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Artigo

Os esgotos a céu aberto que correm para os rios e mangues brasileiros

artigo de opinião

Em todo lugar que eu vou tem um esgoto correndo para um rio que grita, pede socorro e ninguém faz nada

Artigo de Rosângela Trajano

Começo este pequeno ensaio com uma canção interpretada pela linda e encantadora cantora Maria Bethânia intitulada “Oração ao tempo” que nos diz nos seus seguintes quatro versos “…Tempo tempo tempo tempo / És um dos deuses mais lindos / Tempo tempo tempo tempo / Que sejas ainda mais vivo…” e assim como canta Bethânia peço ao Tempo, esse senhor deus que tudo pode transformar e cuidar, cuidados que estão descontentes e doídos nos dias atuais.

Não deixem os nossos rios e mangues morrerem por abandono e descaso de paletós e gravatas que tomam vinho caro e se banqueteiam com porcos nas suas festanças onde querem nos afirmar que a “verdade máscara de uma mentira gigante” maior do que Adamastor nos seus passos nas águas do mar, ele pelo menos tinha um mar límpido ou será que os portugueses também jogavam seus dejetos no mar do nosso querido Adamastor? A quem nós daremos a bênção depois dos Orixás? Àqueles que deuses dos rios e mangues dos nossos indígenas estão sendo esquecidos nas salas de aulas e na cultura popular?

A cada cidade por onde ando, a cada lugar que vou, chego a chorar a dor de ver os nossos rios serem poluídos por esgotos clandestinos, por esgotos de indústrias, hotéis de luxo, shopping centers ou até mesmo de domicílios onde não existe ainda saneamento ou as construções não são planejadas.

Os nossos rios estão sofrendo recebendo essa sujeira a todo momento. Os animais marinhos como peixes, ostras, siris e outros estão morrendo sem ar para respirar. Vocês têm ideia do que seja isso? É vida, gente!

É vida que está se acabando por nossa causa, porque não respeitamos mais a natureza, porque esquecemos como se cuida um do outro e dos animais.

Chega a doer, a tremer no peito, a dar vontade de gritar, mas o tempo há de fazer alguma coisa pelos rios e pelos mangues, também. Eu deveria mesmo era alertar as autoridades e prefeitos das diversas cidades do Brasil, tentar entrar em contato com alguma organização não governamental, xingar A ou B e quem sabe ser presa, mas pelo menos ser ouvida, sair na televisão, tornar-me heroína dos rios e mangues, mas estou aqui como sempre estive fazendo o que mais sei: escrever criticamente.

Não é à toa que as crianças não desenham mais rios e mangues. Elas nem chegam a conhecê-los, na verdade. Nos seus pequenos olhinhos assustados o que veem são caranguejos presos dentro de sacolas plásticas, garrafas pets jogadas no meio da lama escura e um fedor grande que mal dá para suportar ficar tanto tempo próximo dos rios e mangues brasileiros.

Enfrentamos situações difíceis com os esgotos que correm a céu aberto pelas ruas das comunidades mais carentes, aquela gente que luta todos os dias pelo pão de cada dia, aquela gente que constrói um lugar para morar de papelão ou lona de caminhão. E ali improvisam seus banheiros para tomarem banho e fazerem as suas necessidades. Não é essa gente culpada dos esgotos a céu aberto, mas as autoridades brasileiras que nada fazem para regularizar as moradias, para dá uma vida digna a esse povo que vai embora do Brasil tentar a vida em outro país e volta algemado como se fossem marginais.

É triste você caminhar pelos bairros de periferia das cidades mesmo nas capitais do Brasil, principalmente na região Nordeste e ter que pular pra lá e pra cá para não pisar na água suja e não pisar no cocô que vêm dos mais diversos locais e acabam correndo para os rios e mangues. Ainda temos mangues limpos? Eu acho difícil! Aqui na minha cidade não é possível mais fazermos um passeio no mangue como eu fazia antes ou nadar no nosso maior rio.

Tempo, tempo, tempo, peço que te vistas de um deus bonzinho e venhas nos salvar desses descasos das autoridades que têm as chaves das nossas cidades nas suas mãos, todavia não fazem nada por elas e o rios e mangues pedem socorro com essa água suja de esgotos clandestinos que correm para eles destruindo suas belezas naturais. Será que as autoridades pensam que são capazes de construírem outros rios e mangues com inteligência artificial?

Não sei o que se passa pela cabecinha dos nossos prefeitos, governadores e vereadores. Também não me interessa saber. Exerço a minha cidadania em todas as eleições e voto com consciência no eleitor com propostas sempre abordando temas ligados ao meio ambiente, mas até esses candidatos estão desaparecendo das candidaturas. Com tanta gente dizendo que cuidar do meio ambiente é mimimi para que falarmos sobre isso? Se temos gente morrendo de fome nas filas dos hospitais. Será mesmo que não nos importa ver os nossos rios e mangues serem contaminados pelos esgotos?

Em todo lugar que eu vou tem um esgoto correndo para um rio que grita, pede socorro e ninguém faz nada. Os moradores ignorantes no assunto continuam jogando seus dejetos nos rios e mangues, não há uma educação ambiental para esse povo pobre e feio do qual as autoridades não gostam. Eles não gostam de educar as pessoas. Eles não gostam de que saibamos que é preciso proteger os rios, lagos, mangues e animais marinhos para não morrermos de fome e sede num futuro próximo.

Ainda existe pouco saneamento nas cidades da região Nordeste e no interior do Brasil. Os esgotos continuaram nas favelas, periferias e até mesmo nos bairros de classe alta porque parece ser caro demais investir em saneamento básico para as nossas autoridades. Há anos tomei um banho de rio. Existia uma cacimbinha aqui perto da minha casa que jorrava água limpinha e cheirosa para gente brincar e lavar roupa nela na minha infância, existia um rio perto da minha casa também, era um rio silencioso, meigo, doce e amante das lavadeiras, mas o homem começou a construir e aterrá-lo aos poucos e ele foi desaparecendo.

O rio Potengi da minha cidade está poluído. Ninguém tem coragem de nadar nele. Nem eu que sou amante da natureza me aproximo dele e não vou mais me inspirar no mangue onde moro próxima. As pessoas se negam a comerem os caranguejos e os siris que vêm do mangue, porque dizem que eles comem cocô de humanos. E é verdade isso, eles comem o que entra nos rios e mangues, e o que entra infelizmente é água suja de esgotos fétidos.

Tão triste tudo isso! Eu queria pedir um favor a quem estiver me lendo, olhem para os rios com os olhos de um pardalzinho que apesar de ter medo do gato continua construindo seu ninho num lugar perigoso, os esgotos a céu aberto são o maior perigo dos nossos rios e mangues serem destruídos não pelos gatos, cachorros ou dinossauros, mas pelos homens, esses homens miseráveis que acabam com tudo.

É necessário multar, julgar e condenar aqueles que podem sanear os seus hotéis, os seus supermercados, shopping centers e indústrias e não multar o barraquinho lá de cima do morro que mal fica em pé para abrigar quinze ou vinte pessoas com fome e sede que sem saberem do mal que estão fazendo à natureza jogam seus dejetos e água de banho e roupas lavadas morro abaixo. E a gente olha tudo isso com uma tristeza e uma vontade de ser gente de verdade e orientá-los a não fazerem isso, mas onde eles vão fazer suas necessidades básicas? O esgoto dos ricos tem um fedor maior do que o dos pobres, pois segue com ironia, hipocrisia e maldade à natureza que chora, chora e chora ao tempo e ao vento.

Quero terminar deixando mais uns versos da canção interpretada na linda voz de Maria Bethânia que nos diz o seguinte “…Tempo tempo tempo tempo / Quando o tempo for propício / Tempo tempo tempo tempo / De modo que o meu espírito / Ganhe um brilho definitivo…” Sim, que eu venha a ganhar do tempo um brilho no fim do túnel e que o meu espírito possa sorrir junto com Deus e os deuses do Olimpo num olhar mais singelo aos rios e mangues com ruas e casas floridas e saneamento básico para todos os pobres, porque de “ignorãças” estou cansada, como dizia Manoel de Barros.

Rosângela Trajano, Articulista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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2 thoughts on “Os esgotos a céu aberto que correm para os rios e mangues brasileiros

  • EUGENIA MARIA ALVES DA ROCHA

    Parabéns pelo artigo sobre esgotos a céu aberto! Seu trabalho é importante para dar visibilidade a esse problema e inspirar a busca por soluções.

  • Ariane de Medeiros Pereira

    Parabéns, pelo texto excelente que nos faz pensar sobre a degradação ambiental e as desigualdades sociais . o que queremos para o nosso futuro?

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