Decrescimento populacional com prosperidade social em Portugal
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O exemplo de Portugal mostra que pode haver decrescimento da população com prosperidade social e ecológica
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Portugal era um país pobre e com renda per capita abaixo da média mundial na primeira metade do século XX. Mas entrou no século XXI como um país pertencente à União Europeia e com indicadores sociais próprios do clube de países ricos: baixa mortalidade infantil, alta expectativa de vida ao nascer, elevada idade mediana, uma renda per capita bem acima da média mundial e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do grupo muito alto.
A população portuguesa era de 5,4 milhões de habitantes em 1900, passou para 8,4 milhões em 1950 e ultrapassou a marca de 10 milhões de habitantes no século XXI. O gráfico abaixo, com dados do FMI, atualizados em abril de 2024, mostra que a população de Portugal era de 10,3 milhões de habitantes no ano 2000, chegou ao pico de 10,6 milhões em 2010 e deve ficar em 10,2 milhões de habitantes em 2029. Portanto, houve decrescimento da população a partir de 2011.
Contudo, a renda per capita, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp), apresentou uma relação, pode-se dizer, surpreendente para a sabedoria convencional. Entre o ano 2000 e 2013, enquanto a população apresentou crescimento, a renda per capita caiu de US$ 30,4 mil em 2000 para US$ 30,1 mil em 2013. Mas no período 2013 a 2029, enquanto a população decresce, os números do FMI apontam para um crescimento da renda per capita de US$ 30,1 mil para US$ 41,8 mil (um acréscimo de quase 40%). Ou seja, a redução do volume de habitantes não impediu a prosperidade e o crescimento do poder de compra médio da população portuguesa.
Portugal tinha um IDH de 0,793 no ano 2000, passou para 0,831 em 2010 e chegou a 0,874 em 2022, ocupando o 42º lugar no ranking global dos países (o Brasil estava em 89º lugar em 2022). Portanto, o decrescimento da população não impediu o avanço do IDH, mesmo em um quadro de envelhecimento populacional.
A idade mediana era de 36,7 anos no ano 2000 e passou para 45 anos em 2024. Para efeito de comparação a idade mediana do Brasil é de 34 anos em 2024. Portanto, mesmo com uma estrutura etária mais envelhecida do que a brasileira, Portugal tem conseguido aumentar a renda per capita em ritmo superior à média mundial e tem conseguido reduzir a pegada ecológica e o déficit ambiental.
No pensamento convencional, o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento demográfico é interpretado como “armadilha gerontológica” ou “inverno demográfico” e seria o fim da linha para o desenvolvimento humano de qualquer nação.
Contudo, o exemplo de Portugal mostra que pode haver decrescimento da população com prosperidade social e ecológica. A diminuição da população em idade ativa, de fato, significa o fim do 1º bônus demográfico. Mas os países podem contar com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da longevidade e da geração prateada.
Os idosos devem ser vistos como um ativo produtivo e não como um passivo que representa gastos de uma população improdutiva. O chamado “inverno demográfico” de Portugal pode se transformar em primavera social e ambiental. A redução da população não é um problema e pode se tornar uma solução.
Esta visão sobre o decrescimento populacional como oportunidade de progresso social e ambiental é apontada pelo renomado demógrafo Wolfgang Lutz, que traça um quadro bastante otimista do futuro da civilização humana se for dada prioridade à educação universal e, em particular, à educação feminina:
“Mais investimentos em educação compensa em termos de maior bem-estar, e ainda mais quando combinado com níveis de fecundidade que levam ao declínio populacional a longo prazo em países individuais e, em última análise, em todo o mundo. Portanto, esta conclusão apoia o título do artigo, que afirma que o declínio da população global não é apenas provável, mas também irá beneficiar o bem-estar humano a longo prazo” (Lutz, 2023, p. 13).
Como observou Jennifer Sciubba (2023): “Desde a década de 1960, a população mundial mais do que duplicou, mas a taxa de crescimento vem diminuindo o tempo todo. Estamos testemunhando a mudança mais fundamental que ocorreu na história humana moderna. A mudança generalizada e permanente para uma baixa taxa de fecundidade, acompanhada do envelhecimento populacional (…) Vamos fazer dessa mudança um planeta resiliente e reimaginar um mundo mais prateado e com menor número de pessoas, como um mundo mais bonito”.
Segundo o artigo “Population and climate change” (LOWE et al, 2022, p. 39): “Se levamos a sério o nosso objectivo declarado de viver de forma sustentável, estabilizar a população futura é um requisito essencial. Isto é verdade no que diz respeito às alterações climáticas e se aplica a outras questões ambientais, como a perda de biodiversidade e a conservação de habitats, bem como garantir suficiência futura de alimentos, água e fornecimento de energia. A população deve ser integrada na política pública para todas essas questões. Atingir um pico populacional global na data mais próxima e no nível mais baixo alcançável aumentará enormemente a viabilidade de limitar o aquecimento global a menos de 2°C, e simultaneamente reduzir a vulnerabilidade das futuras pessoas aos impactos das alterações climáticas”.
Artigo de Lainos et al (2023), utilizando o método de estimativa do grupo médio agrupado (PMG), constataram: “que o declínio da população pode andar de mãos dadas com o crescimento do PIB e o aumento do PIB per capita e, ao mesmo tempo, a taxa de participação no trabalho pode aumentar e o desemprego pode diminuir.
Como disse Nathanial Gronewold (2024): “Nada cresce para sempre – por favor, repita estas três palavras em voz alta na próxima vez que você estiver em um pub ou esperando na fila para algo ou de outra forma em público e acontecer de ouvir alguém preocupado com as últimas notícias sobre a queda das taxas de fecundidade. Seja educado sobre isso, claro, mas por favor repita este fato básico da física em voz alta e com orgulho e sem hesitação, martelando o ponto fica claro para todos ao alcance da voz” (p. 5).
Em geral, o declínio da fecundidade provoca medo entre políticos, religiosos e investidores. Eles se preocupam com sistemas de pensões, saúde e crescimento econômico. Até o Papa Francisco se pronunciou dizendo que ter animais de estimação em vez de filhos era uma atitude egoísta. No entanto, não se deve desesperar com a baixa fecundidade. Suas consequências são menos cataclísmicas do que frequentemente se supõe, como mostrou o demógrafo Vegard Skirbekk, no livro “Decline and Prosper! Changing Global Birth Rates and the Advantages of Fewer Children” (2022).
Skirbekk considera que a fecundidade muito baixa pode causar tensões fiscais e afetar negativamente o crescimento econômico. Contudo, uma taxa de fecundidade total (TFT) entre 1,5 e 2 filhos por mulher favorece a autonomia reprodutiva, a igualdade de gênero e o avanço da educação e do mercado de trabalho. Baixa fecundidade favorece os investimentos na qualidade de vida das crianças e ajuda a minimizar o impacto humano no planeta. Além disso, segundo o autor, é hora de aceitar que a baixa fecundidade veio para ficar. As políticas públicas é que precisam se adaptar a essa nova realidade.
De acordo com O’Sullivan (2020) o envelhecimento populacional não deve ser visto como um entrave: “Uma sociedade madura não é apenas uma sociedade para os idosos. Num mundo pós-transição com uma população estacionária ou em declínio, as crianças podem receber melhor apoio para desenvolverem o seu potencial. Os jovens adultos têm maior probabilidade de aceder a empregos seguros nos quais a sua contribuição é valorizada e a sua o capital humano é nutrido. Poderia ser oferecida aos trabalhadores mais velhos maior flexibilidade para permanecerem no força de trabalho na medida que eles escolherem. As famílias têm maior probabilidade de conseguir habitação acessível e se beneficiar da herança. Menos desigualdade de rendimentos e mais voluntariado por parte do nosso exército de reformados capazes contribuirão para a coesão social” (p. 37).
Portanto, o envelhecimento populacional é inexorável, mas isto não implica necessariamente em retrocesso nos indicadores sociais. O mundo será um lugar melhor para se habitar se o decrescimento populacional dos países for acompanhado do aumento da renda per capita e da redução da pegada ecológica e do déficit ambiental.
Um mundo com menor quantidade de pessoas, pode ser um mundo com maior qualidade de vida humana e ecológica. O caso de Portugal pode servir de exemplo para a população brasileira.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A população de Portugal de 1950 a 2100, Ecodebate, 28/02/2024
https://www.ecodebate.com.br/2024/02/28/a-populacao-de-portugal-de-1950-a-2100/
ALVES, JED. O que está por trás do encolhimento das famílias brasileiras? Sputnik Brasil, podcast Jabuticaba Sem Caroço, 21/06/2024
LUTZ, Wolfgang. “Population decline will likely become a global trend and benefit long-term human
wellbeing.” Vienna Yearbook of Population Research 2023, pp. 1-15.
https://pure.iiasa.ac.at/id/eprint/18893/1/Lutz.pdf
SCIUBBA, Jennifer D. The truth about human population decline, TED, 2023 https://www.ted.com/talks/jennifer_d_sciubba_the_truth_about_human_population_decline/transcript?subtitle=en
LIANOS, T.P., Pseiridis, A. & Tsounis, N. Declining population and GDP growth. Humanit Soc Sci Commun 10, 725 (2023). https://doi.org/10.1057/s41599-023-02223-7
LOWE, I., Cook, P., and O’Sullivan, J. (2022). Population and climate change (Sustainable Population Australia Discussion Paper). Sustainable Population Australia.
https://population.org.au/wp-content/files/Population-Climate-Web-Version-110222.pdf
Nathanial Gronewold. In Praise of Population Decline, NPG Forum Paper, June 2024
https://npg.org/wp-content/uploads/2024/06/2024-InPraiseofPopulationDecline-FP.pdf
SKIRBEKK, Vegard. Decline and Prosper! Changing Global Birth Rates and the Advantages of Fewer Children, Palgrave Macmillan, 2022
O’SULLIVAN, J.N. Silver tsunami or silver lining? Why we should not fear an ageing population. Discussion paper, Sustainable Population Australia. 2020.
https://population.org.au/discussion-papers/ageing/
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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