Mudança climática potencializa endemias como a do Oropouche
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OPAS atribui crescimento de casos de Febre Oropouche às mudanças climáticas, ao desmatamento e à urbanização desordenada no Brasil e em alguns locais da América Central e do Sul
Por Tássia Lourenço e Vinicius Lima
Endêmica na região amazônica, a doença transmitida por mosquitos foi verificada em outros locais do Brasil; Patologistas serão fundamentais na identificação de novos casos com descentralização diagnóstica promovida pelo Ministério da Saúde.
Em 1º de agosto, a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) emitiu um alerta epidemiológico sobre o aumento no número de casos notificados da Febre Oropouche em 2024. A organização internacional atribuiu tal crescimento às mudanças climáticas, ao desmatamento e à urbanização desordenada no Brasil e em alguns locais da América Central e do Sul.
Apenas em nosso País, em Boletim Epidemiológico de julho, o Ministério da Saúde informou a ocorrência de 6.976 casos de Febre Oropouche no Brasil, um aumento de quase 12% em relação ao ano anterior. Endêmica na região amazônica, a doença também teve casos confirmados entre homens e mulheres de diferentes faixas etárias, nas regiões Nordeste (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí), Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e Sul (Santa Catarina). Novos casos aguardam diagnóstico.
Especialista responsável por diagnosticar o primeiro caso em feto e de relatá-lo em reunião do Ministério da Saúde com a OPAS na última semana, o médico patologista da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) Dr. Juarez Quaresma relaciona às mudanças climáticas a disseminação do Maruim, Puim ou Mosquito-pólvora (Culicoides paraensis), pequeno mosquito comum em árvores frutíferas e que é transmissor do vírus Orthobunyavirus oropoucheense (OROV), causador da Febre Oropouche.
“Esses mosquitos são de zonas tropicais, acostumados a climas quentes e úmidos. Com o aquecimento global, eles estão cada vez mais se espalhando”, afirma o patologista em arboviroses, doenças causadas por vírus transmitidos por artrópodes como os mosquitos, e que atua como pesquisador do Instituto Evandro Chagas e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Estadual do Pará (UEPA).
Dados recentes do Serviço de Alterações Climáticas Copernicus (C3S) da União Europeia informam que julho de 2024 foi o segundo julho mais quente já registrado desde o período pré-industrial, ou seja, antes do século XIX.
Quaresma também detalha que o OROV foi isolado pela primeira vez no Brasil em 1960 a partir de amostra de sangue de um bicho-preguiça, durante a construção da rodovia Belém-Brasília para a qual foi realizado um desmatamento de parte das Regiões Centro-Oeste e Norte. Em seu ciclo na natureza, o vírus é comum em animais silvestres que atuam como hospedeiros. Em seu ciclo urbano, o humano se torna seu hospedeiro. Desde àquela década, já haviam sido relatados casos isolados e surtos em Estados da região Amazônica, mas agora a doença tomou uma proporção extra-Amazônia.
Sintomas e tratamento – Entre os sinais e sintomas característicos da Febre Oropouche, estão febre, dor de cabeça intensa, exantema (vermelhidão no corpo), prostração e dor nas articulações, tornando-a semelhante à Dengue. “No entanto, diferente da Dengue que a dor de cabeça é atrás do olho, na Febre Oropouche ela afeta toda a cabeça e pode inflamar as meninges, o que pode causar a morte.”, explica ele.
O Ministério da Saúde orienta que as pessoas evitem o contato com áreas de ocorrência e/ou minimizam a exposição às picadas dos mosquitos vetores, usando roupas que cubram a maior parte do corpo e repelente nas áreas expostas da pele, também que sejam limpos terrenos e locais de criação de animais, recolhidas folhas e frutos que caem no solo e usem telas de malha fina em portas e janelas.
Ainda não existe tratamento específico, sendo recomendado às pessoas diagnosticadas com Febre Oropouche o repouso e o acompanhamento médico.
Atuação do patologista – Entre as ações tomadas pelo Ministério da Saúde está a descentralização do diagnóstico do vírus Oropouche para os Laboratórios Centrais (Lacens) de Saúde Pública, que recebem para análise amostras de sangue e tecido orgânico e podem também encaminhá-lo para centros de referência como o Instituto Evandro Chagas. Quaresma conta que nesses laboratórios, os patologistas realizam exames de biologia molecular, de imunohistoquímica e correlacionam as lesões nos órgãos à determinada doença, sendo preponderante seu papel no diagnóstico.
O especialista relata que o caso diagnosticado em um feto, que até se desenvolvia de forma saudável até o sétimo mês de gestação, foi transmitido pela mãe a partir de infecção pelo OROV e ocorreu em Recife (PE), portanto, fora da região Amazônica.
“A gestante teve dois episódios de quadros febris e depois não sentiu mais o feto se mexer. Com a verificação de que o feto estava morto, o parto foi induzido e tecidos do cérebro, baço, rim, fígado, coração e pulmão me foram encaminhados para análise. O pulmão e o rim estavam bastante comprometidos e o cérebro apresentava edemas, tinha bastante água, uma das características da Febre Oropouche mais grave”, relata ele, que convenceu representantes do Ministério da Saúde e a OPAS do nexo causal entre a infecção pelo vírus e a morte fetal.
Nesse sentido, para ele, a SBP tem protagonismo ao realizar ações para qualificar exames realizados por médicos patologistas e laboratórios de todo o Brasil, informando e formando os especialistas que podem atuar no diagnóstico das arboviroses cujo crescimento no número de casos é uma tendência com o aquecimento global. “Também podemos atuar fundamentalmente no diálogo com gestores públicos para definir estratégias sanitárias, sem que para isso tenhamos que alarmar a população”, conclui.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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