 milhões de bebês em 1970.

Contudo, com a população chinesa se aproximando de 1 bilhão de habitantes, o presidente Mao Tsé-tung se convenceu que algo deveria ser feito para evitar a continuidade da “explosão demográfica”. Assim, foi lançada a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que incentivava as mulheres a terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um tamanho pequeno de família.

A política “Wan, Xi, Shao” foi uma iniciativa democrática e na linha de respeito aos direitos reprodutivos. A política foi um sucesso e, em 1980, o número anual de nascimentos ficou em torno de 22 milhões, com uma TFT de 2,75 filhos por mulher.

Porém, no bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro de 1978, foi instituída a “Política de filho único”, uma iniciativa autoritária e radical, mas que visava reduzir o número de nascimentos e combater a pobreza no país. Entre 1980 e 1994, mesmo com uma TFT em queda, o número anual de nascimentos ficou acima de 20 milhões devido à alta proporção de mulheres em período reprodutivo.

Em 2015 houve o término da política de filho único, quando a TFT estava em 1,7 filhos por mulher e o número de nascimentos estava em 18 milhões de bebês. Mas, contrariando as expectativas, a fecundidade e a natalidade continuaram caindo rapidamente nos anos seguintes. Em 2022, a TFT chegou a cerca de 1 filho por mulher e o número de nascimentos ficou abaixo de 10 milhões de bebês. A projeção média, mostra uma TFT de 1,35 filho por mulher e um número de somente 3,1 milhões de nascimento em 2100.

evolução da população da China

 

Para evitar um colapso muito grande do número de nascimentos, o governo chinês tem adotado uma série de medidas de incentivo da fecundidade. Segundo o jornal Global Times, os governos locais chineses incorporaram medidas, como subsídios, cortes de impostos, extensões de licença-paternidade, serviços de assistência à infância e melhor assistência médica para mães e crianças.

O relatório de trabalho do governo de Pequim delineou planos para aprimorar políticas de apoio destinadas a criar uma “sociedade favorável ao parto”, com serviços diversificados de assistência à infância cobrindo as áreas urbanas da capital. O relatório de trabalho do governo de Tianjin se comprometeu a desenvolver centros de serviços de assistência à infância, integrados em nível municipal. A província de Zhejiang, no leste da China, descreveu a melhoria do sistema de políticas de apoio à fertilidade e mecanismos de incentivo, bem como programas piloto sobre serviços de assistência infantil universalmente benéficos em seu relatório de trabalho.

Além de incluir incentivos ao parto em relatórios de trabalho do governo, legisladores locais e consultores de políticas experimentam estratégias adicionais para incentivar maiores taxas de natalidade. Há recomendação de criação de jardins de infância públicos oferecendo creches para crianças de 2 a 3 anos para que seus pais tenham tempo de ir trabalhar.

No entanto, mudar a disposição pública de ter filhos é um processo de longo prazo. Efeitos imediatos dessas políticas de estímulo não podem ser esperados dentro de um ou dois anos. A continuidade das políticas são cruciais. Reformas institucionais fundamentais são necessárias, especialmente na distribuição de renda e na saúde. É preciso aliviar a “penalidade da maternidade”, já que as mulheres chinesas enfrentam oportunidades de emprego restritas, renda reduzida, menos chances de promoção no local de trabalho após terem filhos.

Em termos imediatos, de acordo com dados divulgados pelo National Bureau of Statistics (NBS), o número de nascimentos na China em 2024 aumentou em 520.000 bebês, em comparação com 2023, mas a população total no final de 2024 caiu 1.390.000 em relação ao final de 2023.

Desta forma, podemos considerar que o número de nascimentos vai continuar caindo na China ao longo do século XXI. Mas o governo chinês, depois dos erros da política de filho único, está tentando fazer com que a queda da TFT seja mais amena e que não haja um colapso das taxas de fecundidade do país.

Aumentar a fecundidade, em um quadro de crise climática, parece uma tarefa mais difícil do que foi a transição de famílias numerosas para famílias pequenas. A China tem mantido crescimento da renda per capita mesmo com redução da força de trabalho. O setor produtivo chinês tem buscado avançar com a tecnologia e as inovações produtivas para aumentar o IDH. No quadro atual, o aumento significativo da fecundidade ou o aumento da imigração não estão no radar dos cenários mais prováveis.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico ou pronatalismo antropocêntrico e ecocida? Ecodebate, 20/05/2015 http://www.ecodebate.com.br/2015/05/20/decrescimento-demoeconomico-ou-pronatalismo-antropocentrico-e-ecocida-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. Envelhecimento populacional e terceiro bônus demográfico na China, Ecodebate, 15/09/2021 https://www.ecodebate.com.br/2021/09/15/envelhecimento-populacional-e-terceiro-bonus-demografico-na-china/

ALVES, JED. China apresenta crescimento econômico com decrescimento demográfico, Ecodebate, 20/02/2024 https://www.ecodebate.com.br/2024/02/20/china-apresenta-crescimento-economico-com-decrescimento-demografico/

Zhang Changyue. Chinese local authorities put childbirth stimulus in govt work reports, Global Times, 22/01/2025 https://www.globaltimes.cn/page/202501/1327384.shtml

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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