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Artigo

A nova missão de Papai Noel!

 

 

“É dos sonhos que nasce a inteligência. É preciso escutar as crianças para que a sua inteligência desabroche” (Rubem Azevedo Alves, paulista, psicanalista, educador e escritor).

Investir na primeira infância tem efeitos duradouros, pois tem consequências na saúde e no bem-estar ao longo de toda a vida, influenciando sobremaneira o envelhecimento

Artigo de Adrimauro Gemaque

Papai Noel, em sua viagem de Natal deste ano, resolveu visitar a América do Sul. Foi então que decidiu conhecer o Brasil. Chegando aqui, quis conhecer a situação das nossas crianças.

Foi uma longa viagem. Foi preciso se deslocar da região da Lapônia, na Finlândia, até chegar no Brasil. Nosso país é o maior da América do Sul, com um território que se estende por cerca de 47% da porção centro-oriental do continente sul-americano. Banhado a leste pelo oceano Atlântico, possui 23.102 km de fronteiras, sendo 15.735 km terrestres e 7.367 km marítimas (DELCICINO, 2013).

Chegando ao Brasil, a primeira coisa que fez Papai Noel foi procurar saber como vivem nossas crianças. Essa nova ‘Missão de Papai Noel’ exigiria muito tempo e ele foi seletivo em decidir adotar algumas premissas básicas que fogem um pouco à realidade. Então, se valeu dos estudos e das estatísticas e decidiu conhecer as crianças que compreendem a Primeira Infância, onde abrangem petizes de 0 a 6 anos.

Conseguiu ter acesso aos dados levantados em 2022, pela Fundação Maria Cecilia do Souto Vidigal, que apontam que no Brasil tinham 18,1 milhões de crianças nesta faixa etária, representando 8,91% da população de todo o país que, de acordo com o Censo 2022 do IBGE, é de 203.080.756.

Afinal, o que é primeira infância?

Primeira Infância é o período da vida que vai da gestação até aos seis anos de idade. Esse conceito está registrado no Marco Legal da Primeira Infância, lei de 2016 que garante os direitos relacionados a essa etapa da vida. Essa fase também pode ser subdividida em duas partes: a primeira primeiríssima infância, que vai da gestação aos três anos de idade, e o período que se estende entre aos 4 e 6 anos.

Para a Fundação Maria Cecilia do Souto Vidigal, são muitos os desafios da Primeira Infância que perpassam pelas prioridades de políticas públicas aos entraves que separam as crianças brasileiras de um cenário onde todas elas possam desenvolver todo seu potencial e receber o afeto que precisam. São obstáculos novos e antigos que permeiam as áreas socioeconômicas, educacionais ou mesmo as que envolvem saúde e as políticas públicas. Dentre elas, a primeira que se pode destacar é a mortalidade infantil para cada 1.000 nascidos vivos. Muito embora apresente declínio de 2010 a 2022, ainda assim se trata de um percentual elevado.

O ideal, obviamente, é que este índice deveria ser zero, que não acontecesse nenhuma morte que fosse possível evitar.

Taxa de Mortalidade Infantil para até 1 ano de idade (2010 – 2022)

taxa de mortalidade infantil para até 1 ano de idade

Fonte: Ministério da Saúde (DataSUS) – Organizado por Datapedia.info. Publicado pela Fundação Maria Cecilia do Souto Vidigal.

Outra intercorrência, é a falta de um acesso universal ao saneamento básico que tem influência direta na saúde pública, com prejuízos especialmente nos primeiros anos de vida. As crianças ficam expostas a infecções, verminoses, gastroenterites, desidratação, hepatite e doenças respiratórias, com efeitos também em seu desenvolvimento cognitivo e emocional (MOREIRA e EUZÉBIO, 2022). Para os especialistas, o saneamento básico é vital para a primeira infância (GEMAQUE, 2022).

Papai Noel também se debruçou no estudo elaborado pelo Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho da PUCRS Data Social (2022), denominado de POBREZA INFANTIL NO BRASIL: 2012–2021, para melhor entender como a pobreza infantil possui grave incidência nessa faixa etária da população. Muito embora o estudo aponte que a diferença tenha se reduzido ao longo dos anos, o registro de que os níveis de pobreza infantil ultrapassam em mais de 50% os números da população geral é algo que merece particular atenção.

Ainda segundo o estudo, foram identificados em 2021, 7,8 milhões de crianças em situação de pobreza e 2,2 milhões em extrema pobreza. De 2020 para 2021, 1,4 milhão de crianças a mais passaram a ser consideradas pobres e outras 800 mil passaram a engrossar a conta da extrema pobreza. Para que se tenha uma ideia de escala da pobreza infantil, o contingente de crianças pobres era maior do que a população de Santa Catarina; e que o número de crianças em extrema pobreza excedia a população de capitais como Curitiba ou Porto Alegre.

Crianças (0-6 anos) vivendo em situação de pobreza, por local de moradia – Brasil, 2012-2021 (%)

crianças vivendo em situação de pobreza no Brasil

Fonte e Elaboração: Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho -PUCRS Data Social (2022).

Achados no estudo trouxe também os números por Unidade da Federação. Mais do que os diferenciais entre UFs, é bastante marcante a discrepância de incidência da pobreza entre as grandes regiões do Brasil. Para 2021, no Maranhão, Piauí, Pernambuco e Bahia, pelo menos uma em cada quatro crianças estava em situação de extrema pobreza; e com exceção do Ceará, todos os estados do Nordeste tinham mais de 60% das suas crianças classificadas como pobres.

O relatório destaca ainda, que estas diferenças significativas nas taxas de pobreza entre as diferentes regiões estão associadas a fatores de diversas ordens. Desde questões de formação histórica dos territórios até aspectos de gestões de políticas públicas regionais, passando pelo volume e pela distribuição de recursos econômicos em cada localidade.

Crianças (0-6 anos) vivendo em situação de pobreza, por Unidades da Federação – Brasil, 2012-2021 (%)

crianças vivendo em situação de pobreza por uf

Fonte e Elaboração: Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho -PUCRS Data Social (2022).

O que também causou indignação em Papai Noel foram os indicadores sobre a violência infantil no Brasil. Trata-se de um sério problema social a ser enfrentado pelos governos, entidades sociais e sociedade como um todo. Esse fenômeno deixa marcas a longo prazo, com consequências mentais, emocionais e físicas que se arrastam para a vida adulta, provocando um impacto profundo no desenvolvimento das crianças e adolescentes.

Notificações de casos de violência contra crianças de 0 a 4 anos (2010-2022)

notificações de casos de violência contra crianças de 0 a 4 anos

Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação-Organizado por Datapedia.info. Publicado pela Fundação Maria Cecilia do Souto Vidigal.

Mesmo com a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece que nenhuma criança ou adolescente pode ser vítima de violência, negligência, exploração, discriminação, crueldade ou opressão, é admissível que venha ocorrendo em nosso país, em especial com aquelas em que seus pais vivem em extrema pobreza. “Garantir às crianças e ao adolescente, a promoção da saúde e a prevenção de agravos, tornando obrigatória a identificação e a denúncia de violência” (BRASIL, 1990).

Evidentemente, que o Papai Noel não conseguiu ver todos os dados estatísticos e estudos sobre a primeira infância no Brasil, em função da sua agenda. Porém, foi o suficiente para compreender que os governantes, nos três níveis de governo, necessitam implementar políticas públicas visando mudar esta realidade.

Investir na primeira infância tem efeitos duradouros, pois tem consequências na saúde e no bem-estar ao longo de toda a vida, influenciando sobremaneira o envelhecimento. Estudos mostram que cuidados e estímulos adequados nos primeiros anos da vida melhoram não só o desenvolvimento cognitivo e emocional, mas também aspectos físicos e de saúde, o que, por sua vez, pode contribuir para um envelhecimento mais saudável. Os investimentos no pré-natal e na primeira infância são para a vida toda (ALVES, 2023).

Todavia, o cenário político atual aliado às políticas de austeridade fiscal, podem impactar negativamente nos indicadores relacionados à primeira infância. Porém, faz-se necessário enfrentar essas evidências visando garantir o direito à saúde, considerando a necessidade de financiamento adequado das políticas públicas de estado relacionadas a primeira infância.

Adrimauro Gemaque, Administrador, Consultor e Articulista.

PS: Este artigo dedico a minha filha Manuela, que tem cinco anos e que vive a plenitude da primeira infância. Sou convicto de que quando estiver na vida adulta irá ler e ter a percepção de como tinha o olhar para esses cenários da primeira Infância no nosso país.

Referências:

DELCICINO, R. Fronteiras brasileiras – Os limites do nosso território (2013).

GEMAQUE, A.S.G. Primeira infância e saneamento básico têm a ver com o futuro das crianças? (2022).

SALATA, André; MATTOS, Ely José de; BAGOLIN, Izete Pengo. Pobreza infantil no Brasil: 2012-2021. Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho – PUCRS Data Social. Porto Alegre, 2022. Disponível em <http://www.pucrs.br/datasocial>

Plano Nacional da Primeira Infância. Elaborado pela Rede Nacional Primeira Infância Aprovado pelo CONANDA em dezembro de 2010 – Revisado e atualizado em 2020.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

ALVES, JED. Os jovens de hoje e os bebês que ainda vão nascer serão os idosos de 2100. https://www.ecodebate.com.br/2024/12/11/os-jovens-de-hoje-e-os-bebes-que-ainda-vao-nascer-serao-os-idosos-de-2100/

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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