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Artigo

Tuaregues das praias

trecho da calçada da praia do iperoig

mapa hidrogeoquímico do litoral norte de são paulo

Fotos de trecho da calçada da Praia do Iperoig (06/04/2024), Ubatuba, onde foi feita trincheira para colocação de muro de gabião recoberto de areia, com posterior colocação de bloquetes e de recorte de mapa hidrogeoquímico (31/08/1993) do Litoral Norte do Estado de São Paulo, com feixe de falhas geológicas, alinhado na direção nordeste. Autor: Heraldo Campos.

 

Artigo de Heraldo Campos

Segundo renomados pesquisadores brasileiros da área de geologia [1], em trabalhos realizados há mais de quatro décadas passadas, o estudo da geologia, tectônica, geomorfologia e sismologia regionais de interesse às usinas nucleares da Praia de Itaorna (RJ) as condições tectônicas atuais parecem ser residuais, com discreta acomodação dos blocos intensamente movimentados no Terciário.

Essa acomodação, a se julgar pelos dados geomorfológicos e sísmicos, não é generalizada mas se concentra em área de maior incidência, caracterizando várias zonas sismogênicas. Essas zonas de instabilidade tectônica e sismogênica têm sido consideradas como províncias sismo-tectônicas.

Alarmismos à parte, principalmente pelo recente terremoto de magnitude 4,8 sentido na cidade de Nova York e arredores (05/04/2024), vem, também, a lembrança familiar de que o desconforto causado por um tremor de terra foi sentido no bairro do Brás, na capital de São Paulo, no mesmo prédio em que nasci, no ano de 1954. Acrescenta-se que, nesse contexto dos terremotos, nunca é demais mencionar que segundo o dicionário de Tupi-Guarani [2] a palavra “Itaorna” quer dizer “Pedra friável, que se esfarela”.

Mas, então, por que será que foi construída uma usina nuclear em Angra dos Reis, por exemplo, numa praia de “Pedra friável, que se esfarela”?

Ao que tudo indica, mais uma vez, a sabedoria dos povos indígenas que apontavam alguma coisa frágil nessa área, parece que foi ignorada. Por isso, precisamos ficar diuturnamente atentos e não baixar a guarda. Com esse espírito e de forma bem simplificada, sem exageros, pode-se dizer que Ubatuba e arredores está situada em área sobre feixe de falhas geológicas [3], alinhado na direção nordeste, numa zona sismogênica, e que os efeitos sísmicos potenciais poderiam causar eventuais danos em construções comuns.

Entretanto, “Será que, numa hipótese macabra, tivesse ocorrido um acidente nuclear em Angra dos Reis (RJ) por causa de um terremoto, durante o governo militar existente no período de 2019 a 2022, as populações que habitam esse município e região teriam ouvido um sonoro “e daí?”, como foi durante um bom tempo da pandemia do coronavírus e sem vacina?

Lamentavelmente, essa hipótese não pode ser descartada. Mas, como voltamos a ter um governo que preza o diálogo e a democracia, espera-se que a população angrense tenha treinamento suficiente para saber onde deve ir em caso de algum infortúnio geológico porque, salvo melhor juízo, o ubatubense que vive cerca de 160 km dessa região talvez não saiba o que fazer, nem para onde ir. Terremotos e daí?”. [4]

Por outro lado, saindo de uma escala regional para uma escala local, e mudando de certa maneira de assunto, é de conhecimento que “Em várias cidades espalhadas pelo mundo cada dia que passa se observa a proliferação de espigões altíssimos que parecem que ao atingir os céus buscam um “contato com Deus”.

Muitas cidades litorâneas também estão caminhando para essa linha de ocupação verticalizada e cada vez mais alta com seus edifícios mas, outras, no entanto, ainda se expandem pela malha urbana com prédios menores, de quatro cinco andares, como é caso que vem ocorrendo, há alguns anos, no município de Ubatuba, localizada no Litoral Norte do Estado de São Paulo.” [5]

“Setores colados nas faixas de areia das praias, muitas vezes ocupados por residências, restaurantes, quiosques e outros equipamentos urbanos, que não deveriam estar assentados nesses lugares, podem ter a sua destruição causada pela ação das águas do mar e, ao mesmo tempo, interferir de forma desfavorável nos serviços ecossistêmicos, prejudicando a regulação biológica de extensas áreas da orla marítima. Um exemplo disso é o processo erosivo na beirada do calçamento na praia do Iperoig em Ubatuba (SP).” [6]

Recentemente, esse trecho do calçamento foi recuperado, onde foi feita trincheira para colocação de muro de gabião e recoberto com areia, para posterior assentamento de bloquetes. O monitoramento contínuo dessa área, na identificação de futuros processos erosivos provocados pela ação do mar, deve ser constante para verificar se esse tipo de obra vai ter uma capacidade duradoura ao longo do tempo.

A observação e perseverança dos tuaregues das praias, que vivem caminhando nesse espaço e não muito distante de Angra dos Reis, não vai deixar de existir.

Para encerrar, fica aqui o trecho de ”Tuareg” canção de Jorge Ben, feita para o disco “Gal”, lançado em 1969: “Pois com muita fé, ele só para pra rezar / Pois pela direção do sol e das estrelas / No oásis escondido, água ele vai achar / Pois o homem de véu azul é o prometido de Alá”.

Fontes

[1] Hasui, Y.; Almeida, F. F. M. de; Mioto, J. A.; Melo, M. S. de. 1982. Geologia, tectônica, geomorfologia e sismologia regionais de interesse às usinas nucleares da Praia de Itaorna. Monografia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT/Publicação IPT nº 1.225. São Paulo, SP. 149 p., 4 anexos.

[2] “Vocabulário Tupi-Guarani-Português” de Francisco da Silveira Bueno, 3ª Edição Revista e Aumentada, Brasilivros Editora e Distribuidora Ltda, de 1984.

[3] Campos, H. C. N. S. “Caracterização e cartografia das provincias hidrogeoquímicas do estado de São Paulo”. 1993. 1 mapa na escala 1:1.000.000. São Paulo. Inst. Geoc. USP. 177 p. (Tese Dout.).
https://doi.org/10.11606/T.44.1993.tde-02092013-101042

[4]”Terremotos e daí?” artigo de 19/09/2023.
https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2023/09/terremotos-e-dai.html?view=magazine

[5] “Manjadas associações” artigo de 14/08/2023.
https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2023/08/manjadas-associacoes.html?view=magazine

[6] “Biscoito de polvilho” artigo de 20/04/2022.
https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2022/04/biscoito-de-polvilho.html?view=magazine

* Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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