Acesso à água é uma questão de direito, artigo de Antônio Gomes Barbosa
“O acesso à água de qualidade é um direito humano básico que necessita ser efetivado para toda a população. A violação desse direito deve ser reparada de forma imediata” – 3ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Além da água de beber, a população do semiárido necessita de alternativas de captação para uso doméstico, para os animais e para a produção de alimentos
No Brasil rural hoje, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem pouco mais de 4 milhões de famílias agricultoras camponesas, destas, 50% vivem no Nordeste, maior parte no semiárido, região que ocupa uma área de 1 milhão de quilômetros quadrados, superior às áreas da Alemanha e França juntas. É um dos semiáridos mais chuvosos do mundo, com uma pluviosidade entre 450 a 700 mm/ano, porém concentrada em poucos meses. Estudos da Sudene de 1972 constataram que no Nordeste chove em média 700 bilhões de metros cúbicos de água por ano. No entanto, 97% são perdidos em virtude da evaporação e do escoamento superficial.
A fome e a sede no semiárido são produtos humano, social e político. A grande concentração e má distribuição das terras e das águas somam-se também à ausência de infraestruturas de produção, insuficiência da assistência técnica, inadequação do crédito, ausência de uma política de educação contextualizada, além de outros fatores que produzem a insegurança alimentar e nutricional.
O século 20 foi marcado por políticas públicas dirigidas ao investimento em infraestruturas hídricas de grande porte por meio da construção de grandes açudes e barragens. Como resultado desse esforço há um potencial de armazenamento de água da ordem de 37 bilhões de metros cúbicos, só no semiárido setentrional. Entretanto, ofertas concentradas de água só têm vocação para atender demandas concentradas como as das cidades/indústrias e perímetros irrigados.
As famílias difusas do semiárido necessitam de uma política de águas que atenda suas necessidades, que possibilite os vários usos da água e que valorize a sabedoria, as experiências e o protagonismo desse povo. Nessa perspectiva vale destaque a ação da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), que a partir das experiências das organizações da sociedade que atuam na região, vem, há 10 anos, construindo o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido. Materializado em duas ações: o Programa um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1 2).
Apoiado inicialmente pela Agência Nacional de Águas (ANA), a partir de 2003 o P1MC foi incorporado como política pública pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), tendo como suporte o forte apoio do Conselho Nacional Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Hoje, o P1MC também conta com aporte orçamentário da Companhia de Desenvenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Na semana da água, a ASA comemorou a construção de 250 mil cisternas, ou seja, 1,25 milhão de pessoas com água de qualidade para beber ao lado de casa. Mas estudos realizados pelo MDS e pela Embrapa Semiárido mostram a necessidade mínima de 1,3 milhão de cisternas, o que demonstra que ainda há muito por fazer.
Para além da água de beber, a população difusa do semiárido necessita de alternativas de captação e uso da água para o uso doméstico, para a dessedentação de animais e para a produção de alimentos.
Na continuidade do P1MC, a partir de 2007, com apoio da Fundação Banco de Brasil e Petrobras, a ASA iniciou o P1 2. O programa prioriza a segurança e soberania alimentar a partir da produção agroecológica de alimentos, ancorada na construção de infraestruturas hídricas como cisterna calçadão de 52 mil litros, barragem subterrânea, tanque de pedra/caldeirão e bomba d’água popular. Além disso, a ação parte da valorização das experiências exitosas da agricultura familiar camponesa através de intercâmbios e da sistematização de experiências. A partir de 2008, o P1 2 passou a contar com apoio do MDS, Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e Codevasf.
Reconhecendo a importância dessas ações, o Consea, em sua resolução sobre acesso à água, recomenda que seja intensificado o processo de democratização do acesso à água, maximizando iniciativas a exemplo do P1MC e do P1 2, além da revitalização de poços, e outras.
O acesso à água pelas populações difusas no semiárido brasileiro é uma questão de direito. A fome a sede são produtos da ação humana: mudar esta realidade deve ser também.
Antônio Gomes Barbosa, Coordenador do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1 2), da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA)
[EcoDebate, 22/04/2009]
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