EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

A crise climática agrava a crise alimentar

 

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Não sou pessimista; a situação é que é péssima”.
José Saramago (1922-2010)

A crise climática e ambiental é uma enorme ameaça à pretensão da ONU de conseguir efetivar a meta da erradicação da fome até 2030

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram aprovados pela ONU no ano de 2015 e o Objetivo # 2, estabelece a meta de acabar com a fome até 2030, além de garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e indivíduos em situações vulneráveis, incluindo crianças e idosos, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.

De fato, a fome vinha diminuindo no mundo nas últimas décadas e o ODS # 2 expressava uma visão otimista da possibilidade de erradicar a fome no contexto da Agenda 2030 da ONU. Contudo, a situação mudou com a pandemia da covid-19 e piorou ainda mais com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Por conseguinte, o preço dos alimentos atingiu um nível recorde em 2022 e o triênio 2021-2023 apresentou o maior valor do índice de preços dos alimentos da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), em mais de 100 anos.

O gráfico abaixo, do Atlas dos sistemas alimentares do Cone Sul, mostra que o preço dos alimentos estavam bem abaixo do índice 100 na década de 1990, subiu na primeira década do atual século, atingiu um nível muito elevado em 2011 (131,9 pontos) e deu um salto para 143,7 pontos em 2022 (recorde em mais de 100 anos).

tendência mundial de aumento dos preços dos alimentos

 

De acordo com o relatório de 2023 da FAO sobre segurança alimentar e nutrição global – divulgado em julho de 2023, meses antes do conflito em Gaza – cerca de 735 milhões de pessoas enfrentaram a fome em 2022, um aumento de 122 milhões de pessoas em comparação com 2019 antes do período pandêmico.

O gráfico abaixo mostra que a prevalência da insegurança alimentar severa aumentou no período 2014-2016 a 2020-2022, atingindo mais de 25% da população das economias de renda baixa, pouco mais de 15% da população das economias de renda média baixa e cerca de 5% da população das economias de renda média alta.

taxa de prevalência de insegurança alimentar severa

 

O índice de preços dos alimentos da FAO caiu em 2023 em relação aos preços de 2022, mas continua muito elevado para o padrão histórico. Um dos fatores que contribuem para a carestia alimentar é o aquecimento global, que representa uma ameaça existencial à humanidade e é um impulsionador do aumento do preço dos alimentos.

A crise climática não é um fator conjuntural, mas sim estrutural. O aumento das emissões de CO2 provoca não só a elevação da temperatura, mas a acidificando das águas e dos solos afetando a fertilidade dos ecossistemas. O aquecimento global aumenta os eventos climáticos extremos e provoca perdas das colheitas. O aumento da temperatura provoca chuvas excessivas em alguns lugares e secas prolongadas em outras áreas, o que tende a aumentar a desertificação de amplas áreas geográficas.

O ano de 2023 bateu todos os recordes históricos de temperatura e os 12 meses entre fevereiro de 2023 e janeiro de 2024 marcou uma anomalia da temperatura acima de 1,5ºC, em relação ao período pré-industrial, que é o limite mínimo do Acordo de Paris. Os meses de janeiro e fevereiro de 2024 foram os mais quentes para esta época do ano. Provavelmente, o ano de 2024 não será mais quente do que 2023, mas há claros sinais de que o aquecimento global está se acelerando no longo prazo.

Neste sentido, a crise climática e ambiental é uma enorme ameaça à pretensão da ONU de conseguir efetivar a meta da erradicação da fome até 2030.

Os desafios atuais são gigantescos na área da segurança alimentar.

No quadro global, o esforço imediato é buscar estabilizar os índices de desnutrição no patamar de 2015. O horizonte da erradicação da fome, infelizmente, está ficando mais distante.

Referência:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

Lizarraga, Patricia. Atlas dos sistemas alimentares do Cone Sul/organizado por Patricia Lizarraga, Jorge Pereira Filho. – São Paulo: Expressão Popular: Fundação Rosa Luxemburgo, 2024.
https://rosalux.org.br/product/atlas-dos-sistemas-alimentares-do-cone-sul/

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
 

[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

A manutenção da revista eletrônica EcoDebate é possível graças ao apoio técnico e hospedagem da Porto Fácil.

 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]