O pico dos nascimentos no mundo e nos quatro países mais populosos
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Diferentemente das pragas da idade das trevas ou das doenças contemporâneas que ainda
não compreendemos, a praga moderna da superpopulação é solúvel pelos meios que
descobrimos e com os recursos que possuímos. O que falta não é conhecimento
suficiente da solução, mas consciência universal da gravidade do problema e
educação dos bilhões que são suas vítimas” Martin Luther King (1966)
A transição demográfica é o fenômeno de mudança de comportamento de massa mais importante da história da humanidade. Desde o surgimento do Homo sapiens, há mais de 200 mil anos, o ser humano lutou contra as altas taxas de mortalidade e teve que manter altas taxas de natalidade para compensar o grande número de óbitos.
Mas esta história mudou nos últimos dois séculos. As taxas de mortalidade começaram a cair ainda no século XIX e continuaram caindo desde então. As taxas de natalidade também começaram a cair em alguns países mais ricos, especialmente na primeira metade do século XX, mas passou a apresentar uma queda global a partir do final da década de 1960.
Em decorrência da transição demográfica, que vem se desenrolando nos últimos 2 séculos, o número de nascimentos no mundo já chegou ao pico, ou seja, o número de bebês que vinha crescendo até a segunda metade do século XX, estabilizou na virada do milênio, atingiu um valor máximo, passou a diminuir e vai continuar decrescendo ao longo do atual século. É o prelúdio de um decrescimento da população total que será a grande novidade no final do século XXI.
O número de nascimentos no mundo era de 92 milhões de bebês em 1950, subiu para 142 milhões em 1990, caiu para 134 milhões no ano 2000 e atingiu o pico de 144,2 milhões de bebês em 2012. Em 2023, nasceram 134 milhões de bebês, este número deve subir até 139 milhões em 2042 e vai apresentar um declínio contínuo até 111 milhões de bebês em 2100, segundo a Divisão de População da ONU.
A população mundial era de 2,5 bilhões de habitantes em 1950, chegou a 5 bilhões em 1987 (dobrou em 27 anos), alcançou 8 bilhões de habitantes em 2022 e deve atingir 9 bilhões em 2037. O pico populacional global está estimado em 10,43 bilhões em 2086 e a Divisão de População da ONU prevê um decrescimento para 10,35 bilhões em 2100. Mas o grupo etário 0 a 14 anos que era de 868 milhões de pessoas em 1950, chegou ao pico em 2001, com 1,86 bilhão de pessoas. Portanto, o grupo global de crianças e adolescentes (0-14 anos) já começou a diminuir desde 2002 e deve chegar a 1,70 bilhão de pessoas em 2100.
A transição demográfica também está em estágio avançado nos 4 países mais populosos do mundo. O gráfico abaixo, com dados da projeção média da Divisão de População da ONU (revisão 2022), mostra o número de nascimentos na Índia, China, EUA e Indonésia, de 1950 a 2100.
Nota-se que, na China, nasciam cerca de 25 milhões de bebês em medos do século passado, caiu durante a crise do “Grande Salto para a Frente”, ultrapassou a casa de 30 milhões de nascimentos durante a Revolução Cultural, caiu novamente nas décadas de 1970 e 1980 e chegou a 28 milhões de nascimentos em 1990. A partir de 1991 a diminuição do número de nascimentos foi muito grande, atingiu 10 milhões de bebês em 2023 e deve ficar abaixo de 5 milhões no final do século. Entre 1964 e 2024, o número de nascimentos caiu 3 vezes, de cerca de 30 milhões para 10 milhões. Entre 1964 e 2100, o número de nascimentos deve cair 6 vezes, de 30 milhões para 5 milhões por ano.
Na Índia, o número de nascimentos foi de 15,7 milhões em 1950, cresceu até o pico de 29 milhões em 2001, caiu para 23 milhões de bebês em 2023 e deve diminuir para 13 milhões no final do atual século. Nos Estados Unidos da América (EUA), o número de nascimentos foi de 3,4 milhões em 1950, subiu para 4,1 milhões em 1990 caiu nos anos seguintes e atingiu o pico de 4,3 milhões de bebês em 2007. O número de nascimentos caiu para 3,7 milhões em 2023 e deve ficar em 3,6 milhões de bebês em 2100.
Na Indonésia, o número de nascimentos era de 2,8 milhões em 1950, chegou ao pico de 5,1 milhões em 1982, caiu para 4,4 milhões em 2023 e deve ficar em 2,9 milhões de bebês em 2100. Há várias décadas nascem mais bebês na Indonésia do que nos EUA, mas a população americana continua maior por conta do maior saldo migratório dos EUA.
A diminuição do número de nascimentos é um prenúncio do decrescimento futuro da população total. Como a queda do número de nascimentos na China começou na década de 1970 e caiu rápido nas décadas seguintes, a população total da China já está diminuindo desde 2022 e vai ter uma queda gigante até 2100. Já a Índia se tornou o país mais populoso do mundo em 2023, vai continuar crescendo até 1 bilhão e 697 milhões de habitantes em 2063 e apresentará um decrescimento para 1,53 bilhão de pessoas em 2100.
Os EUA são o terceiro país mais populoso do mundo e segundo as mais novas projeções do US Census Bureau (o IBGE dos EUA), a população do país deve crescer até 370 milhões de habitantes em 2080, para iniciar uma fase de decrescimento demográfico para 366 milhões de habitantes em 2100. A população da Indonésia era de 70 milhões de habitantes em 1950, chegou a 275 milhões em 2022, deve atingir o pico populacional em 2061, com 319 milhões, para apresentar um decrescimento para 297 milhões de habitantes em 2100.
O importante a destacar é que todo país com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) passou pela transição demográfica. Não existe país com alto nível de bem-estar com taxas de mortalidade e natalidade elevadas.
Como escreveu Martin Luther King, em 1966, o alto crescimento demográfico dificulta o combate à pobreza e dificulta a melhoria das condições de educação, saúde, moradia, etc.
A diminuição do número de nascimentos é uma excelente notícia, tanto em termos sociais, quanto em termos ambientais. A redução do número de crianças abre espaço para o investimento na qualidade de vida das novas gerações, para a ampliação dos direitos de cidadania e para a melhor qualificação da força de trabalho. Por exemplo, ao invés de investir em novas instalações escolares, a diminuição do número de potenciais estudantes permite se investir na melhoria da qualidade da educação e na expertise profissional.
Em termos ambientais é uma notícia alvissareira, pois diminui a demanda por serviços ecossistêmicos e reduz, inevitavelmente, a poluição gerada pelas atividades antrópicas. O decrescimento demoeconômico com prosperidade social abre caminho para as políticas de mitigação e adaptação frente aos desafios da emergência climática e para o fortalecimento do meio ambiente, juntamente com a aceleração da restauração ecológica.
O decrescimento demográfico de China, Índia, EUA e Indonésia – que juntos possuem mais de 3 bilhões de habitantes – é uma boa notícia que, juntamente com o decrescimento da população global, vai se concretizar ao longo do século XXI, abrindo espaço para um Planeta com menos pessoas, mas com maior qualidade de vida social e ambiental.
Referências:
ALVES, JED. O mundo chegará a 8 bilhões de habitantes no dia 15 de novembro de 2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/07/11/o-mundo-chegara-a-8-bilhoes-de-habitantes-no-dia-15-de-novembro-de-2022/
ALVES, JED. A China deve perder 654 milhões de habitantes entre 2022 e 2100
https://www.ecodebate.com.br/2022/08/03/a-china-deve-perder-654-milhoes-de-habitantes-entre-2022-e-2100/
ALVES, JED. A Índia como o país mais populoso do mundo e com enormes desafios ecossociais
https://www.ecodebate.com.br/2022/08/10/a-india-como-o-pais-mais-populoso-do-mundo-e-com-enormes-desafios-ecossociais/
ALVES, JED. A população da Indonésia de 1950 a 2100
https://www.ecodebate.com.br/2022/08/31/a-populacao-da-indonesia-de-1950-a-2100/
ALVES, JED. A população dos Estados Unidos deve começar a decrescer em 2081
https://www.ecodebate.com.br/2023/11/24/a-populacao-dos-estados-unidos-deve-comecar-a-decrescer-em-2081/
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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