A dança dos gatilhos
A dança dos gatilhos, artigo de Montserrat Martins
Gatilho de trauma (do inglês trauma trigger) é qualquer evento que lhe lembre ou seja associado, inconscientemente, a um trauma psicológico anterior
Eu nunca entendi pra que servia o Big Brother, um programa que algumas pessoas amam e outras abominam. Eu faço parte dos que acham o programa de mau gosto, fútil, fora da realidade, etc, esses preconceitos contra o BBB que você já ouviu alguém falar. Mas essa semana, pela primeira vez, me dei conta de uma realidade exposta ali que talvez explique o sucesso do BBB, que eu vou chamar aqui de “a dança dos gatilhos”.
Esse ano eu só assisti, ao acaso, dois trechos do programa: um foi uma espécie de “aula de interpretação dos fatos” que a cantora Wanessa Camargo tava dando pra Yasmin Brunet. Outro – e foi esse que me remeteu aos gatilhos – foi uma discussão entre Mc Bin Laden e Vanessa Lopes, a tiktoker, a que andou “pirando” lá dentro, com ideias de perseguição – e que acabou pedindo para sair.
O trecho que vi entre os dois parecia uma treta interminável, com acusações recíprocas e ironias. E foi sucedida por uma conversa pacificadora final, antes de ela pedir para sair. Depois eu descobri, pesquisando na internet, que essa história começou quando o funkeiro tinha investido na tiktoker sem sucesso, no início do BBB 24. Mas a parte que me chamou a atenção, que fez sentido, foi quando os dois – já no ajuste final, depois da treta – contaram dos seus gatilhos, que fizeram reagir aos gatilhos do outro.
Gatilho de trauma (do inglês trauma trigger) é qualquer evento que lhe lembre ou seja associado, inconscientemente, a um trauma psicológico anterior. Qualquer tipo de situação pode lhe despertar associações – mesmo que na hora você não se dê conta – com feridas emocionais que você pode ter desde a infância (algo relacionado a sua mãe ou seu pai, por exemplo) ou adolescência (por exemplo algum bullying sofrido) ou até sofrimentos mais recentes, como separações mal resolvidas, sentimentos de rejeição, coisas que mexeram com a sua autoestima.
A possibilidade de eventos que gerem gatilhos é tão grande quanto a cota de sofrimentos de cada pessoa, imagine então a somatória disso entre duas pessoas ou mais, em um grupo de pessoas. E é exatamente isso que acontece no BBB – e é isso que torna o programa ao mesmo tempo chato e fascinante: as pessoas se estranhando a partir de um olhar, de um gesto, de uma palavra, de um tom de voz, que foi interpretado diferente pela outra pessoa, porque acionou os gatilhos dela.
Entender isso não vai me fazer gostar do programa, mas, certamente, já me fez entender porque tanta gente gosta de assistir. Todos nós, cheios de gatilhos, queremos imaginar o que faríamos lá.
Montserrat Martins é Psiquiatra
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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