Aquecimento global é pior para os mais pobres
Artigo de Benedita de Fátima Delbono
O aquecimento global reflete a desigualdade institucionalizada, pois, atinge diretamente aqueles que possuem os menores recursos à sobrevivência
A organização político-social dos países sempre teve como cerne o elo entre a pessoa humana, a sociedade, a natureza e os fatores ambientais, refletindo-se, portanto, no Direito. Sendo certo que a consciência, dentro da cultura ocidental, veio a ocorrer, apenas, com certa força, partir dos anos 60, quanto a importância da natureza e sua conexão de interesse com a pessoa humana. Assim sendo, dada a importância, o meio ambiente – e o direito sobre ele – ganhou espaço constitucional, sendo declarado como um direito fundamental. Apesar da constitucionalização do direito ambiental, a consciência e a ações humanas, em face do meio ambiente, não correspondem a sua importância.
A mudança de postura institucional e a mudança no padrão de comportamento das pessoas andam a passos curtos à mitigação dos danos já perpetrados, bem como, para a precaução e prevenção de eventuais danos ao meio ambiente. E, há um profundo desinteresse ao conhecimento das consequências dessas ações nocivas ao meio ambiente a curto, a médio e, principalmente, a longo prazo.
Estamos experimentando no Brasil – apesar dos alertas frequentes e das tentativas de normatização nacional e internacional para garantir o meio ambiente, em especial, o acordo de Paris assinado em 2015 – o retrocesso diante das práticas, apesar da política nacional de mudança climática brasileira, as quais vem contribuindo sobremaneira com os resultados desastrosos do avanço ao aquecimento global.
A ONU se pronunciou a poucos dias, sobre o impacto do aquecimento global à humanidade, decorrente da emissão de gases do efeito estufa que, pela emissão contínua, podem romper o limite de temperatura em pouco tempo. Este foi o relatório* emitido pela ONU, por meio do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ou Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC), órgão criado em 1988 para fornecer aos governos informações científicas sobre a utilização das políticas sobre aquecimento global, sendo que o seu primeiro relatório foi publicado em 1992, o qual já apresentou avaliação abrangente sobre o clima e suas respectivas mudanças. O processo para o efeito estufa se dá pela queima de combustível fóssil – petróleo e carvão – para geração de energia em larga escala, cujo processo libera a emissão de gás carbônico (CO2), óxido nitroso (N2O) e metano (CH4).
A consequência da emissão desses gases na natureza gera efeitos expressivos ao clima, os quais estão sendo experimentadas por todos nós, nos últimos anos. Há, por parte das instituições governamentais, uma tentativa de equilibrar dimensões incompatíveis e, diante de uma escolha por esses entes, o meio ambiente tem que ser prioridade, pois, ele garante a nossa sobrevivência na Terra. Não resta dúvida que as mudanças no clima são ações antrópicas – ações exercidas pela pessoa humana, que provocam impacto ao meio ambiente -, pois o espaço geográfico reflete a vínculo existente entre a sociedade e a natureza.
A preservação do meio ambiente pede com urgência a revisão e a ressignificação da nossa existência e o compromisso com esta, pois, é uma ação e um compromisso de todos para a eliminação e redução da emissão gazes de efeito estufa, do desmatamento, da poluição e para com a preservação dos recursos hídricos.
Diante dos fatos, é inegável como nós nos encarregamos de levar o planeta ao colapso e, como denunciado por muitos pesquisadores, criamos por nossas ações o maior risco à vida humana que é o aquecimento global (Fredes. 2016). Pode se afirmar, portanto, que a defesa do meio ambiente, hoje, corresponde ao direito de sobreviver. E sobrevivendo já estão os pobres, que são os mais afetados, como sempre, pelo caos.
A Doutora em Serviço Social e Professora da UEPG, Selma Maria Schons, durante o Seminário Internacional que tratou das experiências da agenda 21 e os desafios do nosso tempo, lá 2009, já contribuiu falando sobre o aquecimento global e a condição da pobreza, apontando a contradição do sistema que consome mais do que planeta consegue repor. Asseverando que há um consumo desigual que está pondo em risco toda vida humana. Advertiu, ainda, sobre a desigualdade institucionalizada que faz com que aqueles com maior poder econômico e político não tenham percepção do limite e consciência da sua interdependência ecológica e, há por esses, uma apropriação de bens, obrigando outros a sobreviver com o mínimo, sendo que esses, que já vivem com o mínimo – os pobres – são os que menos contribuem com o descaso com o meio ambiente, porém, são os mais afetados, pois, não possuem os recursos necessários para se adaptar ou se proteger dos impactos que a mudança climática provoca. Não são poucas as notícias veiculadas pela mídia em geral, a respeito de pessoas morrendo de frio durante o inverno brasileiro, principalmente, as pessoas em condição de rua nos grandes centros urbanos. A incoerência se verifica, pois, os grandes centros, com mais recursos, apresentam-se escassos perante os pobres.
O aquecimento global afeta, também, a segurança alimentar porque o clima afeta o plantio e a colheita, comprometendo a qualidade e quantidade alimentar e nutricional, que já é escassa e comprometida para a população mais pobre. E, também, compromete a soberania alimentar que, segundo o Fórum Mundial sobre o tema, ocorrido em Havana em 2001, é a via para se erradicar a fome e a desnutrição e garantir a segurança alimentar duradoura e sustentável para todos os povos, pois, trata-se do fomento à políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda a população.
Portanto, o aquecimento global reflete a desigualdade institucionalizada, pois, atinge diretamente aqueles que possuem os menores recursos à sobrevivência. Por essa razão, nas palavras de Schons é “preciso apostar na mudança de paradigmas, rever nossas ações, atitudes, motivações e valores. Trata-se de uma construção coletiva para desenhar uma nova política com princípios éticos mais favoráveis à vida. Somos assim colocados diante de escolhas: continuar no vício do consumismo sem limites como ‘saqueadores e predadores’, com nossos individualismos ou, coletivamente, tomar consciência, criar resistências, fortalecer as vozes que denunciam os saques e buscam desenvolver os valores da troca e da solidariedade entre os povos, principalmente em vista das gerações futuras”.
Que as nossas ações sejam, portanto, praticadas em defesa da vida e se façam de modo a garantir o meio ambiente sadio para todos, independentemente de sua condição social.
Benedita de Fátima Delbono é pós-doutora em Comunicação, doutora em Direito e professora de Direitos Humanos da Universidade Presbiteriana Campinas
*Nota da redação EcoDebate: Leia a síntese das principais conclusões do relatório do IPCC clicando aqui
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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